O preço do solo constitui um dos impedimentos capitais à democratização do “ingresso” às propriedades.

No âmago do espaço urbano até a natureza se converte num valor urbano e factício. Na verdade é o espaço da dissemelhança e heterogeneidade, podendo também apelidar-se de espaço qualitativo, pois “multiplica” as novas tecnologias e os modernos formatos de produção. Qual será a analogia entre a produção material da sociedade e os formatos de valorização do espaço urbano?

A ocupação urbana anárquica, assim como a própria industrialização, as novas tecnologias e o crescimento do capitalismo aniquilam as conexões culturais e sociais solidárias, uma vez que esses contextos visam unicamente o lucro, e nunca o conforto e tranquilidade do homem. As estratégias repentistas e imediatistas, por não agasalharem premeditação integral, embaraçam a perfilhação de medidas permanentes e profícuas, contribuindo também para camuflar a peleja entre classes. Será que os enigmas e problemas estruturais não se resolvem unicamente com medidas e estratégias conjunturais de fisionomia “generalista”? Será que é vantajoso copiar estratégias embebidas em experiências totalmente contrárias à nossa realidade? Será que não é importante desenvolver os nossos próprios protótipos, paradigmas e delineamentos? Será que a complexa legislação consegue dar resposta às inquietações das populações e simultaneamente travar os problemas sociais, educacionais, ambientais e habitacionais que teimam em desfilar, de modo amiudado, na sociedade portuguesa? Será que os movimentos da sociedade civil estão organizados? Será que os legisladores não se estão a borrifar para tudo isto? Será que os engravatados executores de políticas públicas não são uma corja de incompetentes? Será que a esmagadora maioria da população não está afastada do mercado imobiliário? Será que o combate à especulação imobiliária não é uma empreitada fundamental?
O Estado, como responsável pelo abastecimento de grande parte dos serviços urbanos fundamentais às empresas e aos cidadãos, hospeda uma função essencial tanto no uso de cada superfície específica do solo urbano, como no preço. A maior clareza e efectividade dos impostos rurais e urbanos, a perspicuidade nos registos, o aumento da fiscalização sobre os propósitos dos cartórios, a compreensão e o mapeamento das terras rurais e urbanas de forma convincente e o incremento da participação popular constituem algumas medidas que poderiam ser perfilhadas com o objectivo da redução dos índices de especulação.

A conquista do direito à cidade somente poderá ter sucesso se entendermos a “obsessão” das altercações na sociedade. Será certamente no “campo” das conveniências antagónicas que despontarão as possibilidades e capacidades de solução para alguns dos problemas. Será que no seio de um sistema político de desigualdades sociais, todos os cidadãos terão algum dia, e de forma efectiva, direito à cidade?

As políticas de desenvolvimento urbano executadas pelos Municípios, tendo em conta as diretrizes “genéricas” perpetuadas na lei, deviam ter a habilidade de arrumar e impulsionar o completo aperfeiçoamento das “utilidades” sociais da cidade, garantindo a comodidade e segurança aos seus habitantes. Será que a implementação de renovadas relações e correspondências entre Governo e sociedade não constitui uma medida importante e inadiável?

O preço do solo constitui um dos impedimentos capitais à democratização do “ingresso” às propriedades. Ou seja, o mercado do solo sempre foi altamente especulativo e segregador, tendo sido arquitectado para ser uma espécie de “jurisdição” singular e privilegiada de aumento do préstimo do capital mercantil. Será que os grupos dominantes não manuseiam os mecanismos do Estado com a finalidade de serem efectuados investimentos públicos que enalteçam alguns espaços específicos?

Há a indispensabilidade de medicar os mercados do solo urbano e rural de modo integrado, uma vez que existe um encadeamento entre os mesmos. Esse vínculo exterioriza-se com bastante alma, pois um mercado de solo regulado pode ser inofensivo e improfícuo se o outro não for também submetido às telas da regulação. Será que no campo da regulação do uso do solo não faltam fragrâncias de fiscalização e de aplicação da lei? Será que com esta pardacenta configuração, o balão corrupto da impunidade não sai avolumado? Na realidade, sem uma autêntica superintendência do uso do solo, as sugestões de regulação não passarão unicamente de puro palavreado.

Em traços gerais, o processo de crescimento das cidades está intimamente ligado a dois semblantes. Ou seja, a consolidação das áreas já existentes e a incorporação de áreas, outrora destinadas ao uso rural, na malha urbana. Há uma procura permanente de terrenos em área urbana. Esta conjuntura acaba por indicar que a mobilidade social existe para alguns e que a circunscrição capitalista de construção de imóveis responde a estas situações sempre com um sorriso.

Um terreno, com a finalidade de construção, necessita de abrigar algumas características basilares. A localização que permita o acesso ao uso das infraestruturas públicas da urbanização é um elemento decisivo. São os cidadãos interessados em construir que terão que procurar terrenos com estas características. Deste modo, podemos afirmar que existe a necessidade de anexação de áreas rurais para o uso urbano, mesmo que no seio das cidades permaneçam áreas por ocupar.

O fenómeno do vazio urbano aparece no processo e sistema de preenchimento do espaço. O vazio urbano não é mais do que a “produção” de espaço destinado à especulação. Ou seja, reúne as conveniências especulativas dos capitais aglutinados à produção imobiliária, com a clara finalidade do alargamento das suas laborações de incorporação. Esta conjuntura vai conceber e amamentar elevados índices de valorização das áreas urbanas que, por este motivo, vão acabar por ser inacessíveis, em marcos financeiros, à esmagadora maioria da população.

Os terrenos utilizados de modo especulativo vão certamente sobredimensionar o espaço urbano, prescrevendo perpétuos investimentos em infraestruturas que acabam por amplificar a valorização dos mesmos. Esta situação acarreta novas conjunções de incorporação imobiliária, o que denota que os investimentos sociais são metamorfoseados em mecanismos de valorização dos terrenos urbanos. Somente uma arrepiante minoria da população é que aquartela telas monetárias suficientes para pagar um preço mais elevado pela utilização do espaço. Este contexto deixa a descoberto as desproporções e o afastamento urbano que o preço dos terrenos promove. Será que este enredo não traduz as dissemelhanças existentes entre as classes que desfilam nas cidades? Será que a acumulação e especulação não caminham de mãos dadas? Será que a classe laboriosa passou a escoltar as torrentes dos proveitos imobiliários?

A especulação imobiliária provém de dois factores concorrentes. Ou seja, a sobreposição de um local social ao local natural e a discussão entre indivíduos por uma determinada localização. A doutrina que estabelece a especulação alimenta-se de expectativas que são construídas em relação a um determinado território. Será que estas expectativas, quando concretizadas, não outorgam configuração e pigmentação a outras?