Governo admite norma transitória para pagamento de salários em atraso

Processos recusados poderão ser abrangidos pelas novas regras do fundo de garantia salarial. Tema vai hoje à concertação social.

O Governo está disponível para alargar, com caráter retroativo, as novas regras de acesso ao fundo de garantia salarial (FGS) aos trabalhadores com salários em atraso que têm visto os seus pedidos de intervenção recusados. Essa disponibilidade, apurou o PÚBLICO, será apresentada aos representantes dos sindicatos e dos patrões durante a reunião da Comissão Permanente de Concertação Social desta segunda-feira.

Contudo, não se sabe se essa norma transitória envolverá apenas os trabalhadores de empresas que iniciaram um processo especial de revitalização (PER) ou se salvaguarda também a situação das empresas insolventes com planos de recuperação aprovados pelos credores.

Tanto num caso como no outro, os trabalhadores têm visto o FGS recusar-se a pagar-lhes os créditos laborais em dívida (salários, subsídios de férias e Natal, compensações por cessação de trabalho), com o argumento de que eles serão pagos no âmbito dos planos de recuperação ou de que o enquadramento legal não o permite. Segundo a CGTP serão perto de 6000 os trabalhadores nesta situação e que têm estado afastados do fundo criado para fazer face às suas necessidades imediatas quando as empresas entram em insolvência ou situação económica difícil. Alguns têm ido a tribunal e há pelo menos duas sentenças que lhes dão razão.

Para tentar resolver o problema, e perante a pressão dos parceiros sociais, o Governo apresentou um projeto de decreto-lei que adapta o FGS aos novos mecanismos de recuperação de empresas (em vigor desde 2012).

O problema é que o diploma só se aplica aos requerimentos feitos após a entrada em vigor das novas regras e apenas salvaguarda os trabalhadores de empresas em PER. Tal como está, a proposta não prevê qualquer regime transitório para os trabalhadores que têm visto os seus pedidos recusados, nem esclarece se também devem ter acesso ao fundo os trabalhadores de empresas declaradas insolventes e que têm planos de insolvência aprovados.

Ao que o PÚBLICO apurou, o Governo irá propor que os requerimentos indeferidos sejam abrangidos por uma norma de direito transitório, que será consensualizada com os parceiros sociais. Quanto ao resto – empresas insolventes com planos aprovados – não foi possível apurar se há margem para também fazer alterações

O advogado Jorge Estima, que tem em curso vários processos em tribunal, lamenta que não se esclareça “cabalmente” a situação das empresas insolventes com planos de recuperação. Se a proposta for por diante sem alterações, diz, “nada mais resta do que pedir a ilicitude do decreto-lei”.

Embora o Governo tente clarificar o regime e unificar num único diploma as regras do FGS, há outras alterações que levantam preocupações. Uma delas tem a ver com os descontos efectuados no valor pago aos trabalhadores pelo fundo. O FGS continua a garantir um montante máximo mensal de 1515 euros e global de 9090 euros (ambos têm por referência do salário mínimo), há mudanças nas deduções. Além das contribuições para a Segurança Social e das retenções na fonte, quando um trabalhador é alvo de despedimento ilícito declarado pelo tribunal, ao valor pago pelo fundo é retirado o montante do subsídio de desemprego pago entre o despedimento e a decisão do tribunal.

Para Jorge Estima, esta situação pode gerar algum conflito com o código laboral, que já desconta dos salários intercalares (pagos entre a data do despedimento e a decisão do tribunal) o subsídio de desemprego que tenha sido atribuído ao trabalhador.

O fundo continua a assegurar os créditos que tenham vencido nos seis meses anteriores à acção de insolvência, à apresentação do requerimento para o PER ou SIREVE (sistema de recuperação de empresas extrajudicial) e os trabalhadores têm um ano para o accionar, após a cessação do contrato. No regime que ainda está em vigor, a formulação é diferente e fala-se num prazo até três meses antes de o trabalhador perder o direito aos pagamentos em dívida, o que na prática dá um prazo de nove meses. A diferença é que, como explica Jorge Estima, este prazo suspendia-se quando o trabalhador entrava com uma acção em tribunal, podendo ir além de ir ano.

Outro problema para que alertam os sindicatos é o regime de sub-rogação. Quando o fundo paga parte dos créditos aos trabalhadores, torna-se credor da empresa em insolvência ou em dificuldades. Porém, a proposta do Governo acrescenta um artigo para os casos em que os bens da empresa insolvente são insuficientes para pagar todos os créditos laborais. Nesse caso, o fundo terá prioridade face aos trabalhadores que beneficiaram do adiantamento.


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