Os tempos hodiernos são caracterizados por uma convivência entre divergências. A perspectiva homogénea e dominante sobre o mundo, sobre os indivíduos e sobre a religião deixou de fazer sentido. Na perspectiva de algumas instituições religiosas, o pluralismo religioso ainda constitui uma cominação à sua identidade e à sua soberania, uma vez que o mesmo pode indiciar um enfraquecimento na defesa e protecção dos seus bens simbólicos. O pluralismo religioso é a convicção de que toda e qualquer religião é verdadeira. Os indivíduos que aceitam a multiplicidade religiosa não são forçosamente adeptos de uma determinada religião, porém são de certeza simpatizantes de uma espécie de filosofia religiosa.
A instituição religiosa tem procurado, não só conservar os seus ritos, como também influenciar e persuadir o fluxo das ocorrências sociais, caucionando a sua eternização, dilatação e subsistência por intermédio das praxes, das “etiquetas”, dos dogmas, das memórias e do manuseio do poder.
A literatura antropológica coetânea tem “cinzelado” a problemática da assiduidade das religiões no cabimento público em argumentos pigmentados a “comércio”. Em diversas ocasiões temos a impressão de que o êxito de uma determinada religião depende da sua própria capacidade para se metamorfosear em “espectáculo” e, consequentemente, convocar o sentido dos meios de comunicação. Em vez de se restringirem ao universo da vida privada, algumas instituições religiosas abraçam a própria indústria do entretenimento e da recreação, adquirindo, por exemplo, canais de televisão. Deste modo, alimenta-se o comércio, o turismo e turva-se o espaço das políticas públicas. Infelizmente, e na extensão política, também já assistimos à comparência de “claques” e palanques religiosos em alguns congressos.
A religião e o seu campo de acção estão num processo de formação de significados e de reorganização do seu entusiasmo e dinamismo interno. Neste sentido, e como consequência da perda de exclusividade da reprodução social, convivemos com uma transfiguração estrutural que reorganiza a função da religião. Esta conjuntura é propícia para o aparecimento de dissemelhantes grupos religiosos que irão “laborar” no campo do conhecimento, da história, do social e da cultura.
A modernidade não inutilizou a religião, porém contribuiu de modo significativo para que esta reaparecesse com um renovado âmago e com uma configuração mais plural e “indomesticável”, e menos institucionalizada. Em determinadas circunstâncias temos a impressão que as religiões de todo o mundo, sem desperdiçarem a sua identidade e a sua pigmentação, estão a ser seduzidas para colaborarem na preparação de uma nova e “moderna” ética universal.
O pluralismo religioso, para além de misturar conhecimentos de tradições ancestrais e contemporâneas com sapiência produzida pela cogitação humana e pela evolução científica, também permitiu que as sociedades aparecessem, subsistissem e funcionassem sem estarem acorrentadas a um único paradigma religioso estruturante. A inexistência de verdade objectiva na religião é uma certeza, e as crenças, fés ou devoções só são verdadeiras para quem acredita nelas. À semelhança da ideia, de que outra cultura ou etnia nos podem ensinar e corrigir, também as religiões diferentes da nossa nos poderão adestrar e adubar. Logo, a “condescendência” religiosa que indumenta a nossa sociedade acaba por ser responsável por uma ininterrupta vivificação, revitalização, reanimação e robustecimento de rituais tradicionais e convicções individualizadas que outrora eram literalmente asfixiadas pelas ideologias hegemónicas. Por exemplo, no catolicismo podemos descobrir a efectiva existência de várias optações e escolhas que são consequência de uma reestruturação e reinvenção da tradição, da recordação, da memória e dos rituais. O catolicismo ainda continua como a grande referência religiosa da sociedade portuguesa, contudo tem vindo a assumir menos influência nas últimas décadas. Será que o pluralismo religioso não tem forçosamente que ser expandido? Será que o mesmo não deve proporcionar transformações no próprio catolicismo?