A escola tem obrigatoriamente que ser protegida em relação a todos os esforços e diligências de apropriação da sua proficiência, por parte de um determinado grupo que a deseje confederada aos seus propósitos particulares.
Logo, a escola não pode pertencer a nenhuma classe social hegemónica, devendo ser pública na sua constituição, composição, motivação e estruturação. Será que a educação não deve ser promovida segundo sustentáculos de integração, abertura e democratização?
É rigorosamente em redor da questão da qualidade do ensino escolar que se descerra uma área para a discussão e estudo da escolaridade obrigatória. A educação escolar não é simplesmente o processo que aponta para a promoção do desenvolvimento do indivíduo através do desabrochamento de todas as suas potencialidades, mas, também, uma relevante técnica social de dominação e arregimentação das massas.
Será que é honesto e salutar continuar a adjudicar ao Estado o monopólio da regulamentação da educação formal? Com que direito o Estado pretende que todas as crianças e jovens alcancem um estatuto social profundamente interligado à tradição e ao ideário conservador?
A educação escolar caracteriza-se por ser uma actividade sistemática, disciplinada intencional e estruturada. Estruturada em relação aos conteúdos e sistemática do ponto de vista dos seus métodos, sistemas e paradigmas de transmissão.
A educação escolar não se deve confundir com a educação popular, uma vez que a educação escolar penetra em tudo aquilo que corresponde ao espólio cultural, social, económico e político da sociedade. A ilustração e a erudição com que a escola labuta são, na realidade, conjuntos de saberes organizados. São conhecimentos oriundos de grupos que desfrutam e concebem um determinado esquema de saber.
O saber metodizado e organizado, como fragmento da herança e da transmissão cultural, não pode ser obtido espontaneamente ou “instintivamente”. A vulgarização também se realiza de forma estruturada e sistematizada, pois a “mercadoria” da actividade educacional localiza-se na extensão da produção e formação social.
Qualquer criança aprende a andar, a sorrir, a lacrimar, a contemplar ou a comer com as mãos, contudo jamais aprenderá a falar e a escrever, bem como jamais conquistará conhecimentos científicos ou habilidades técnicas indispensáveis à sociedade contemporânea.
Apesar de tudo aquilo que escrevi, e sem entrar em nenhum tipo de contradição, defendo a importância da educação escolar no célebre triângulo “industrialização, urbanização e modernização”. A escola ainda constitui o ambiente mais oportuno, favorável e conveniente ao desenvolvimento e aperfeiçoamento pleno das potencialidades dos alunos, garantindo, apesar de algumas lacunas graves que agasalha, as melhores oportunidades aos mais competentes, perseverantes e laboriosos.
Interpreto o espaço escolar como uma espécie de indústria ou palco de socialização, de adquirição de conhecimentos, de profunda aprendizagem, de formação para a cidadania, de aquisição de conceitos éticos e de preparação para o labor de excelência. Será que nos Estados Unidos, o homeschooling não existe fundamentalmente em razão da “consideração” ao princípio de que “cabe aos pais seleccionar e assinalar o género de educação que será facultado aos seus filhos” do que propriamente em razão de uma legislação educacional assertória, positiva e profícua?
Será que em diversas ocasiões, o homeschooling não aquartela princípios, preceitos e leis ambíguas? Será que o ensino doméstico é bem visto pelas autoridades competentes e pela opinião pública? Será que na legislação educacional portuguesa, o ensino doméstico não é contemplado como uma mera excepção? Será que algum dia o ensino doméstico vai ser saboreado como uma regra? Será que o debate sobre as vantagens e desvantagens do homeschooling não é extremamente especulativo? Será que algumas interrogações sobre este tema não necessitariam de ser dissecadas em índices superiores de abrangência e de profundidade?
Na realidade, torna-se elementar que o homeschooling não seja unicamente uma justificação para “expropriar” a criança do direito à confraternização e comunhão com outras crianças; da hipótese de ter convivência com ideias, planos, projectos e concepções pedagógicas que não sejam as dos seus progenitores; do direito de impugnar a direcção didáctica e prescrição pedagógica facultada pelos “pais docentes”; e do direito ao crescimento “desprendido” e aperfeiçoamento livre em relação aos valores éticos, religiosos e artísticos.
É certamente importante recordar a relevância que a legislação referente ao ensino outorga à articulação e associação da escola com a família; à participação da comunidade em matérias e “diligências” escolares; e aos métodos de inclusão da escola com a sociedade.
Será que a protecção e defesa do direito à alfabetização em casa não beneficia e acomoda todos aqueles que, debaixo da justificação da liberdade de doutrinar e do direito de se proteger da socialização desfavorável, recusam o papel de dispensar a sua coadjuvação e participação na edificação de uma educação escolar de referência para todos?
É necessário que se averigúe com toda a austeridade em que perspectiva a escola é, na realidade, mais do que um espaço privilegiado de educação para a cidadania; de transferência do conhecimento historicamente aglomerado; e de socialização, ou seja um instrumento relevante de controlo político e social; de instrução; de preparação para triunfar na vida; de transferência de poder social na configuração de “canudos”, atestados e certificados; e de manifestação da crença de que, na sociedade contemporânea, fora da escola não existe educação digna desse nome.
Também é imprescindível conhecer efectivamente os contextos que as crianças e os adolescentes escolarizados em casa desperdiçam devido à inexistência do contacto constante com os profissionais que desfilam na escola, particularmente os docentes, bem como com os colegas, os amigos e até mesmo os indiferentes.
Será que uma família instrui convenientemente sem desfrutar das fragrâncias saudáveis e coloridas provenientes do exterior? Será que o “amor” agasalha elevadas doses de “longanimidade” e exigência?
Qualquer regulamentação necessita de algumas telas de acompanhamento, controlo e superintendência. Deste modo, o consentimento de funcionamento da escola domiciliar; o “recenseamento” de “docentes” da escola domiciliar; a aclimatação do ensino em casa às directrizes, regras, conjunções e parâmetros curriculares oficiais; a avaliação e a comparação dos rendimentos escolares dos “alunos domésticos” com os verificados nos alunos que frequentam os estabelecimentos de rede regular; e a anuência de projectos de actividades de ensino, constituem condições que exigem um venerável investimento na concepção e conservação de “palanques burocráticos” específicos.
Será que o homeschooling não pode ser considerado especificamente uma escolha do cidadão? Será que o mesmo deve depender da autorização e da interferência do Estado? Qual é a diferença entre um paradigma livre e um paradigma consentido?