Da mesma forma que acontece com outros digressos da sexualidade, também a pedofilia aquartela uma evolução crónica e peculiar. Os comportamentos pedófilos podem ir do desnudar as crianças até à penetração, passando pelo toque, masturbação e sexo oral. O traumatismo provocado nas crianças está intimamente ligado não só ao tipo de acto a que as mesmas foram submetidas, como também à idade que tinham no momento em que foram vítimas de abusos sexuais e ao apoio que lhes foi outorgado. Será que não é importante conhecer a situação real da pedofilia em Portugal? Será que existe alguém que conheça essa realidade? Será que não é relevante saber como a mesma está disseminada no mundo? Quais são os melhores métodos de prevenção relativamente a este hediondo crime? Quais são as verdadeiras consequências de um abuso sexual a um menor? Quais são as estratégias a perfilhar para evitar que os agressores potenciais tenham acesso aos nossos filhos e a nós próprios? Será que o cidadão comum não tem que conhecer as respostas a todas estas perguntas?
Em Portugal, o relevo e o tratamento da temática dos abusos sexuais a menores somente ganhou status de interesse público no ano de 1996, ano em que se descobriu a rede de pedofilia na Bélgica. O interesse social relativamente a esse tema já se vinha assomando, ainda que muito lentamente e através de iniciativas insuladas, entre alguns grupos de profissionais e de académicos que manifestavam a necessidade e a utilidade de meditar sobre as suas experiências e sobre os seus dilemas no que toca à realidade dos abusos sexuais de menores.
A chancela interesse público acolheu o tributo dos meios de comunicação de forma que o fenómeno arregimentou outros grupos de profissionais e diversas associações. Os principais corolários da disseminação das ocorrências relativas à rede de pedofilia belga foram: a proliferação de eventos científicos, de palestras, de conferências e de investigações sobre pedofilia; a constatação da falta de estudos sobre esse fenómeno em Portugal; a confirmação do desconhecimento da dimensão e das características do problema; o dilaceramento do silêncio; e a rectificação do código penal. Será que o crime de abuso sexual de menores não é um fenómeno bastante mais antigo do que a maioria das publicações divulgam? Será que ao longo dos tempos, não temos assistido em Portugal a uma crescente polémica em redor deste tema? Será que este cenário não acomodou o contributo do triste e conhecido caso “Casa Pia”?
Este escandaloso e indecoroso acontecimento, embrulhou uma rede de indivíduos oriundos de todos os “degraus sociais” como sejam: instrutores educativos; locutores de televisão; políticos; e advogados. O vértice comum residiu no facto de todos serem incriminados por perpetrarem crimes sexuais completamente pérfidos e contra a integridade física e psicológica de inúmeras crianças. As crianças, em troca de algum dinheiro e de alguns bens supérfluos, eram contempladas e tratadas como objectos de prazer, de satisfação e de deleite. As crianças encaixadas nessa instituição, para além de terem sido alvo de abandono ou vítimas de maus tratos por parte das suas famílias, ainda eram abusadas sexualmente de forma reiterada. Contextos de abandono e de maus-tratos no seio familiar, em alguns casos aliados a profundos défices cognitivos, constituíam condições que fragilizavam essas crianças e esses jovens, tornando-as emocionalmente instáveis. As circunstâncias de abuso apenas fortaleceram essa conjuntura que já era, por si só, preocupante, cinzenta e obtusa. Marcas que infelizmente passaram e estar presente na vida dessas crianças e jovens, afectando-as visceralmente e amiudadamente. Será que este escândalo não agasalhou a “virtude” de inquietar e alvorotar a sociedade portuguesa, transportando-a para patamares maiores de cogitação e de sensibilização? Será que o mesmo não destapou algumas debilidades do nosso sistema organizativo? Será que o sistema organizativo não contém os subsistemas judiciário, educativo e governativo? Será que os acontecimentos da Casa Pia não edificaram um género de aprovação universalizada à volta da condenação da pedofilia? Será que em determinadas ocasiões, o assunto Casa Pia não foi remetido para a superfície das responsabilidades individuais em detrimento do cabimento das responsabilidades colectivas?
