Cada eleição é uma eleição e dificilmente podemos extrapolar com segurança de uns atos eleitorais para outros.

No rescaldo das eleições Presidenciais, muito se tem escrito e comentado sobre a reconfiguração da direita e o crescimento do Chega de André Ventura para os quase meio milhão de votos nacionais. Cada eleição é uma eleição e dificilmente podemos extrapolar com segurança de uns atos eleitorais para outros. Ainda assim, e tentando responder à desafiante pergunta de um amigo sobre se este fenómeno teria algum impacto nas Eleições Autárquicas de Setembro (ou Outubro) de 2021 no nosso Distrito, elaborei a seguinte reflexão e considerandos, baseados nos quadros infra:

  1. As Eleições Autárquicas são as mais participadas de todas, baixando a abstenção e levando mais pessoas a participarem no ato eleitoral. São eleições diferentes, mais próximas dos ensejos e das legítimas expectativas das populações.
  2. No nosso distrito, PSD e PS dividem entre si as autarquias do Distrito, com 7 Câmaras Municipais cada, se considerarmos que a coligação em Aguiar da Beira é maioritariamente socialista.
  3. Os votos absolutos mínimos para eleger vereadores são os que abaixo se indicam e vão de 391 votos em Manteigas a 2 495 votos na Guarda. Significa que nas últimas eleições, 391 votos chegaram para eleger o último dos 5 mandatos do executivo municipal de Manteigas, e assim sucessivamente (ver quadro);
  4. André Ventura conquistou no Distrito 7 737 votos, ficando em segundo lugar em todos os municípios do Distrito, menos Gouveia e Manteigas, em que ficou em 3.º lugar.
  5. Estes votos, para serem repetíveis em Autárquicas exigiriam candidatos a todos os municípios, o que não é líquido que venha a acontecer, sendo mesmo bastante improvável. O Partido Comunista Português, por exemplo, organizado a nível nacional concorre a todos os municípios, ainda que com candidatos de outros territórios, tentando fixar o seu eleitorado, mas não é líquido que o CHEGA consiga repetir o procedimento, pois trata-se de um jovem partido, recentemente formado e porventura sem estruturas no terreno.
  6. Se o CHEGA conseguisse concorrer a todos os municípios – e conseguisse reter os eleitores das Presidenciais – elegeria Deputados Municipais em todas as Assembleias Municipais do Distrito.
  7. Já ao nível dos executivos municipais, não ganharia qualquer Câmara Municipal e dificilmente elegeria Vereadores, para além do Município da Guarda, onde os 2 485 votos lhe permitiriam ganhar um Vereador (dos sete mandatos em disputa);
    Mas, mantendo a votação das Presidenciais, poderia alterar as cores partidárias dominantes nas Camaras Municipais?
  8. Verdadeiramente sim, poderia ditar alterações nas cores partidárias de um ou outro município. Sabendo-se, pelas sondagens e estudos de opinião, que a maior parte dos eleitores do CHEGA provêm de uma direita descontente e também da própria abstenção, parece-nos que o PSD e o CDS são os partidos que têm mais a perder com a ascensão do CHEGA, sobretudo o PSD que tem muitos mandatos autárquicos.
  9. Desde logo em Celorico da Beira, por exemplo, onde os votos do CHEGA, subtraídos ao PSD poderiam ditar resultado diferente do de 2017. Mas mesmo aqui, não é líquido que o CHEGA vá concorrer e mesmo que concorra, podem os eleitores locais dar o seu voto a quem tem mais possibilidades de ganhar, ou seja, o PSD, votando útil. E há também a grande incógnita do posicionamento do movimento independente que ali obteve 870 votos em 2017 e elegeu um vereador, designadamente, importa saber se se repetirá a candidatura.
  10. Em Aguiar da Beira e em Manteigas, os votos do CHEGA também seriam suficientes para mudar o resultado (pois são superiores à diferença entre o primeiro e o segundo mais votados em 2017), mas nestes casos, os executivos são do PS e aqueles votos do CHEGA sairiam maioritariamente do PSD, pelo que se este partido concorrer apenas reforçará a votação do PS.

Nota: a) Em 2021 o número de eleitores será muito inferior ao de 2017. Estimativa calculada com base nos inscritos até 60 dias antes do ato eleitoral, partindo dos dados de 2017 e considerando a evolução populacional negativa. Haverá uma diminuição de aproximadamente 13 mil eleitores no Distrito, nestes 4 anos.

E nas próximas Eleições Legislativas, qual será o impacto do CHEGA?

  1. Já no atinente a Eleições Legislativas, é natural que o CHEGA concorra a todos os Distritos. Trata-se de um Partido recentemente criado e não perderá essa oportunidade, sobretudo quando parte de uma expressiva votação alcançada nas Presidenciais.
  2. Em 2019, o 3.º Deputado do Distrito foi eleito com 14 392 votos no Partido Socialista (28 783/2, aplicando o método de Hondt para a distribuição dos 3 mandatos de Deputado à Assembleia da República).
  3. Com a diminuição de eleitores, que em 2023 serão aproximadamente 144 mil, para eleger um Deputado serão apenas necessários cerca de 14 mil votos e para que o CHEGA conseguisse eleger um Deputado no Distrito seria preciso dobrar a votação de janeiro de 2021, o que é muito improvável, ou pelo menos muito difícil.
  4. Já ao nível da influência no resultado eleitoral, atendendo ao que acima se disse quanto à proveniência dos eleitores no CHEGA, os seus 7 737 votos, tornam impossível a eleição de um segundo Deputado pelo PSD, mesmo que o PS perdesse alguns (poucos) milhares de votos.
  5. De resto, acho que é isto que vai acontecer em todos os Distritos que elegem menos deputados. Os votos do CHEGA não vão deixar o PSD crescer e em alguns círculos vão “roubar-lhe” um ou mais Deputados. Em Portalegre, por exemplo, o PS tem dois Deputados, ou seja a totalidade do Distrito. O CHEGA teve uma votação considerável nas Presidenciais e, a repetir-se nas Legislativas, vai dividir com o PSD os votos da “oposição” , mantendo o PS os seus dois Deputados e não elegendo nenhum nem o CHEGA nem o PSD.
Eleições Legislativas 2019 – GUARDA
InscritosPSPSDCHEGABECDSPCP
2019151 53528 78326 343 5 9903 8232 295
2021147 960  7 737   
Diferença-3 575      

OBS: Esta análise é meramente estatística, pois não temos conhecimento real do que se passa politicamente em cada município, nem o nosso propósito foi analisar as Eleições Autárquicas de 2021 e tão só aferir até onde vão os efeitos do novo partido político que pela primeira vez irá a votos autárquicos. Não passa pois de um mero exercício estatístico, sem mais.