Com a cada vez mais espessa globalização, o capital submete o Estado à debandada da sua função interventora e mediadora, aparecendo, em maior número e mais precocemente, “configurações” sociais que evidenciam a própria precariedade social.

Actualmente o desemprego, a pobreza, a parca formação, o trabalho infantil, o consumismo, o mercantilismo e a crise de valores constituem não só condições que nos devem alarmar, como também conjunturas que devem ser objecto de estruturadas e profundas reflexões.

Podemos, e devemos, considerar a questão do trabalho infantil como um dos maiores indicadores de instabilidade e de fragilidade social. A labuta infantil é uma translúcida indicação do agravamento dos “enigmas” estru­turais das comunidades. Não será seguramente desarmónico asseverar que o trabalho infantil, que consiste no aproveitamento de crianças como trabalhadores, tem sido alvo de sucessivas altercações e de ininterruptas argumentações entre políticos, indagadores, historiadores, críticos e instituições que defendem os direitos humanos. A exploração infantil, que acontece tanto nos Países desenvolvidos como nos Países pobres, hospeda efeitos perniciosos para o desenvolvimento do ser humano, bem como para o crescimento económico, cultural e social de uma Nação.

Infelizmente, a mão-de-obra infantil é empregue em laborações que deveriam ser executadas unicamente pelos trabalhadores adultos. Esta conjunção pode provocar um choque coibitivo, não só nos valores salariais, como também nos próprios índices de desemprego. O trabalho infantil, por ser muitíssimo mais barato e acessível, origina um volume salarial menor do que a massa salarial criada por o emprego dos “crescidos”. Será que o abatimento do trabalho infantil não proporcionaria um salário superior para os trabalhadores adultos?

O trabalho infantil, para além de aniquilar o quotidiano e os sonhos de um incalculável número de crianças, também limita os ensejos de uma vida futura melhor, eternizando-se, deste modo, o ciclo de miséria já “saboreado” pelos seus progenitores. Podemos apontar vários factores que estão intimamente ligados ao trabalho infantil como sejam: a educação pouco estruturada, ineficaz e desajustada; os sistemas e as doutrinas familiares; a pobreza, a miséria e a consequente exclusão social; as tradições, os costumes e os arquétipos sociais; o paradigma do mercado de trabalho; a “familiaridade” e a inexistência ou ineficiência fiscalizadora; e a franzina e ambígua legislação.

O amortecimento das taxas de trabalho infantil reclama por um conjunto de disposições e comportamentos adaptados, assimilados e integrados que reconheçam, de uma forma transparente, quais são as crianças “trabalhadoras” e, concomitantemente, que enterneçam e sensibilizem a sociedade sobre os prejuízos físicos, morais e intelectuais deste tipo de “ocupação”.

O trabalho infantil, que por variadíssimas vezes é contemplado e analisado como uma configuração estratégica para se garantir a sobrevivência da família, estará, ainda que de uma forma aparente e epidérmica, interligado com à “máxima” de que a procura dos mecanismos e dos comportamentos de, e pela, sobrevivência é aceitável e intrínseca à vida de todo e qualquer indivíduo. Neste contexto, podemos assegurar que a diminuição do trabalho infantil, sem altear os índices de miséria nas regiões e nos Países, exige a edificação e a aplicação de vincadas políticas de cariz económico e social que alberguem a “idoneidade”, para contrabalançar a perda de rendimento infantil no “cabimento” familiar, de “produzir” rendimento para a população adulta mais carenciada.

Em alguns Países, um dos principais argumentos utilizados para justificar a inclusão prematura da criança numa determinada actividade laboral, é o de o trabalho ser uma alternativa à ociosidade, à vagabundagem e à marginalidade. Neste dédalo, a escola, como em quase tudo na vida, tem uma palavra importante a dizer, uma vez que um verdadeiro planeamento e uma “profícua” eficiência escolar oferecerão às crianças uma panóplia de realizações e deslumbramentos fundamentais para o seu congruente aperfeiçoamento.

Algumas associações locais e o próprio poder local vão promovendo eficazes e bem delineados projectos sociais que agasalham, entre outros, a prática de actividades desportivas e de actividades culturais. Estes programas albergam um profundo contributo para que a exclusão e a marginalidade social, na medula dos bairros mais preocupantes, se tornem cada vez mais afuniladas. Será que em determinadas ocasiões não agasalhamos a insípida sensação de que o labor infantil se entranhou, como uma espécie de már­tir da injustiça e da perversidade, no “inconsciente” grupal?

