As profundas disparidades sociais, o sistema de encadeamentos sociais altamente assimétrico e as políticas económicas vigorantes sentenciaram milhões de cidadãos a viver na pobreza e na marginalização social.

A definição de organização criminosa devia ter como alicerce uma avaliação de todo o sistema penal e processual, consentindo, deste modo, a averiguação das lacunas e omissões que a própria lei agasalha.

Infelizmente, o crime organizado tem progredido de maneira bastante compacta. O combate ao crime também deve ser executado no seio dos estabelecimentos prisionais. Será que algumas chefias do crime organizado não se encontram nas prisões?

Será que não é preocupante a quantidade de informações, disposições e ordens permutadas dentro das prisões? Será que a gestão da comunicação e a acomodação de conhecimento por parte dos transgressores não são consentidas pelo Estado?

É elementar o aprimoramento de alguns decretos legislativos, bem como o aperfeiçoamento da rota do conhecimento, das telas de comunicação e da disseminação de dados entre as instituições responsáveis pela aplicação e cumprimento da lei. Somente desta forma é que o Estado terá ao seu dispor ferramentas adequadas para o aniquilamento do pardacento padrão de segurança e firmeza pública existente.

Para fiscalizar e coarctar o crime organizado é indispensável ter disponível um conjunto de informações rigorosas e credíveis. Os investimentos, a formação, a preparação, a planificação, o suporte legislativo, o apoio institucional e os índices de especialização constituem instrumentos necessários aos serviços de inteligência.

Será que o crime organizado não veio para ficar? Será que o mesmo vai descampar com duas ou três operações bem-sucedidas por parte das forças policiais? Será que as organizações criminosas são um fenómeno do século XX?

Outros paradigmas que devem ser alvo de avaliação são o económico, o financeiro e o político, uma vez que os mesmos são os responsáveis pela abertura do País ao exterior e, simultaneamente, pela chegada e partida de capitais.

As organizações criminosas, em espessa ou franzina amplitude, sempre desfilaram nas sociedades. Sempre existiram indivíduos que se uniam com a finalidade de praticar crimes de forma organizada e hierarquizada. Na verdade, o Estado deve abandonar as obsoletas noções de delito e de criminoso, devendo perfilhar um comportamento mais agressivo, hostil, especializado e lesto para travar esta subtil e preocupante disposição criminosa. Será que o crime organizado não tem pujança para carcomer, de modo irreversível, os sustentáculos do Estado?

Em Países como o nosso, nos quais a repartição da riqueza é tão dissemelhante e onde reinam a subalimentação, o desemprego, o descrédito, o desespero, a alta voltagem, a depressão, a pressão e as texturas descoloridas da educação, habitação e saúde, o crime organizado acaba por aparecer como um modo de vida, pois o mesmo oferece, embora tendo como base mecanismos ilegítimos, a possibilidade de uma vida mais “digna” e prazenteira.

O crime organizado obteve dimensões volumosas porque, em variadíssimas ocasiões, preencheu, principalmente em relação à população menos abastada, um espaço que deveria ter sido ocupado pelo Estado.

Quanto à parcela de população mais abonada, o crime organizado despontou como meio de amplificar ainda mais as suas fortunas e os seus contextos de soberania. Enquanto a sociedade conviver amiudadamente com tecidos de pobreza e desigualdade social haverá sempre solo fecundo para as organizações criminosas. Será que o crime organizado não corrói todas as repartições do poder?

Será que não é imprescindível uma autêntica, sincera e completa reorganização social e económica que seja capaz de incluir toda a população nos moldes da vida condigna? Será que os legisladores e os Estados têm em conta as raízes do problema? Será que os estabelecimentos prisionais reeducam convenientemente? Será que o enrijamento das condenações resolve todo o problema?

As profundas disparidades sociais, o sistema de encadeamentos sociais altamente assimétrico e as políticas económicas vigorantes sentenciaram milhões de cidadãos a viver na pobreza e na marginalização social. Será que contemporaneamente não continuam a desfilar os procedimentos autoritários, por parte das elites, sobre as não-elites?

Será que a constituição democrática não teve consequências insuficientes no que respeita ao desarreigamento desses procedimentos autoritários da sociedade? Será que os Estados protegem os direitos capitais de toda a população? Será que a impunidade não caminha em trajes demasiadamente excêntricos na sociedade?

Será que a impunidade não está já muito disseminada na sociedade, principalmente nas classes sociais mais “elevadas”? Será que o insucesso resultante da pérfida aplicação da lei não afecta a igualdade dos cidadãos perante a mesma?

Será que essa aplicação da lei não edifica obstáculos para os Governos fortalecerem a sua legitimidade junto das populações? Será que a sociedade não perdeu a sua estrutura e o seu sorriso? Será que o crime organizado não desbastarda os comportamentos violentos como facilitadores de resolução de antagonismos?

Será que a violência não pode ser considerada como um elemento de carência social? Será que o crime não se transforma na configuração mais simples e célere para se obter mobilidade social, bem como canais exclusivos para essa mesma mobilidade?

A interpretação, por parte de algumas classes sociais, de que os pobres são perigosos é fortalecida pelo sistema judicial, pois o mesmo, na maioria das situações, incrimina e castiga unicamente os cidadãos infractores que pertencem às classes sociais de base. Na verdade, as organizações criminosas sabem que não existem políticas de combate ao crime sólidas e coerentes.

Será que os crimes praticados pelas elites não ficam quase sempre sem punição? Será que os regimes autoritários do passado e os novos Governos democraticamente eleitos não são manifestações diferenciadas de um idêntico sistema de soberania das mesmas elites? Será que as práticas autoritárias não estão profundamente enraizadas nas novas democracias?

Em períodos de intensos paradoxos sociais, a humanidade está cada vez mais desumanizada. Esta desumanização acaba por ser um fenómeno histórico, decursivo de numerosas deliberações que fazem parte da organização capitalista. Para além do desamparo corpóreo, o capitalismo edifica a pobreza humana, uma vez que o sujeito vendido e fraccionado não se consegue saborear como verdadeiro sujeito social.

O crime organizado explora a força de trabalho dos adolescentes, deslocando-se a mesma, fundamentalmente, a partir do tráfico de drogas e de armas, assim como das transgressões contra a propriedade privada e a própria vida.

O conceito de crime organizado, perfectibilizado no meio da doutrina do poder económico e político globalizado, arrecadou dos “subúrbios” desse modelo um conjunto de vassalagens de cidadania, como se fosse uma dissertação criminológica peculiar. Existem múltiplos discursos e exposições sobre o crime organizado.

A observação e o estudo dos mesmos podem cooperar para desmanchar a alegoria, difundida pelos meios de comunicação, literatura e cinema de ficção, e políticos e instituições de controlo social, que embrulha o crime organizado, e, dessa forma, diminuir os resultados nocivos do mesmo.

Desafortunadamente existem muitos adolescentes que avistam nas correspondências objectivas e subjectivas presentes no submundo, a possibilidade de algum reconhecimento como sujeitos, mesmo que essa oportunidade desemboque no óbito ou na prisão.

Será que esta conjuntura não constitui um fenómeno social muitíssimo intrincado? Será que esse fenómeno não deve ser analisado e comentado muito para além da aparência?