Depois de Paula Teixeira da Cruz, ex-ministra da Justiça, ter encerrado 47 tribunais espalhados pelo país (fecho de 20, entre os quais o de Fornos de Algodres e de Mêda, e despromoção de 27 a secções de proximidade ), o recém empossado Governo socialista quer agora “desfazer” o mapa judiciário em vigor há dois anos e devolver às populações a possibilidade de realização de julgamentos nos 308 municípios portugueses. A intenção consta do programa de Governo, que hoje é discutido na Assembleia da República. O Executivo pretende assim “a correção dos erros do mapa judiciário” numa lógica de “valorização do interior de diálogo com os municípios, assegurando, designadamente a realização em cada concelho de julgamentos que respeitem aos cidadãos desse mesmo concelho”, pode ler-se no documento. O DN tentou obter alguns esclarecimentos por parte do gabinete da atual ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, mas fonte oficial considerou demasiado cedo qualquer esclarecimento, uma vez que o programa vai ser debatido durante o dia de hoje.
“A nova ministra da Justiça Francisca Van Dunem terá pela frente vários desafios, nenhum dele fácil”, explica António Jaime Martins, líder do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. O advogado elege logo como primeiro desafio precisamente a correção das “deficiências do mapa judiciário”.
O programa do Governo socialista para a área da Justiça prevê ainda a criação de um novo órgão de gestão dos tribunais – “conselho de concertação para o sistema judicial” – que terá de ser compatível com os conselhos de gestão das 23 comarcas já existentes e com os conselhos superiores das magistraturas. Bem como a atribuição de incentivos à produtividade, o início do ano judicial que passa novamente para 1 de janeiro e não 1 de setembro.
O programa do governo socialista define ainda o alargamento da vigilância eletrónica, mesmo para cumprimento de algumas penas. Bem como a obrigatoriedade dos conflitos surgidos em contexto de consumo – entre os cidadãos e as empresas de telecomunicações, água e luz – serem julgados em centros de arbitragem. O documento fala ainda em rever o sistema informático dos tribunais – com a revisão do atual Citius – e na possibilidade de juristas ou docentes universitários poderem ser juízes “especializados” nos tribunais em que haja falta de magistrados.
Reforçar a resposta do sistema nacional de vigilância eletrónica, “particularmente na execução das sentenças de prisão de curta duração, nas condições de aplicação da liberdade condicional associadas, se necessário, a outro tipo de intervenções, nomeadamente de natureza terapêutica, no domínio da aplicação das medidas de coação, bem como na vigilância dos agressores nos casos de violência doméstica”, explica o documento.
Já este ano, enquanto procuradora-geral distrital de Lisboa, Francisca van Dunem assinou o relatório da pgdl onde admitia que a reforma judiciária de Passos Coelho afastara o sistema de justiça dos cidadãos “menos afortunados da vida”, de tal forma que se justificavam “correções” ao desenho da geografia dos tribunais. Segundo relembrou a edição de ontem do JN, “o acompanhamento da implementação da reforma ditará necessariamente algumas correções e ajustamentos”, defendeu. António Jaime Martins, porém, acusa o governo de “começar mal”.
Os advogados foram esta semana confrontados com uma decisão que pretende encerrar os serviços de inquérito a funcionar junto do Tribunal da Moita, “o que contraria em absoluto o propósito manifestado pelo atual governo de realizar a justiça no concelho dos cidadãos que a ela pretendem recorrer e de combater a desertificação do interior”, denuncia o líder de Lisboa. “Esta decisão obriga os munícipes da Moita a deslocarem-se ao Barreiro para fazerem uma simples queixa-crime. A decisão é tanto mais incompreensível quanto a Moita é, no distrito de Setúbal, o concelho com o maior número de participações, por exemplo, em matéria de violência doméstica”, concluiu.