Em janeiro deste ano, o juízo de Competência Genérica de Vila Nova de Foz Côa absolveu os arguidos, dois homens de 37 anos, como autores materiais e na forma consumada “de um crime de dano qualificado pelos atos de vandalismo às gravuras do Côa”.
Após esta decisão judicial, foram interpostos recursos pela Fundação Côa Parque (FCP), Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP) e pelo Ministério Público, para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Sobre o recurso apresentado, explicam que “teve por fundamento, entre outros, o grosseiro erro de perspetiva jurídico-cultural do que sejam os valores a proteger num perímetro como o do Parque do Côa”.
Para aquelas entidades, a decisão proferida pela primeira instância “aceitou que – na proximidade de uma dada rocha com gravuras paleolíticas inscritas – possam ser feitas inscrições atuais em outra rocha por livre iniciativa e a bel prazer de quem ali possa passar!”
Fundação e associação entendem que o Parque “é um ‘santuário’ para proteção e preservação integral do que está, e que as normas que defendem os santuários rupestres não se compadecem com atividades clandestinas que interfiram com elemento histórico e o natural neles existentes, mesmo a inscrição de gravuras em rochas não gravadas constitui um atentado de lesa-património”.
O resultado do recurso apresentado foi agora conhecido e o Tribunal da Relação de Coimbra manteve a decisão proferida pela primeira instância, que absolveu os arguidos como autores materiais e na forma consumada de um crime de dano qualificado”, indica a Fundação Côa Parque e a Associação de Arqueólogos Portugueses, numa nota enviada hoje à agência Lusa.
Face a esta decisão, as duas entidades subscritoras irão promover “iniciativas de reflexão que permitam aprender com este processo, propondo a quem de direito as correções de procedimentos ou mesmo do quadro legal que se considerem adequadas, promovendo a sensibilização da proteção do património cultural”.
“Tratando-se de um bem classificado pela UNESCO, este resultado leva-nos a refletir acerca do valor do património cultural que não apenas é português como universal”, reagiram desta forma a duas entidades de salvaguarda do património pré- histórico.
A associação e a fundação recordam que “em 1998, no processo de classificação mais rápido de sempre, a UNESCO incluiu a arte Pré-histórica do Vale do Côa na Lista do Património Mundial”.
“A justificação, sob a forma de critérios de classificação, foi dupla: a arte rupestre do paleolítico superior do Vale do Côa é uma ilustração excecional do desenvolvimento repentino do nosso génio criador durante a alvorada do desenvolvimento cultural humano”, indica,
Os factos remontam ao dia 25 de abril de 2017 e foram denunciados no dia 28 pela Fundação Côa Parque, que gere o PAVC e o Museu do Côa, e o Ministério Público (MP) imputou aos dois arguidos o crime de “prática de dano qualificado, punível com pena de prisão de dois a oito anos”.
Segundo contou à Lusa um representante da Fundação Côa Parque, na altura do sucedido, “um grupo de ciclistas amadores fez um passeio de BTT com início em Vila Nova de Foz Côa e passagem no núcleo de arte rupestre da Ribeira de Piscos, um dos mais importantes núcleos arqueológicos da Arte do Côa, onde foi feita a inscrição ‘BIK’ num dos painéis de gravuras”.
Na ocasião, a Polícia Judiciária (PJ) anunciava ter identificado dois homens suspeitos do vandalismo de que foi alvo uma gravura do PAVC.
Segundo aquela polícia, os suspeitos foram considerados “responsáveis pela produção de dois desenhos e uma inscrição sobre o Painel Central de Arte Rupestre da Ribeira de Piscos, vulgarmente conhecido pela representação do ‘Homem de Piscos’, classificado como monumento nacional e como património mundial pela UNESCO”.