O tráfico de substâncias entorpecentes é um tema bastante actual e de enorme importância na agenda de preocupações dos Governos, acarretando consigo múltiplas outras enfermidades de profunda e grave ressonância social. A esmagadora maioria dos crimes contemporaneamente praticados está intimamente ligada ao tráfico de drogas. Com o aperfeiçoamento e o progresso deste comércio ilegal e extraordinariamente prejudicial à sociedade, os Países tentam “juridicamente” arranjar e aplicar legislação cada vez mais abrangente e consistente na punição de todos aqueles que estão embrulhados com esta perniciosa prática criminosa.
A injunção de penas austeras aos prevaricadores talvez não cumpra o seu autêntico propósito, ou seja, o de ressocializar e o de reincorporar. A crise do sistema penal punitivo é evidente e alguns exemplos dessa conjuntura são: as elevadas taxas de reincidência; o incremento dos comportamentos violentos; as densas texturas de segregação; e os tumultos constantes nos estabelecimentos prisionais. A sociedade não pode ignorar essa pardacenta realidade, necessitando de compreender que a pena para os criminosos não deve estar, perpetuamente e meramente, ligada à limitação da sua liberdade. A pena de prisão não deve ser trivializada ou generalizada, e perfilhada de forma indeterminada, devendo ser aplicada somente em determinados contextos.
Está certamente na altura de abordar aqueles que, usados por traficantes, transportam as substâncias entorpecentes, as denominadas “mulas do tráfico”. Salientar que as “mulas do tráfico” laboram, por meio de pagamento ou de imposição, para além das fronteiras dos seus Países de origem. A maior parte são indivíduos que não possuem qualquer tipo de envolvimento na prática de crimes anteriores, tendo parcos recursos económicos e que por diversos motivos acabam por ser seduzidos para transportarem, utilizando bagagens e até o seu próprio corpo, tais substâncias. Será que manter o criminoso distante da sociedade é a decisão mais eficaz para o problema, cooperando desse modo para a desordem hospedada no nosso caótico e sobrelotado sistema prisional? Será que a legislação com a finalidade de exercer o controlo social é um instrumento seguro e firme? Será que a mesma não pode ser saboreada como um paradigma funcional simplista, modesto e iludente? Será que a legislação sobre esta temática compreende a extrema complexidade do meio ambiente social dos sistemas político e jurídico?
A intensa pobreza e a excessiva taxa de desemprego agasalham um papel decisivo no envolvimento desses inditosos em práticas criminosas. A sociedade contemporânea é excessivamente e inquietantemente competitiva, na qual as faustosas fortunas são açambarcadas por uma exígua minoria. Talvez as conjunturas que circundam a prática específica deste crime, assim como as circunstâncias pessoais dos infractores necessitassem de ser analisadas de modo “pormenorizado” para, e dessa forma, “influenciarem” os juízes aquando da aplicação da pena. Será que os cidadãos embrulhados com a prática deste género de crime, em variadíssimas ocasiões por consequência de uma intransponível condição de violenta pobreza, não mereceriam um tratamento e pena substancialmente diferentes daqueles criminosos que manifestamente são obstinados nesse comportamento delituoso e integram os quadros de organizações criminosas? Será que devemos comparar estes transgressores a criminosos grossistas de substâncias proibidas? Será que por vezes, e através de um maquilhado processo de criminalização selectiva, não metamorfoseamos “criminosos epidérmicos” em “criminosos refinados”?
Há imensas pessoas que desanimam ao suportar o infortúnio da indigência, encaminhando-se para o “subúrbio social”. Obviamente que esta situação não justifica o cometimento de um crime, casos há de pessoas com grandes dificuldades económicas e inúmeras adversidades sociais que se impuseram na sociedade e singraram na vida. Mas, torna-se injusto que sejam sempre os indivíduos menos endinheirados a aguentar todos os infortúnios que lhes impõe o próprio poder económico. Será que o poder económico que desfila pelas instituições do Estado não é traiçoeiro e encoberto?
Como sabemos, no nosso País não há prisão perpétua, ou seja, o cidadão depois de passar vários anos na cadeia, sujeito a um desgastante e sombrio regime prisional, regressa à sociedade. As expectativas de reingresso com sucesso destes indivíduos no meio social são acanhadas não só pelo que vivenciaram dentro dos estabelecimentos prisionais, como também pela recepção pouco afectuosa das comunidades. Será que não devemos conceber, para determinados tipos de crime, formas mais proporcionais, congruentes e eficazes de punição? Será que aos indivíduos que praticam este específico tipo de crime não podem ser aplicadas penas alternativas ou de substituição? Será que este ponto de vista pode encaminhar a integridade do nosso sistema de justiça para a “desonra”? Será que com esta análise estamos a apadrinhar a impunidade, e a colaborar para o robustecimento e crescimento da criminalidade? Será que uma legislação pouco abrangente e adormecida não contribui para a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais? Será que este contemplar distinto em relação às intituladas “mulas do tráfico” devia ser tempestuoso e pouco pacífico? Será que a aplicação das penas deverá ser sempre proporcional à gravidade do acto praticado? Será que para alguns tipos de crime, a imposição de uma legislação que perfilhe penas mais suaves e reintegradoras não logrará impedir que os delitos voltem a ser perpetrados? Como podemos almejar a “harmonia social” quando as taxas de reincidência estão constantemente a crescer?
Torna-se necessário que as prisões de alta segurança sejam objectivamente destinadas ao cumprimento das penas mais duras determinadas, de modo justo, aos criminosos de elevada perigosidade. É importante que fique cada vez mais entreaberta a pasta das denominadas penas alternativas ou de substituição, as quais se têm vindo a mostrar bastante mais eficazes do que as prisões.