A cidade está inundada de palavras sem honra e de contextos de injúria

A cidade trajada a tons de ambiguidade
Parcas telas de cumplicidade
Entre penumbras de edifícios emudecidos
Fantasias de homens afadigados, pessimistas e escarnecidos.

A população desnudada, desamparada e sem virtuosismo
Entre golpes de impaciência, agastamento e nervosismo
Segura-se à terra, à conjuntura, ao espaço e ao tempo
Sabendo que os seus sonhos são uma espécie de contratempo.

No desassossego da privação
Luzes ofuscadas pelas trevas da contradição
Tentam extorquir os momentos, os sorrisos e os argumentos
Deixando assombradas as forças e os profícuos pensamentos.

A cidade está inundada de palavras sem honra e de contextos de injúria
As ruas entoam sons de sangue e fúria
Sentimentos desertos e afeições de reduzida beleza
Tanto cinismo, morte e fraqueza.

As palavras não dançam numa casa desabitada
Sinto o Universo longe de mim e respiro numa superfície agastada
Estou perdido num porto longínquo e anónimo
Sinto-me cinzento como o asfalto e esmorecido como uma praça vazia, um simples limo.

Tenho receio até de me balançar no mais franzino protesto
No mais exíguo gesto
Arrasto toda a viagem para o precipício
Sempre com o auxílio de um vento forte que parece ser vitalício.

Espero ansiosamente pelos raios solares
Quero caminhar pela cidade a ouvir os contos e os cânticos populares
Desejo dar passos com tino, acalmar a raiva e mergulhar na claridade
Sabendo que no caminho do temor apenas desfilam os derrotados e os tecidos da trivialidade.

Apesar de tudo, e mais logo, pretendo escrever um poema perfeito
Enquanto as lágrimas de um céu insatisfeito
Na obscuridade de um dia assim
Vão pairando sobre e dentro de mim.