Os cidadãos, de modo independente, destapam inúmeras dificuldades em tomar a iniciativa de promover movimentos que contribuam para a efectivação da própria justiça. Todavia, é seguramente relevante assinalar que nem todo o género de antagonismos deve ingressar nas portadas da justiça, ou seja nos tribunais “comuns”. Os serviços de assistência jurídica, anteriormente referidos, podiam funcionar como um coador para os casos de menor complexidade, desempenhando, dessa forma, elogiáveis e pertinentes procedimentos nos cabimentos jurídico e social.
Existe a necessidade de um envolvimento mais activo e diligente por parte dos Magistrados com a comunidade na qual se encontram encaixados. Essa implicação vai agasalhar desfechos directos na própria realização das decisões judiciais, assim como índices superiores de legitimação e de consagração democrática aquando da prática da actividade jurisdicional. Em algumas situações conseguimos observar que a conduta inovadora dos Juízes dispensa mudanças viscerais na legislação, uma vez que se adianta à mesma. Será que os Magistrados não devem cumprir concomitantemente a responsabilidade enquanto cidadãos e a responsabilidade jurisdicional adjacente às suas funções? Será que o sistema judiciário não está inserido no sistema social?
Relembrar que o judiciário incorpora o quadro Estatal, estando sujeito não só aos imperativos constitucionais, como também aos demais órgãos ou mecanismos Estatais, os quais lhe servem como padrão e como orientação para a concepção das decisões mais apropriadas aos conflitos que são colocados na tela da avaliação ou da apreciação. O Juiz, inversamente ao legislador e ao executivo, encontra a nascente da sua legitimação directamente na Constituição. Neste entrecho, podemos naturalmente afirmar que o Juiz ocupa uma disposição privilegiada em relação aos legisladores e aos administradores. Pelo facto de dispensar os votos dos cidadãos para o desempenho das suas funções, acaba por desfrutar de uma extraordinária autonomia na tomada de deliberações, legitimadas pela sua argumentação e nunca pela superior ou inferior coadjuvação popular. O Juiz é isento por natureza ou por “essência”, preenchendo uma posição de enorme destaque no Estado Democrático de Direito por tentar asseverar o exercício dos direitos fundamentais aos cidadãos que procuram justiça e acedem ao judiciário. Não existe ninguém que discuta ou conteste o poder e a autoridade do cargo, encontrando-se este constitucionalmente consagrado. Esse poder acaba por possibilitar aos Magistrados prescrever soluções para os “celeumas” que vão aparecendo, interligando as partes à sua sentença. Realçar que esse mesmo poder também deve ser timonado para actividades de temperamento menos jurisdicional, porém profundamente associadas ao pensamento de uma justiça mais veloz e circunjacente ao cidadão. Será que não é necessário dar passos mais arrojados, intrincados, completos, abrangentes e difíceis? Será que as comunidades não precisam de Magistrados montanhistas, marinheiros, viajadores, trabalhadores, inovadores empreendedores e equilibristas?
Os Juízes devem hospedar a capacidade de avaliar riscos, reptos, resultados, inovações, sulcos, opções e contextos ambientais, labutando com a equação custo versus benefício. Também hospedam a necessidade de se modernizar na superfície tecnológica, preservando sempre um rumo; dominando os instrumentos disponíveis; estabelecendo percursos alternativos; e comunicando com transparência as suas posições e decisões. A par destas condições ou requisitos, os Juízes também devem estar descerrados a novas culturas, bem como a novos automatismos e rotinas. Devem acolher índices elevados de maleabilidade e de elasticidade, sem que essa conjuntura conduza ao esquecimento do conceito prioridade. Exige-se dos novos Magistrados aptidão para administrar, motivar, unificar e laborar com pessoas; mestria para planear, estruturar e improvisar; capacidade para distinguir tudo aquilo que é duradouro de tudo aquilo que é transitório; adaptação às constantes e pertinazes metamorfoses; e competência para reconhecer e vencer as inúmeras imbecilidades persistentes. Será que os Magistrados não devem estar atentos à realidade circundante? Será que não vivemos num País trajado a extrema heterogeneidade? Será que não vivemos num País assinalado por uma perversa distribuição de riqueza?
Os homens, da mesma forma que as instituições, se não possuírem um projecto próprio, permanecerão incluídos num qualquer diagrama alheio e abstracto. No âmago deste cenário, é muito provável e relativamente fácil perder o papel principal, ou seja passar de uma figura protagonista para uma figura subalterna e enfraquecida. Essa assunção do papel de protagonista, num panorama em que se deseja uma justiça eficaz, eficiente e democrática, exige novas e robustas atitudes por parte dos Magistrados. Logo, torna-se essencial que esse panorama seja substancialmente mais activo, comunicativo, participativo e “permeável”. Será que ao longo dos tempos conseguimos edificar uma sociedade equitativa, afectuosa e pluralista, com supressão dos preconceitos e das desigualdades? Será que a nossa sociedade não é a mesma dos Magistrados? Será que um sistema legal admirável não necessita de modernizar a administração da justiça e a própria gestão dos processos? Será que a materialização da reforma do judiciário não desfila permanentemente no quotidiano dos cartórios, das varas e dos tribunais? Será que não é fundamental que os Juízes, membros do Ministério Público e outros agentes do Direito, com a colaboração da sociedade civil, desenvolvam projectos relevantes de racionalização e de dilatação dos serviços judiciais? Será que estes projectos não irão ter um impacto positivo e expressivo na eficiência da performance jurisdicional?
