Infelizmente, o crime organizado transnacional acaba por ser responsável pela conservação da economia em inúmeras Nações

A actuação do crime organizado mostra que a revolução tecnológica, que originou modificações profundas nos mecanismos, meios e estruturas de transporte, assim como nas telas de comunicação, acabou por servir a globalização da economia e a globalização do crime. Tais mudanças aconteceram a uma velocidade vertiginosa, e os Governos foram incapazes de controlar e analisar correctamente a circulação de bens, serviços, sujeitos, planos e ideias nas suas Nações.

A “história” italiana mostra que os episódios de crime organizado são, de alguma forma, semelhantes com os agastamentos e escândalos ocorridos em Portugal. Alguns exemplos são: o apito dourado; o superfacturamento de licitações; a corrupção; o branqueamento de capitais; a extorsão; e o financiamento ilícito de campanhas eleitorais. Torna-se indispensável a sociedade ter disponível a especialização, no combate ao crime organizado, das texturas do Poder Judicial, Forças Policiais, Órgãos Públicos, Serviços de Inteligência e Ministério Público, bem como a aplicação de recursos e mecanismos eficientes à coibição do mesmo. Será que os sistemas de Inteligência não devem estar confederados entre os dissemelhantes órgãos estatais competentes? Será que não é fundamental a aplicação proactiva da Inteligência Policial? Será que não é importante a edificação de verdadeiros projectos de protecção às testemunhas? Será que não é essencial a criação e utilização de aparelhos jurídicos de expropriação de bens em circunstâncias onde o crime organizado esteja envolvido?

A Inteligência utilizada nos serviços de polícia deriva, em certa medida, de informações de incontestável conveniência para o esquadrinhamento dos movimentos das organizações criminosas. Na verdade, torna-se essencial a identificação dos grupos criminosos, assim como a sua forma de actuação e repartição de tarefas; a recognição, acompanhamento e avaliação de ameaças concretas ou potenciais de segurança pública; a produção de conhecimentos e informações que neutralizem determinadas acções; a “particularização” dos seus membros e chefias hierárquicas; a vigilância electrónica, quer seja móvel ou fixa; a coibição de todo e qualquer comportamento criminoso; a interpretação exacta sobre a “topografia” de actuação; o delineamento rigoroso das propensões criminosas; a identificação dos membros mais propensos para colaborar com a investigação policial; a delação “gratificada”; e a edificação de planos abrangentes de prevenção de crimes.

Informação, comunicação, conhecimento, programação, bases de dados e inteligência são conceitos comuns da língua portuguesa, contudo, os mesmos alcançam uma extensão distinta quando referidos por analistas, observadores e especialistas em Inteligência de Estado. As bases de dados podem ser consideradas a configuração primária de informação, no fundo são acontecimentos, quadros, listas gráficos, diagramas e imagens. Na realidade, a Inteligência pode ser saboreada como o conhecimento dos contextos passados e presentes delineados para o futuro da sociedade, em relação aos seus dilemas potenciais e movimentos criminosos. Será que a informação não é a substancia essencial para a produção de Inteligência? Será que os Serviços de Inteligência não devem expressar sempre a condição de certeza, bem como juízos antecipatórios e julgamentos superiormente informados? Será que a Inteligência não é conhecimento? Será que o processo de Inteligência não relata o tratamento oferecido a uma determinada informação para que a mesma se metamorfoseie em proveitosa para a actividade e investigação policial?

Os cidadãos, em relação aos Serviços de Inteligência, ainda aconchegam uma opinião pardacenta, uma vez que os relacionam com repressão e regulamentação de excepção. Todavia, as transformações estruturais só podem ser granjeadas com um compacto investimento em Inteligência de Estado. Este investimento acaba por fabricar um necessário conhecimento renovado. Será que para o aperfeiçoamento dos sistemas de Inteligência e das doutrinas de combate ao crime organizado, o Estado não tem que fomentar a partilha de dados com a criação de “aquedutos” que amamentem a chancela formal?

Infelizmente, o crime organizado transnacional acaba por ser responsável pela conservação da economia em inúmeras Nações. A conjuntura é saboreada como sendo bastante perigosa e, em alguns Países, o extermínio do crime organizado seria a promulgação de bancarrota dos mesmos. Será que as instituições do Estado, incumbidas de garantir a lei e a segurança, não são, na maioria das vezes, completamente disfuncionais e incoerentes? Será que a esmagadora maioria de cidadãos portugueses acredita que os sucessivos Governos implementaram, ou procuraram implementar, as leis tendo em conta mecanismos de paridade e neutralidade para todos? Será que as “garantias” formais asseveradas pela Constituição e os regulamentos legais não são constantemente transgredidas? Será que não existem hiatos colossais entre aquilo que a lei afirma e a forma como a mesma é aplicada na prática?

Somente o Estado tem a capacidade de edificar e desfrutar de programas de âmbito nacional firmes e, desse modo, promover a saúde, a cultura e a educação. Estes requisitos são elementares para um itinerário social alicerçado na democracia e no progresso. Os Estados, como protectores e impulsionadores dos direitos humanos, aquartelam a função de resolução dos problemas da pobreza, bem como das suas bifurcações, ou seja, da iniquidade, do crime e da impunidade. Será que algumas doutrinas criminológicas, fundamentadas nos conceitos de subcultura e de desarrumação social, “circunscreveram” correctamente o crime organizado? Será que o conceito de crime organizado foi imediatamente e adequadamente arrogado pela classe política? Será que o crime organizado foi difundido, de forma rigorosa, exigente e imparcial, pelos meios de comunicação de massa? Será que o crime organizado não está empestado de lobbies? Será que os lobbies não estão contaminados pelo crime organizado?

Voltando a Itália, as organizações italianas de padrão mafioso, inicialmente orientadas à repressão de camponeses em luta contra os senhores latifundiários, teriam evolucionado para empreendimentos e projectos de cariz urbano, operando na superfície do contrabando, da construção civil, do comércio e da indústria. A Máfia alcançou, de modo célere, características empresariais e financeiras não só com o ingresso de empresas no mercado legítimo nacional, como também com a inclusão de empresas na circunferência financeira internacional para lavagem do dinheiro proveniente, por exemplo, do tráfico de estupefacientes.

O conceito de crime organizado, em determinadas situações, parece cumprir importantes exercícios de legitimação do poder, particularmente nos “recintos” da polícia e da política. Na verdade, o mesmo amplifica o poder da polícia, que fica “apta” para movimentar maiores recursos humanos e materiais; e presenteia os políticos com uma bandeira de campanha capaz de gerar votos.

A aglomeração de capital; as práticas violentas; as estruturas “recíprocas” de capital legítimo e ilegítimo; os métodos fomentadores de amedrontamento; as organizações ilegais infiltradas nos próprios organismos do Estado; a manipulação de partidos políticos; os sistemas de esmorecimento da concorrência; a especulação financeira; e a coacção salarial constituem desenhos que tingem, ainda que em tons de preto e branco, as dissertações sobre o crime organizado. Neste contexto, podemos afirmar que os encadeamentos entre capital e labor; produção e consumo; e Estado e população usufruíram, em diversas ocasiões, de intermediações perniciosas e putrefactas.