Devido sobretudo a vértices económicos e tecnológicos, as crianças e os adolescentes dos Países em desenvolvimento encontram-se em contextos mais indefesos e vulneráveis relativamente às condutas e acções pedófilas que empregam a Internet como o mecanismo principal de todas as “transacções” e “orientações” sexuais. Em determinadas ocasiões, esses comportamentos promovem o acesso das crianças e dos jovens à pornografia fazendo com que se transformem em objecto ou matéria da mesma. Esta situação vai adulterar o seu sentido de normalidade ou de harmonia relativamente aos contextos que são correctos e incorrectos na superfície do sexo.
O contacto iterado a conteúdos pornográficos infantis proporciona, tendo em conta o desenvolvimento psíquico em construção, a assunção como normal, por parte dos menores, da actividade pornográfica, concebendo arquétipos de comportamento e de aprendizagem profundamente adversos. Será que não é relevante desenvolver uma filosofia ou consciência de peleja na protecção dos menores relativamente a esta progressiva e pardacenta cominação? Será que um dos principais cabimentos de luta não corresponde ao próprio ciberespaço? Será que não é imprescindível “organizar” um instrumento de vigilância electrónica de abrangência planetária? Será que os próprios mecanismos da Internet favorecem a actividade dos “vigilantes on-line”? Será que a função desses vigilantes não é a de localizar sites de recheio pedófilo e a de delatá-los velozmente?
Existem alguns sites específicos que acolhem delações de qualquer cidadão que sofra de agressão sexual, bem como que detectam a existência de páginas electrónicas de teor pedófilo. Esta vigilância compreende a elaboração, a estruturação e a comercialização de softwares especializados que possibilitam aos pais o controlo do “material” a que os seus filhos podem ter acesso, podendo, deste modo e de uma forma segura, usufruir das vantagens educacionais que a Internet agasalha.
É seguramente importante debruçarmo-nos sobre a definição do vocábulo valor. Os valores acarretam inevitavelmente uma predilecção, ou seja, uma diferenciação entre o principal e o secundário; o significante e o insignificante; e o que tem valor e o que não tem valor. O âmago dos valores autoriza a sua hierarquização. A disposição hierárquica dos valores conjectura que o cidadão seja um actor que participa, escolhe, se relaciona e se envolve no mundo físico e social. Todavia, podemos certamente asseverar que esta apreciação psicológica patenteia unicamente a configuração singular da valoração, abandonando as questões e discussões concernentes às vontades e conveniências da comunidade; o modo de como as directrizes do grupo se decretam ao indivíduo; e os motivos da aquiescência deste em escoltar e “apadrinhar” essas mesmas directizes ou orientações.
O homem pode ser definido como um agente em ininterrupta evolução e que aquartela como necessidade capital a interacção e a confraternização com os outros elementos do seu grupo. Nesse sentido, é impensável a ideia de que os valores são imóveis. Será que o valor não é a orientação outorgada pela sociedade num dado momento histórico e cultural específico? Será que o mesmo não influencia e determina a interpretação e a actuação do indivíduo na interacção com os outros? Será que em determinados contextos, os valores não levam o homem a actuar de modo inverso ao seu desejo e à sua conveniência individual? Será que os interesses da colectividade não devem posicionar-se sempre acima dos interesses individuais? Será que presenciamos constantemente essa conjuntura?
A sexualidade humana está intimamente associada ao desenvolvimento da personalidade, manifestando-se através de exteriorizações sociais, culturais, biológicas e psicológicas que progridem tendo em conta e respeitando o grupo social ao qual pertence o indivíduo. Na realidade, a sexualidade está presente na totalidade do ciclo vital humano, caracterizando-se por um fenómeno continuado, peculiar, singular e oscilante que principia com o nascimento e termina com o decesso, revelando-se de modo distinto e segundo as dissemelhantes fases do aperfeiçoamento humano em cada sociedade e cultura.
No período infantil, a sexualidade qualifica-se pela auto-exploração, ou seja, a descoberta do próprio corpo e a edificação da identidade sexual. Durante esta época vital se os menores forem submetidos a práticas e actividades sexuais desajustadas para a sua idade, produz-se um portentoso acometimento no desenvolvimento benigno da sua própria sexualidade, originando consequências afectivas e cognitivas perniciosas e de ressonâncias incomensuráveis para o seu futuro.
A liberdade sexual, como bem jurídico penalmente tutelado, tem como particularidade primordial a possibilidade de determinar com quem se pretende ter o encadeamento sexual. Esta particularidade tem como componente principal a vontade, sendo necessário que as pessoas envolvidas na relação desejem que o acto se realize. Porém, nem toda a vontade pode ser apreciada como válida, sadia ou “benéfica”, uma vez que quando num dos lados da relação sexual está encaixada uma criança impõe-se que o seu consentimento seja contestado e negado. Talvez o bem jurídico a ser tutelado, nos casos de abusos sexuais de crianças, não seja unicamente a liberdade sexual ou o critério de autodeterminação da vítima, mas também o livre desenvolvimento da personalidade sexual da criança. A criança fica decerto com uma perspectiva do mundo profundamente alterada. Será que quando o assunto é a pedofilia, não existe uma enorme complexidade relativamente aos bens jurídicos a serem tutelados?
A dimensão dos traumas de uma criança abusada depende de alguns fatores, como sejam: o género de agressão; a iteração do abuso; o grau de violência ou de coerção aplicada; o tipo de relação ou de proximidade com o agressor; e o amparo familiar. Os resultados perniciosos destas práticas nas crianças adquirem dois grupos de configurações ou de classificações: as sequelas psicológicas e as sequelas físicas; e as sequelas de curto prazo e de longo prazo. A formação da personalidade sucede, de modo determinante e intenso, durante o período de adolescência. A personalidade constitui o papel ou a função que desempenhamos na sociedade, sendo o conjunto das “marcas” exclusivas de um indivíduo, a parte herdada e a parte adquirida. Será que a personalidade não é a sinopse do “eu”? Será que a mesma não reflecte o âmago característico de cada pessoa? Será que a personalidade não exterioriza a individualidade humana?
O comportamento dos abusadores sexuais condiciona profundamente o desenvolvimento dos menores, afrontando os direitos fundamentais dos mesmos como seres humanos. Infelizmente existem múltiplos formatos de desencaminhar a benigna formação dos jovens. O aliciamento para a vida sexual precoce e para a prática de crimes é um exemplo disso mesmo. É seguramente necessário o adequado constrangimento penal para os indivíduos pedófilos, com a finalidade de impossibilitar que as crianças ou os adolescentes sofram abusos e tenham o seu desenvolvimento afectado. Será que não é essencial dissecar todo os bens jurídicos envolvidos no crime de abuso sexual? Será que não é fundamental que a penalização seja adequada, aclimatada e proporcional às suas consequências?
Contemporaneamente, e no que toca a esta problemática, verificamos que a sociedade tem perfilhado e apresentado outro tipo de comportamento, estando mais preocupada, diligente e activa. A exposição pública de casos de pedofilia, embrulhando médicos, docentes, padres, artistas, políticos e cidadãos “acima de qualquer suspeita” contribuiu para que a sociedade esteja mais inquieta e vigilante. A publicidade, concomitantemente com a enérgica participação de alguns grupos sociais, parece ter destapado unicamente a ponta de um iceberg, no qual se mistura sexualidade; ética; usos e costumes; urbanidade; educação; e religião.
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