A pena de morte existe desde as primeiras civilizações, sendo realizada em formatos dissemelhantes, bárbaros e com ausência de harmonia em relação ao crime perpetrado.

Uma execução pode ser considerada como um autêntico atentado corporal e mental. Os sofrimentos físicos e psicológicos adjacentes ao “ritual” de matar não podem ser quantificados. Será que o conhecimento antecipado da própria morte não constitui uma primeira configuração de execução? Será que qualquer forma de execução não é desumana? Será que a pena de morte não é discriminatória? Será que a mesma não é usada de forma desproporcionada em variadíssimas ocasiões? Será que as classes mais desfavorecidas não têm mais “propensão” para serem executadas? Será que a pena capital não atinge vítimas inocentes? Será que os bons advogados estão ao alcance das famílias carenciadas? Será que os juízes desfilam sempre com os trajes da imparcialidade? Será que um crime semelhante é avaliado sempre de maneira análoga? Será que os prisioneiros executados são obrigatoriamente os piores? Será que a justiça humana não agasalha elevadas doses de defectibilidade? Será que o risco de executar um inculpado pode ser totalmente amputado?

Infelizmente, todas as “filosofias” e sistemas de justiça criminal são permeáveis à discriminação, segregação e ao desacerto. Nenhum arquétipo de justiça aconchegará competência para deliberar com equidade, solidez e perfeição quem deverá viver ou morrer. O costume, as marginalizações e a adrenalina da opinião pública podem de certo modo influenciar o conjunto dos procedimentos. Será que a pena capital é uma actuação de autodefesa que combate as sucessivas ameaças à existência? Será que a mesma não é a morte precogitada de um prisioneiro?

Muitos políticos apadrinham a pena de morte unicamente para alcançarem um maior número de votos, uma vez que os mesmos percebem que os eleitores insuficientemente informados e amedrontados pelos degraus de violência são verdadeiros aficionados da pena capital. Desafortunadamente, em diversas ocasiões a emoção ultrapassa a razão. A pena de morte oferece à sociedade maiores estruturas de protecção ou de desumanização? Será que se conseguem resolver problemas políticos, culturais, económicos e sociais executando prisioneiros? Será que as execuções hospedam resultados dissuasores superiores aos da prisão perpétua? Será que quem comete os crimes graves analisa racionalmente as consequências?

A dissertação que aplaude e refere que habitamos num mundo sem fronteiras deve ser comprovada também pelas condições e imposições com que presenteamos a nossa própria existência. Muitos cidadãos que perpetram crimes violentos são emocionalmente instáveis ou com deficiências mentais. Logicamente, em nenhuma destas circunstâncias o medo da execução pode ser dissuasor. Aqueles que cometem crimes graves sobrepensados acreditam que nunca serão capturados. A pena de morte garante que os sentenciados não reiterarão os crimes que os transportaram à execução. Todavia, contrariamente às condenações de prisão, a pena de morte tem como sulco principal o facto de os equívocos judiciais nunca lograrem de rectificação. A execução retira a vida de um condenado com a finalidade de prevenir eventuais crimes futuros, flagícios que ninguém tem a certeza que regressariam à comunidade. Será que a pena capital não nega o princípio da reabilitação? Não será necessário revisar as sentenças?

A determinação de revogar a pena de morte tem de ser “expugnada” pelos Governos e legisladores, mesmo nas superfícies em que a generalidade da população seja favorável à mesma. Não têm existido resistências por parte da população nos Países que aboliram a pena de morte. Será que os Direitos Humanos não são inalienáveis? Não serão indispensáveis profundas meditações e soluções para atenuar o problema da violência e da impiedade? Será que a pena capital combate eficazmente a violência ou reduz de algum modo os índices de criminalidade?

Com o progresso, a sociedade procura vértices de proporcionalidade entre a delinquência e a condenação. Movimentos com ideais embebidos em liberdade, tolerância e consideração pelos Direitos Humanos começaram a despontar e a disseminar-se pela humanidade, promovendo a extinção da pena de morte. Porém, ainda existem Países que empregam a pena de morte como meio de punição.

Contemporaneamente, presenciamos não só a insolvência do Estado, como também a desconsagração dos regimes e sistemas penais no combate ao submundo. Nos Estados Unidos, onde subsiste a pena capital, a tabela de delinquência é uma das mais espessas do mundo. Será que a pena de morte não está unicamente circunscrita aos contextos punitivos? Será que o Estado não é responsável pelos elevados índices de criminalidade? Será que o mesmo agasalha algum tipo de legitimidade para arrancar a vida aos seus cidadãos? Quem terá a culpa das péssimas condições que existem nos capítulos da saúde, habitação, emprego, economia, educação e apoio social? Será que a pena de morte não constitui um instrumento para encobrir a ausência de políticas sociais inconsequentes? Será que as inúmeras crises que têm lugar nas comunidades não geram e propagam velozmente a violência? Será que não há muitos cidadãos que quando nascem já estão condenados à pena de morte? Será que os subjugados, de forma involuntária e orientados pelos dominadores, não respiram uma pérfida fragrância contra a exclusão a que eles próprios estão submetidos, conjecturando serem elementos integrantes no combate à violência, assim como perfilhando e partilhando a crença que assenta na indispensabilidade de um correctivo “modelar”?

O Estado deve cumprir com seus deveres sociais, analisando as graves injustiças e arbitrariedades socioeconómicas, bem como impulsionando a tranquilidade social. Todos os cidadãos devem aquartelar profundas meditações sobre as problemáticas sociais, executando também as suas incumbências, tanto na selecção dos seus governantes, como na “alfabetização” dos seus descendentes, uma vez que os sustentáculos familiares também se encontram totalmente desenraizados da civilidade. O filósofo Pitágoras tinha imensa razão quando disse: “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”. Sinceramente parece-me que a privação de liberdade, desde que seja aplicada de modo eficiente e convincente, é suficiente para castigar, outorgando ainda a possibilidade de reabilitar o indivíduo para o “contubérnio” em sociedade. Será que o receio social não se metamorfoseia em mito? Será que esse mito não se transforma em princípio de salvação? Será que esse princípio não se transforma em poder e autoridade?

Os Estados que conservam a primazia da vida humana jamais podem abraçar a ilusão que defende a pacificação de consciências e a circunscrição dos riscos através da supressão de seres humanos. Portugal deve orgulhar-se de ter sido o primeiro País a extinguir a pena capital para os crimes comuns, sem nunca mais a ter voltado a instituir. Os sinais de crueldade que indumentam as práticas punitivas nunca poderão ser contemplados como completamente debelados, pois o trabalho permanente de lutar contra as atrocidades constitui uma condição inerente aos “requisitos” humanos. Será que não é incomportável a prática formal da vingança por intermédio da morte? Será que não é inadmissível um sistema punitivo que confraternize com a imprevisibilidade, dubiedade e arbitrariedade nas suas decisões?

A pena de morte, por injuriar a existência, acaba por espancar a biografia da humanidade, atravancando o desenvolvimento da humanidade. A condenação, em sintonia com os instrumentos criminais das Nações democráticas, tem como propósito a reintegração do indivíduo na sociedade. Será que a pena de morte não é incompatível com a filosofia do Direito?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.