A ampliação dos papéis, dos compromissos, das funções e dos poderes desempenhados pelo judiciário no cumprimento das suas “prerrogativas” constitucionais coloca a estrutura e a laboração dessa organização no patamar das mais polivalentes altercações. Será que essa ampliação não acabou por constituir um fenómeno sentido em todas as democracias hodiernas?
Discute-se sobre a ineficiência, o formalismo, a inflexibilidade e o afastamento que se regista entre a magistratura e o povo. Estes “vértices” contribuem expressivamente para a manutenência de uma disposição “mecanicista” no exercício da jurisdição, sintetizada à aplicação “literal” e “gélida” da lei, e descomprometida com as prováveis e exequíveis consequências de temperamento prático provenientes da deliberação judicial enunciada. Será que este cenário não concebe resultados perniciosos para a eficiência da justiça? Será que esta moldura não coloca em causa a efectividade da deliberação judicial? Será que a mesma não se apresenta como incapaz de preencher o espaço no qual se enquadra o apaziguamento social? Será que a pacificação social não constitui uma das primordiais finalidades do sistema civil?
O tribunal, apetrechado com o Poder Judiciário, deve ser uma instituição na qual: os indicadores de nobreza e de dignidade estão patenteados por elevados parâmetros de satisfação da sociedade; o vigor e a energia devem ser legitimados e autenticados pela competência e rapidez com que se dissemina e distribui a justiça; e a fertilidade se manifeste pela sobriedade dos processos produtivos, pelo desamor em relação às burocracias, e pelo abandono de uma série de esbanjamentos inúteis e umbrosos. Na realidade, os cidadãos necessitam de instituições modernas, honestas, firmes, verdadeiras e eficazes no cumprimento das suas incumbências legais e constitucionais. Somente desta forma, os valores da justiça, da tranquilidade social, da efectividade e da eficiência podem ser palpabilizados. Será que a função social não constitui um princípio geral do direito? Será que esse princípio não agasalha como objectivo a ligação e a conjugação das actividades de todos os actores sociais, ou seja do Estado e dos particulares? Será que a concretização do bem-comum e a abrangente fundamentação do interesse público não constituem contextos fundamentais para a edificação e conservação de uma sociedade prazenteira, sorridente, imparcial, contrabalançada e afectuosa?
A função social, na circunferência do direito, consiste na fundação, por parte do “ordenamento” público, de um conjunto de normas, delineamentos e diagramas direccionado a balizar os “instintos” e os organismos egocêntricos ou individualistas e, inversamente, a proporcionar a concretização de uma verdadeira paridade entre os indivíduos, não só sob o ponto de vista formal, como também material. Torna-se essencial encurtar as desigualdades entre classes, possibilitando aos cidadãos viver com indicadores mínimos de dignidade e asseverando, simultaneamente, a construção de uma sociedade livre e interdependente. Será que o desenvolvimento nacional dispensa este cenário? Será que não é justo a sociedade ser beneficiada como um todo? Qual será o motivo pelo qual, na maioria das ocasiões, somente serem beneficiadas as denominadas classes sociais privilegiadas? Será que a função social não pode ser interpretada como o desfecho que se deseja alcançar com determinada actividade do homem ou das suas organizações, tendo como pano de fundo os interesses “colectivos”? Quais são as consequências que a mesma transporta para a convivência social? Será que o formato de executar define ou qualifica a função social?
A inquietação com a função social da actuação humana está visceralmente conectada com uma perspectiva “recente” que o iluminismo apresentou e inseriu na cultura ocidental, ou seja a descentralização do indivíduo em relação à sociedade. Se nos debruçarmos sobre o direito público, podemos verificar que a sua própria essência e natureza defendem que qualquer direito ou poder deve ser executado no âmbito do interesse colectivo. Logo, seria “congénito” e adequado desfrutar de uma função social como motivo ou fundamento e nunca como fronteira ou limite. Será que a função social, sempre debaixo do olhar atento da Constituição, não é um princípio bastante mais relevante do que se julga? Será que não é um princípio que influencia e liga todo e qualquer poder que se pratique sob o resguardo da Constituição? Será que não é o princípio que actua na colisão dos poderes privados e públicos com os bens colectivos, ou seja aqueles bens que não pertencem ao Estado, nem a nenhum particular, sendo de todos os indivíduos em regime de co-propriedade e co-responsabilidade?
De entre os poderes privados, podemos destacar o económico, o patrimonial e o financeiro. No âmago dos poderes públicos, podemos enunciar o político, o administrativo e o jurisdicional. Por sua vez nos bens em regime de co-propriedade e co-responsabilidade podemos salientar, por exemplo, a saúde, a educação e o ambiente. As empresas, o capital, a propriedade intelectual têm função social, precisamente por influenciar, ou ter possibilidade de influenciar, direitos das colectividades, concernentes a bens sociais que têm hegemonia sobre os outros bens. O Estado não pode empregar os bens colectivos, em benefício dele próprio ou de conveniências privadas, pelo descomplicado motivo de não lhe pertencerem. Será que a função social não é o princípio noticiador da tutela colectiva dos interesses ou dos valores colectivos como direitos subjectivos da sociedade e de cada indivíduo?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.