Podemos começar por afirmar que foi num Congresso norte-americano, no já longínquo ano de 1965, que se descerrou caminho ao “homologar” legislação que “obrigava” a presença de mensagens de alerta nos maços de tabaco. Cinco décadas depois, os fumadores trazem nas algibeiras fotografias de órgãos cancerosos, de operações cancerosas e de doentes amputados. Será que as imagens que presentemente desfilam nos maços de tabaco agasalham um papel importante no que toca à dissuasão dos cidadãos em relação ao vício? Será que a tendência não é para que os maços de cigarros em Portugal hospedem imagens cada vez mais impressionantes, perturbantes e chocantes?
As imagens impactantes nos maços de tabaco despontaram pela primeira vez no Canadá, no ano de 2001. Em 2012, a Austrália tornou-se no primeiro País do mundo a “extinguir” as marcas dos maços de tabaco e a permutá-las na ”globalidade” por essas imagens atemorizadoras. Será que as imagens surtem algum tipo de efeito? Será que as imagens surtem o efeito esperado? Será que os estudos realizados sobre esta temática não são bastante heterogéneos e inconclusivos quanto aos resultados? Quais são as probabilidades de deixar de fumar ou de diminuir o número de cigarros consumidos por dia entre os fumadores que contemplam as imagens e lêem os alertas? Será que os avisos ilustrados não são mais eficientes, persuasivos e convincentes do que os textuais?
A legislação existente, sobre a incorporação de imagens desassossegadoras nos maços de tabaco, possibilita que os Países possam voluntariamente perfilhar, ou não, esta medida. Actualmente já existem alguns Países que colocam este tipo de imagens nos maços de cigarros. Será que não se pretende elaborar uma espécie de reforma de modo a metamorfosear a aplicação voluntária da lei em aplicação obrigatória da lei? Quais são os acessos dos jovens no que respeita à aquisição de tabaco? Será que existem arquétipos efectivos que permitem restringir o acesso ao tabaco aos menores de 16 anos? Será que a supressão das máquinas de venda de cigarros não era uma medida profícua e pertinente? Será que o tabaco não deve ser vendido unicamente aos balcões dos estabelecimentos comerciais? Será que não é importante a introdução de máquinas que somente desobstruam a venda de tabaco através da leitura do cartão de identificação do comprador? Será que não é fundamental restringir a comercialização dos cigarros electrónicos, bem como dos cigarros com aromas atractivos? Será que a Comissão Europeia não procura encaminhar os jovens para uma vida saudável? Será que os Países não necessitam do dinheiro proveniente dos impostos aplicados ao tabaco? Como se consegue apresentar o lado mais atractivo da vida longe do tabaco? Será que os indicadores em relação ao consumo de tabaco na Europa têm vindo a baixar significativamente, mesmo com a aplicação de alguns arquétipos legislativos repressivos sobre o consumo do mesmo? Será que esta tendência é para manter ou para ser “benfeitorizada” consideravelmente?
Existem plataformas na Internet que “funcionam” como um médico virtual, computando o escalão, o estado ou a intensidade de dependência do fumador, e fazendo o acompanhamento permanente do fumador com conselhos práticos que resultam em incentivos e estímulos efectivos e concretos para abandonar o tabaco. Na realidade, trata-se de uma campanha concebida pela Comissão Europeia que parece não colher muitos frutos, embora a mesma contrarie esta análise. Quais são as histórias pessoais inspiradoras para aqueles que pretendem deixar de fumar? Onde estão essas “dissertações”? Será que é possível raciocinar sobre o tabaco sem coligá-lo a cenários de dependência; de problemas respiratórios; de doenças cancerosas; de amputações diversas; e de outros contextos desvantajosos e pardacentos para a saúde? Será que o impacto contraproducente do fumo não se metamorfoseia quando o assunto capital é economia?
Podemos seguramente referir que a Organização Mundial de Saúde tem travado uma batalha relevante contra as indústrias de tabaco e em benefício de políticas públicas orientadas à população em geral. Algumas dessas medidas foram: a interdição do uso de publicidade directa e indirecta alusiva ao tabaco; o incremento de impostos; o aumento dos preços dos maços de cigarros; a aplicação de mensagens de advertência muitíssimo bem visíveis e claras em maços de tabaco; e a proibição de fumar em espaços públicos cobertos e em locais de trabalho.
Contemporaneamente o tabaco é a mais protuberante cultura agrícola não-alimentícia do planeta, contribuindo consideravelmente para as economias de mais de uma centena e meia de Países. A esmagadora maioria desses Países agasalha inúmeras fábricas ligadas aos produtos de tabaco e essa indústria representa habitualmente uma parte muitíssimo relevante do contexto económico e social. Realçar que os impostos aplicados e “provenientes” da indústria do tabaco constituem fontes de receita fundamentais para quase todos os Países do mundo. Mesmo nos Países que não desenvolvem a industrialização do tabaco, a distribuição dos seus produtos é uma determinante fonte de actividade económica. Será que existem muitas indústrias tão abrangentes como as do tabaco?
