Há um número crescente de zonas do país nos cuidados paliativos

“Podemos afirmar, sem exagero, que o país tem um número crescente de parcelas nos cuidados paliativos”, afirma investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade de Évora, Paula Reis.

Portugal assiste a um número crescente de zonas do território “nos cuidados paliativos”, com as políticas públicas para o interior a não conseguirem ir para lá da construção de piscinas, campos de futebol e requalificação de edifícios, alerta uma investigadora.

“Podemos afirmar, sem exagero, que o país tem um número crescente de parcelas nos cuidados paliativos ou que tendem para a morte económica e social”, afirma a investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade de Évora Paula Reis.

A investigadora, que fez uma tese de doutoramento sobre as Aldeias Históricas (rede de localidades situadas no interior da região Centro), tece um diagnóstico preocupante sobre o interior do país: “Trata-se de territórios superdependentes dos fundos comunitários, demograficamente moribundos, sem atividade económica, despovoados e abandonados, sem expectativas de um futuro melhor ou, pelo menos, diferente”.

Nesse contexto, “forma-se um círculo vicioso de empobrecimento, emigração, abandono e envelhecimento que contrasta com o largo e sustentado movimento de políticas públicas comunitárias e nacionais de desenvolvimento rural e regional, desenhadas e implementadas para combater os problemas dos espaços mais débeis”.

Analisando o impacto da criação da Rede das Aldeias Históricas, Paula Reis nota que esses lugares continuam a perder população absoluta, em três das 12 aldeias não houve qualquer nascimento entre 2001 e 2011 e regista-se uma perda de diversidade política, económica e cultural nas últimas décadas.

Para Paula Reis, as políticas públicas nacionais para o interior apresentam contradições: “Por um lado, requalifica-se um conjunto de aldeias para travar ou minimizar um conjunto de problemas sociais e económicos e, por outro, provoca-se o desmantelamento de um conjunto de serviços de proximidade e de infraestruturas. O resultado é fortes desequilíbrios na coesão social e territorial”.

Na sua perspetiva, o poder local “não tem mecanismos para contrariar ‘per si’ uma série de opções políticas, económicas e sociais, decididas e programadas a nível central e europeu”.

Segundo a investigadora, as diversas políticas públicas, de uma forma geral, não foram além da “multiplicação de bens e serviços públicos não transacionáveis que apenas geram despesa, mas captam eleitorado”, como é o caso de piscinas, campos de futebol ou pavilhões polidesportivos.

Ao mesmo tempo, registou-se um abandono da atividade agrícola, assim como o desmantelamento de infraestruturas, equipamentos e serviços básicos essenciais, “tornando-se em territórios repulsivos, com fracas capacidades para atrair novos projetos e investimentos geradores de dinamismo para manter os níveis mínimos de ocupação do território”.

Para tudo isto, contribui também o facto de nunca ter havido “uma política regional em Portugal até à adesão à Comunidade Económica Europeia”, sustenta, considerando que a ineficácia das políticas públicas passa também pela falta de consideração das características de cada território bem como por não serem escutados os atores locais.

“De forma mais simplista, são os programas que reinventam ciclicamente os territórios e não os territórios que formatam os programas e as medidas, de baixo para cima”, salienta.

“Estamos perante territórios em reclusão face ao crescente isolamento, despovoamento, envelhecimento. Esta realidade estatística contrapõe com o discurso político, mediático e académico criado em torno de programas e iniciativas públicas de norte a sul do país, mas que ninguém avalia”, salienta a também docente do Instituto Politécnico de Castelo Branco, que recorda uma pergunta deixada por um habitante de Sortelha (Sabugal): “O que posso esperar do meu território quando se fecham escolas e postos de correio e se alargam os cemitérios?”.


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