São os impostos que financiam os bens e os serviços públicos, como sejam: a saúde; a educação; a igualdade social; e as infra-estruturas. As fronteiras passaram a declarar, a significar, e a recitar os limites de uma exteriorização metafórica e simbólica de soberania.

Esta disposição, alicerçada na inexistência de fronteiras, tem impulsionado uma competição fiscal internacional desproporcionada e desequilibrada, fomentando, simultaneamente, arquétipos fiscais perniciosos que possibilitam aos indivíduos mais endinheirados escapar às obrigações fiscais.
A ocultação acaba por adulterar os sistemas fiscais dos Estados, bem como limitar a aptidão dos próprios Estados no fornecimento dos serviços exigidos e indispensáveis para a consecução da cidadania e da igualdade. Paralelamente espelha a mais maquiavélica forma de corrupção, uma vez que deserda a sociedade dos verdadeiros, insubstituíveis e legítimos recursos públicos.

Os Governos ao serem pressionados e “coagidos” pelas organizações transnacionais para a suavização dos impostos sobre os rendimentos; o fornecimento de infra-estruturas gratuitas; e a aplicação de políticas de privilégios fiscais momentâneas acabam por perder a sua autoridade em relação às políticas tributárias. Esta conjuntura prejudica profundamente o quotidiano dos cidadãos, uma vez que os Governos são forçados não só a reduzir os orçamentos que contemplam os serviços sociais elementares, como também a aumentar as taxas sobre o consumo, sobre os assalariados, e sobre as empresas de pequena e média dimensão.

A “invenção” offshore metamorfoseou-se num imenso comércio universal e alguns factores como: a “prodigalização” mundial do capital; a desorganização e desnaturação dos controlos de receitas; as ambiguidades da legislação; o aperfeiçoamento das novas tecnologias; e o desenvolvimento das novas comunicações electrónicas contribuíram, de modo significativo, para esta “decoração”. A questão da corrupção passou de um problema interno e circunscrito à esfera do Estado nacional, para uma “putrefacção” à escala mundial. Até pode parecer um paradoxo, mas a verdade é que os paraísos fiscais presenteiam, através de uma panóplia de protótipos lícitos de fuga fiscal, os indivíduos abonados e as empresas transnacionais. As fortunas, “abrigadas” na liberalização do capital, são retiradas dos Países de origem e depositadas em paraísos fiscais, proporcionado aos “infractores” a escolha da quantia tributária a pagar. Será que os negócios sigilosos e os “agasalhos” especiais não debilitam visceralmente a democracia? Será que os contextos de corrupção não amputam, em volumosa escala, a própria democracia?

Para percebermos os contornos mais sinuosos do capitalismo e as periferias mais obscuras da globalização, é fundamental que os cidadãos agasalhem a consciência que os paraísos fiscais rivalizam entre si para encantar, extasiar e convidar os investimentos e capitais estrangeiros, proporcionando, desta forma, uma atmosfera: de regulamentação “caseira”; de excelso sigilo quanto às contas bancárias; de total isenção fiscal ou de redução de impostos; e de incapacidade administrativa para supervisionar e fiscalizar os movimentos financeiros.

Uma enorme fatia do dinheiro “indecoroso” que desagua nas contas dos paraísos fiscais é oriunda dos Países em desenvolvimento e, lamentavelmente, as acanhadas e pouco melodiosas iniciativas contra a lavagem de dinheiro têm obtido um elevado índice de insucesso, bem como uma tela decorada com os desenhos da anarquia e da impotência. Apesar de uma parte do capital, que abandona os Países em desenvolvimento, voltar mascarada de investimento estrangeiro directo, o “estatuto” de isenção constitui um sólido estímulo para que os ricos, detentores da maioria dos activos dos Países desenvolvidos, mantenham esses capitais offshore. Contemporaneamente o crime organizado assalta Estados, depauperando os orçamentos públicos pelo encobrimento e eclipse fiscal, e debilitando as democracias pelo fracasso das políticas sociais.

Talvez estas “arduidades” consigam ser minimizadas pelas seguintes iniciativas: robustecimento da cooperação internacional, no qual uma válida e vinculativa permutação de informação entre as autoridades nacionais seria um passo decisivo para domar os enigmas relacionados com a sonegação tributária; “catalogação” de condições, cláusulas e disposições de anulação a vigorar nos tratados internacionais com a finalidade da superação dos obstáculos engendrados pelo sigilo bancário; obrigatoriedade do cadastro das informações mais importantes acerca da identidade do administrador e, consequentemente, dos indivíduos beneficiados; e promoção de convenções, numa perspectiva global e baseada em directrizes internacionais, para fixação da tributação das empresas multinacionais nos Países onde efectivamente têm lucro.

É seguramente indispensável que os cidadãos estejam atentos ao engrandecimento da corrupção e interpretem os mecanismos de conspiração que, em variadíssimas ocasiões, existem entre os intermediários financeiros do sector privado e os Governos dos Estados que apadrinham o dinamismo e o funcionamento dos paraísos fiscais. Frequentemente, e pelo facto de serem temas complexos, algumas organizações têm evitado alguns debates e contestações, encaminhando, os mesmos, para os especialistas que estão altamente implicados, influenciados e comprometidos com os poderosos, defendendo as mesmas cores e as análogas ideologias. Pelo facto de amanhã ser sempre tarde demais e por o compromisso com a globalização passar pelo comércio liberalizado, sem a utilização de incentivos fiscais para perverter e corromper o processo comercial em benefício de algumas empresas e para “convidar”, a todo o custo, o capital dos Países desenvolvidos, acho que chegou a hora da sociedade civil enfrentar: os sucessivos acometimentos; a opacidade que indumenta as transacções; e os constantes arranjos jurídicos.

 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.