Assistimos frequentemente ao desenvolvimento de anteprojectos, prospectos, programas, seminários, formações, palestras, minutas, despachos, esquemas, catecismos, prédicas e homilias sobre esta temática. Contudo, essas “valências” ainda não estão habilitadas para abalroar os problemas e os embargos organizacionais indumentados pelo mercantilismo, pelo capitalismo e pela globalização.

Seria certamente formidável que todos tivéssemos a percepção de que qualquer criança, através do divertimento, da aprendizagem, do estudo e da interacção com pessoas de similar idade, deve ter a oportunidade de ser efectivamente criança. É um engano fatal considerar o trabalho infantil como uma etapa fundamental para a maturação das crianças, uma vez que o comprometimento, o rigor e a socialização somente podem ser adquiridos, e desenvolvidos, por uma salutar e tonificante convivência familiar e escolar.

Desafortunadamente, em múltiplos casos, a lógica e o paradigma empresarial, alicerçados no capitalismo e no lucro, conseguem, através de mecanismos obscuros e acções promíscuas, “vencer” estas teorias e inquietações, e deixá-las bem arquivadas numa “ilustre” gaveta de um gabinete de “veludo”. Estas organizações que se expandem à sombra da mão-de-obra infantil e à custa da ilegalidade, tentam passar, nas suas tenebrosas dissertações, a ideia de que a produtividade do trabalho infantil fica muito aquém da “fertilidade” do labor efectuado por um adulto.

As actividades praticadas por algumas instituições empedernidas e os consecutivos prospectos completamente imponderados, para exterminar o problema do trabalho infantil, são responsáveis por ambiências de concorrência e de emulação dissimulada entre algumas instituições. Será que boa parte das instituições não navega numa maciça carência de identidade, e de personalidade cultural e social?

Ao longo dos tempos, o trabalho infantil também tem vindo a indumentar-se com novos desenhos e formatos. As crianças que pigmentam as revistas, a televisão ou as passerelles também são vítimas de trabalho infantil. Todavia, aqui os papás, quase sempre de estatuto elevado, não matutam em todas as extensões deste tipo de tarefa, entusiasmando-se unicamente com o aparecimento dos seus filhos nos meios de comunicação social.

Apesar de não ser uma empreitada simples, assume-se como crucial a promoção de uma maior qualidade de vida à população infantil. Torna-se essencial adquirir ou readquirir a capacidade e a disponibilidade dos adultos investirem nos filhos e, simultaneamente, permitir que os mesmos possam gozar tranquilamente a infância. Será que esta conjuntura não permitirá reconquistar o futuro das crianças, bem como das regiões e dos Países?

Defendo, embora existam itinerários de dificuldade e de provável demora, que o Estado deve ser, em algumas e cirúrgicas vertentes, revigorado, revitalizado, tonificado, retemperado, robustecido e redesenhado com mecanismos de diafanidade, com “doutrinas” lestas, convincentes e eficientes, e com uma perpétua participação dos cidadãos na formulação, reformulação, efectuação e implementação de políticas públicas vocacionadas para o desenvolvimento humano. Neste sentido, o capital social e o capital humano devem estar visceralmente ligados com indumentárias coloridas por conteúdos éticos universais, e constituir-se como insígnias da sociedade, da humanidade e do aperfeiçoamento dos cidadãos. Será que os direitos humanos e os direitos sociais não estão descaracterizados? Será que os mesmos já abandonaram a sua imperfeita carapaça legal? Será que esses direitos não se encontram à mercê de compactos índices de erosão, corrosão e relativização, que cruelmente e traiçoeiramente se vão justificando e legalizando?

É fulcral que os cidadãos aquartelem a noção de que o problema não se resolve apenas com medidas epidérmicas e “padrões” estetizantes, como são disso exemplo as constantes reformulações nas denominações de algumas instituições e carreiras profissionais. Sinceramente pouco nos importa que seja um fiscal ou um auditor, as metamorfoses ocorridas nas denominações pouco contam. Desejamos, isso sim, que haja verdadeiros desfiles de trabalho, profundas mudanças estruturais, organizacionais e funcionais, e que os legisladores e os profissionais da área enverguem com orgulho e com sentimento de pertença a camisola da honestidade, da dignidade, da preocupação, da criatividade e do empenho.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.