Até aos anos noventa, “confeccionar” uma campanha para marcas de tabaco era um sonho para qualquer profissional da publicidade, pois os donos dessas marcas eram proprietários de magnificentes verbas de produção. O valor das marcas de tabaco começou a ser estruturado e concebido no início da revolução industrial. Passar essa mensagem era um labor ou uma função que acabava por atiçar a criatividade e o interesse dos publicitários não só pela necessidade de criar mensagens criativas, fecundas, subtis e sofisticadas, como também de aplicar às mesmas metáforas complicadas e de excluir nas “comunicações” frases chatas, “vazias”, insípidas e funcionais como acontecia com a maioria dos outros produtos. Será que esta diferenciação não foi alicerçada por argumentos emocionais e simbólicos? Será que os cigarros são produtos que hospedam algum tipo de benefício funcional?
Com um produto bastante simples de se produzir e extraordinariamente frutuoso, os proprietários das indústrias de tabaco injectaram volumosas quantidades de dinheiro nas indústrias da propaganda e da publicidade, chegando mesmo a ser os primeiros e os maiores clientes das mesmas. Incorporavam os melhores profissionais destes mercados para acrescentar valor aos seus produtos de alcatrão, de benzeno, de cianeto, de nicotina e de naftalina. Também se “organizou” a intenção de que o cigarro passasse a ser consumido pelo público feminino. Logo, coligou-se o cigarro à procura da independência feminina, metamorfoseando o fumar em público numa acção de auxílio à essa mesma procura de independência.
Acabou por ser conhecido o “consórcio” entre a indústria do tabaco e o cinema em Hollywood. Esta ligação autorizou a edificação do mito do consumo do tabaco como um produto que trazia sofisticação, glamour, sedução, poder, autoridade, conquista e magnetismo. Os cigarros desfilaram em centenas e centenas de filmes ao longo dos tempos, assim como nos lábios, nas mãos e nas algibeiras das mais salientes e proeminentes estrelas do cinema, aparecendo como um autêntico protagonista no final de múltiplas cenas de acção e de sexo, e consumido juntamente com bebidas alcoólicas em festas glamorosas e hollywoodescas.
Estas “actuações”, alicerçadas por planturosos investimentos em propaganda, fizeram do uso do tabaco um culto de passagem para a vida adulta, ou seja um comportamento embebido em rebeldia e em pertinácia, símbolo de sofisticação que se transformou numa verdadeira manifestação de personalidade daqueles que eram fumadores. Cada marca representava um símbolo que era meditado, trabalhado e aproveitado pelos seus consumidores para conceber a sua própria personalidade. Desde os anos 60 que se conheciam os malefícios que o tabaco acarretava, ou seja relacionava-se o uso ininterrupto do tabaco a certas doenças. Nos anos 70, despontaram, ainda que de forma bastante ténue, algumas limitações à comercialização e ao consumo do tabaco. Com o decorrer do tempo, as restrições foram aumentando até à completa proibição de qualquer tipo de propaganda de marcas de cigarro em qualquer evento ou espaço. A única excepção correspondia aos locais de venda desses produtos, mas mesmo esses ficaram sujeitos a diversas restrições, principalmente quanto ao género e quantidade de mensagens. Será que a imagem de um produto está unicamente subordinada ou condicionada à propaganda activa que possa recair sobre o mesmo? Será que o consumo de tabaco, efectuado por determinadas figuras públicas, não foi essencial para que a imagem do cigarro continuasse a ser positiva, segura e sedutora?
De todas as interdições implementadas, talvez a proibição do consumo de tabaco em cafés, bares e restaurantes tenha sido a mais nefasta para a própria imagem e indústria do cigarro. Era frequente fumar em todos os estabelecimentos, nomeadamente nas casas nocturnas. Estas casas constituíam ambientes frequentados fundamentalmente por jovens, onde o cigarro cumpria uma função hegemónica na imagem que os mesmos ambicionavam edificar dentro dos espaços de diversão nocturna. Ao se proibir o consumo do tabaco dentro dessas superfícies, o cigarro parece, ainda que paulatinamente, que perdeu a sua “identidade” e “vitalidade, ou seja a sua razão de ser ou de existir. O cigarro foi perdendo preponderância, uma vez que somente os verdadeiros viciados é que se ausentam da confraternização para poder fazer uso efectivo do produto no exterior dos estabelecimentos. Referir que em Portugal a proibição de fumar não está presente em todos os locais ou estabelecimentos. Será que esta imagem ou conjuntura não começou a ser extraordinariamente pejorativa para os fumadores?
Antigamente os jovens pretensiosos exibiam maços de cigarro em cima das mesas das faculdades ou dos locais de trabalho. Contemporaneamente observa-se um abrandamento e talvez um acanhamento neste “itinerário”. É seguramente oportuno referir que os programas e as campanhas de esclarecimento acerca dos malefícios do tabaco pouco contribuíram para que a população parasse de fumar, porém a transfiguração da sua “simbologia” mostrou-se estupendamente eficaz para que os benefícios do cigarro parassem de desfilar. Quando indivíduos memoráveis e líderes de opinião pararam de se aproveitar do cigarro para edificar e pigmentar a sua imagem, o interesse e a procura pelo produto acabaram por diminuir. Será que a imagem de uma marca não está profundamente associada à imagem dos seus utilizadores?