A criança é um ser humano no princípio do seu desenvolvimento. Gosta de brincar e de se sentir protegida, bem como realizar “tarefas” ou explorar cenários para além do que a idade lhe permite, sendo justamente neste mundo inocente e cristalino que o pedófilo se encaixa para a consumação do crime. Depois de abrigados no meio infantil, presenteiam as crianças com uma falsa e pérfida protecção, assim como com um conjunto de brincadeiras e ofertas que permitem atrair e fascinar o interesse e o sentimento das mesmas. Nesta fase já o pedófilo concretiza os seus mais infames devaneios sexuais. É no mínimo repugnante imaginar a prática de tais actos, pois são de extrema violência física e psicológica para as crianças. O organismo de uma criança não está minimamente calendarizado para as práticas sexuais, até porque os seus órgãos genitais ainda se encontram em período de desenvolvimento.
A pedofilia é um crime sem fronteiras e irreparável, sendo que as consequências produzidas na sociedade agasalham um temperamento psicossomático, ou seja, que diz respeito simultaneamente ao corpo e ao espírito. Os indivíduos que praticam tais actos são perigosos, desumanos, sanguinários, impiedosos e dissimulados, estando espalhados por todos os locais. A família, o Estado e a sociedade têm aqui um enorme repto, sendo preciso desenvolver aparelhos eficientes e suficientes que combatam este crime, tanto na sua prevenção, como na sua repressão. Das três “instituições” acima referidas, qual é a que pode outorgar um maior contributo para a defesa e protecção desses inocentes?
Os abusos sexuais de menores podem ser considerados um fenómeno que ocorre em qualquer parte do mundo, sendo “frequente” escutar relatos acerca desta perniciosa prática. Trata-se de um fenómeno que se ergue como uma espécie de “mortificação” e que se dissemina por todos os lugares.
A prevenção contra este tipo de “episódios” é profundamente relevante e elementar. Obviamente que uma reflectida e estruturada prevenção pode impedir a concretização de um acto que vai marcar e delimitar visceralmente o desenvolvimento da criança. Talvez a educação sexual deva ser integrada na educação de uma outra forma, e não apenas circunscrita à anatomia ou conformação de um corpo, e à funcionalidade do órgão. Os programas que objectivam a prevenção do abuso sexual de menores, a implementar nos estabelecimentos de ensino, devem introduzir-se nos programas de educação sexual ou nos programas de promoção para a saúde. Este tipo de programas deve ter como principais finalidades: a prevenção, e a consequente diminuição, das ocorrências de abusos sexuais; a comunicação mais facilitada quando os mesmos sucedem; a redução da gravidade das suas inferências; e a orientação para a reabilitação das vítimas. A criança deve hospedar um conjunto de conhecimentos, no campo da educação sexual, que lhe garanta uma perspectiva benigna da sexualidade, bem como uma visão que promova o respeito e o esguardo pelos outros. Será que a pedofilia não pode ser evitada? Será que uma educação séria, atenta e inteligente não pode contribuir para esse cenário? Será que a família não desempenha uma função extremamente relevante relativamente à prevenção destes casos? Será que não é fundamental que os pais tenham informação acerca do despertar da sexualidade na criança? Será que não é importante escutar e dialogar com os filhos sobre o funcionamento do corpo? Será que elucidar as crianças e os jovens sobre o direito ao respeito e à protecção por parte dos adultos não contribui para a diminuição deste flagelo? Será que o “Programa de Prevenção do Abuso Sexual de Menores” está bem estruturado e disseminado?
Os pais devem conhecer os vizinhos, sentir responsabilidade pelos filhos dos amigos e elaborar um “registo” de pessoas de confiança em contextos de risco. Os pais também devem cooperar com a escola, participando de uma forma empenhada, activa e diligente em actividades e programas catalogados com este tema. A sociedade deve participar e estar interessada na realização de actividades que doutrinem as crianças a ajudar-se mutuamente. A perfilhação de arquétipos de prevenção de abusos sexuais de menores promove os índices de protecção e de segurança, embaraçando e impedindo, em formatos eficazes, o papel do agressor sexual. Será que não faz parte da educação, o diálogo livre e aberto entre pais e filhos sobre tudo aquilo que os rodeia? Será que não é relevante que a criança fale abertamente sobre os seus pensamentos, emoções, angústias e sentimentos? Será que a criança não passou a ser o “âmago” do nosso ordenamento jurídico? Será que essa condição é suficiente? Será que a aplicação da lei não deve “deslizar” sobre a textura normativa e constitucional?