Mau é quem não tem casa não conseguir aspirar a tê-la, face à diferença entre salários e investimento necessário para a aquisição de uma casa.

Em 2018 escrevi aqui sobre o preço das casas e a subida de preço que teríamos necessariamente, face ao aumento do investimento no setor, 1/4 dele vindo do estrangeiro, pelos vistos gold e também pela vinda de reformados europeus, e aos juros anormalmente baixos ou mesmo negativos que colocavam dinheiro na mão dos compradores.

Na pandemia de 20/21, intensificou-se a procura de casas que a oferta não acompanhou. Deixámos de construir com a crise do subprime (por cá 2009/11), e ainda não há empresas de construção civil em número suficiente. Outrossim deveriamos aproveitar o momento para apoiar novas empresas de construção civil. Os preços só podiam, pois, subir, ancorados em juros baixos.

A subida do valor das casas não é mau de todo, pois valoriza os bens de quem investiu e proporciona uma agradável receita fiscal aos municípios. Só para termos uma ideia, a receita de IMT (Imposto Municipal sobre Transmissões) quintuplicou na última década… Parte desse aumento de receita deveria ter sido encaminhado para o aumento da oferta de habitação de custos controlados para casais jovens…

Mau é quem não tem casa não conseguir aspirar a tê-la, face à diferença entre salários e investimento necessário para a aquisição de uma casa.

Presentemente estão em debate público muitas iniciativas legais para o setor da habitação. E o PRR tem verbas destinadas a apoiar as autarquias na construção de milhares de alojamentos. Pelo caminho findam os vistos gold e ameaçam-se os direitos da propriedade sobre imóveis desocupados. O alojamento local, tão necessário à oferta turística, foi sacrificado face ao primado do direito da habitação.

Há um direito nobre à habitação e agora um primado sobre as demais políticas públicas, pois o ponto de chegada é mau e não permite aos jovens autonomizarem-se, constituirem famílias e terem filhos de que o país tanto necessita.

Contudo, nesta matéria são lentos os resultados, mas uma coisa parece certa:

  1. O fim dos vistos gold ditará uma queda enorme no investimento estrangeiro. As casas de luxo vão perder valor e a economia vai arrefecer. Com essa redução de universo tributável vamos ter de alargar a outros contribuintes…há muita economia a jusante dos vistos gold (serviços, viagens e restauração, sobretudo).
  2. As receitas de IMT vão começar a ajustar em baixa, também por se estabelecer, provavelmente, um pacote mais robusto de benefícios fiscais.
  3. As políticas municipais vão disponibilizar mais terrenos para construção e vão começar a surgir as primeiras casas apoiadas pelo PRR; e essa disponibilidade de casas vai levar mais jovens a procurarem as cidades, mantendo a pressão imobiliária nas áreas metropolitanas. Imparável a citalitoralização.
  4. Os juros altos (ou normais) no crédito à habitação poderão estar para ficar, com muitas famílias no limiar das taxas de esforço. Algumas casas serão devolvidas ao mercado em “downgrade” habitacional, para menor tipologia ou para mais longe dos locais de trabalho.
  5. Nos municípios do interior continuarão a existir centenas de milhar de casas devolutas e sem procura, desvalorizando-se.
  6. Considerando as casas que vão ficar vazias na próxima década por morte dos proprietários ( 600 mil?!), depressa o mercado ficará equilibrado. A natalidade e os casamentos estão em severa queda.
  7. Talvez não fosse necessário diminuir o valor das casas e o mercado de investimento para atingir os mesmos objetivos nobres de aumentar a oferta de habitação.
  8. Não refiro, neste texto, as questões do arrendamento, não por não serem interessantes e importantes, mas porque, independentemente do quadro que vier a ser fixado, estamos programados (educados) para a compra de habitação e isso não vai mudar na próxima década.