A organização das cidades deve contemplar o meio ambiente como parte indissociável do planeamento social, político, económico, cultural e histórico.

Existe uma enorme incógnita sobre o futuro das cidades. O processo de urbanização progressivo, desarrumado, incompleto e irregular em relação ao atendimento directo e espontâneo à população, nomeadamente em espaços mais áridos de equipamentos públicos, acaba por disseminar inúmeras desconfianças em relação ao poder público. Será que as políticas públicas conseguem apropinquar os cidadãos ao direito à cidade? Qual o planeamento correcto para as cidades? Qual é a fórmula que permite melhorar a vida nas cidades? Será que não pensamos simplesmente nos vectores económicos? Como é que a industrialização urbana contemporânea desvincula o homem da natureza, sem o mínimo apoio das extensões diagonais das indispensabilidades humanas? Será que a correspondência filosófica que afirma que o homem é natureza ainda se mantém activa ou intacta?

Sinceramente parece-me que a missão de descobrir decisões e soluções mediatas e imediatas para o desassossego urbano não deve estar unicamente encerrada no colo do Estado, devendo também contar com a participação e superintendência não só das vastas “repartições” que existem na sociedade, como também dos diversos cidadãos embrulhados no sistema de edificação social do cabimento urbano.

A organização das cidades deve contemplar o meio ambiente como parte indissociável do planeamento social, político, económico, cultural e histórico. Será que não é necessário compreender os antagonismos sociais que desfilam no seio do arquétipo social de dissemelhanças? É extraordinariamente importante interligar espaçosos e intrincados sectores da sociedade com conveniências opostas. Na verdade, este exercício necessitará de “pelejar” com uma série de proveitos de cariz público e particular, encolerizando as numerosas configurações dos encadeamentos sociais que existem entre a classe dos trabalhadores, os grupos “burgueses” e outros “departamentos” sociais que nasceram no conflito e se encontram embebidos nos interesses particulares. Será que não se devem introduzir na discussão aqueles que perpetuamente estiveram afastados dos gabinetes de planeamento e concretização das políticas públicas? Será que a participação dos cidadãos e das instituições da sociedade civil não irá contribuir para uma gestão legalmente e verdadeiramente democrática?

Para as classes económicas mais favorecidas, os edifícios devem ser auto-suficientes, necessitando também de estar fora do universo que a industrialização concebeu e aleitou. A segurança e comodidade são arquitectadas para que os cosmos da delinquência e da transgressão não ocupem o seu espaço. Será que o conceito de gestão urbana deve estar perenemente associado ao conceito mercadológico da vida urbana?

Na realidade, a “legislação” sobre a cidade espelha a gradativa indispensabilidade de uma gestão democrática e descentralizada que garanta a perspicuidade, generalização e propaganda dos seus procedimentos, comportamentos, delineamentos e projectos. Será que não são necessárias robustas transformações estruturais na gestão dos Municípios? Será que os mesmos não devem filiar, e de uma vez por todas, o planeamento estratégico integrado?

O espaço urbano, no âmago do capitalismo, acaba por ser uma superfície privilegiada para a mercantilização da cultura e da própria mão-de-obra. Será que essa situação não estimula e desafia o desacordo, produzindo simultaneamente a inconstância social? Será que o espaço urbano é simplesmente um cenário trivial para as conexões e subordinações sociais? Será que o espaço urbano não é uma espécie de teia activa que agasalha índices de preponderância económica, ideológica e política? Será que quebrar com a condição capitalista é exactamente o mesmo que a governar? Será que a realidade económica não determina todas as outras realidades? Será que os cidadãos vão ter direito às cidades se não forem metamorfoseadas as estruturas desse mesmo sistema?

A transformação da propriedade rural para propriedade urbana acaba por constituir um negócio extraordinariamente sedutor. A edificação de loteamentos não dispensa modernas analogias, acabando por oferecer, aos novos perímetros da paisagem, hodiernas atribuições e jurisdições. Esta condição vai transfigurar o conceito de subúrbio nas cidades. As particularidades dos loteamentos irão ter resultados não só no preço da terra, como também no próprio mercado urbano de terras. Os loteamentos têm impactos na terra rural, uma vez que os terrenos confinantes aos mesmos acabam por valorizar.

Será que a legislação, objectivando a regulamentação do uso e ocupação do solo, criou instrumentos de planeamento e controlo honestos, abrangentes e imparciais? Será que os instrumentos de fiscalização não devem ter em conta os semblantes sociais, económicos e ambientais, assim como as suas interligações? Será que a utilização de tais instrumentos corresponde à celeridade da ocupação? Será que os instrumentos e a sua aplicação não reduzem as possibilidades de um crescimento sustentável e justo? Será que a especulação de terrenos não constitui um estratagema de valorização do capital? Será que a especulação imobiliária não está altamente difundida em Portugal? Quais serão os principais contextos, aquando da confecção dos loteamentos urbanos, que levam à alteração das propriedades rurais para urbanas?

A “Cidade” oferece aos Municípios uma sequência de ferramentas que lhes permite interceder no “mercado” do solo. Existem mecanismos de temperamento urbanístico vocacionados para inspirar e infundir as configurações de uso, apropriação e ocupação do solo, assim como a amplificação das hipóteses de regularização das propriedades urbanas. Não seria importante a perfilhação de estratégias de gestão que “materializassem” a noção de participação directa dos munícipes em procedimentos deliberativos sobre os rumos das cidades? Será que os instrumentos que existem são suficientes e apropriados? Será que os mesmos são sempre utilizados em prol dos interesses públicos? Será que os interesses privados não comandam o País?

A especulação imobiliária acaba por vulgarizar a marginalização socioespacial nas cidades, apresentando uma gigantesca robustez dentro das superfícies centrais. Um exemplo disso é quando se admitem investimentos em serviços de infra-estruturas capitais.

Existem três “privilégios” que alimentam e engordam a especulação imobiliária: a propriedade privada dos terrenos; os agentes económicos que premeditam as combinações proveitosas; e a presença de um comércio muitíssimo peculiar e específico que simplifica a concretização das alienações.
Neste sentido, será oportuno afirmar que os terrenos aconchegam uma importância de uso e um valor de permuta. Alguns espaços, em relação a outros, conquistam uma espécie de “dissimilação” pelas particularidades e fluxos que aquartelam. Ou seja, a qualidade das infra-estruturas, a segurança e a proximidade aos locais de serviços, cultura e lazer são condições que fazem toda a diferença.

Na verdade, o espaço transformou-se numa “matéria” que respira permutas. Esta conjuntura está intimamente associada à mercantilização das conexões sociais e à propriedade privada, sendo tudo negociado através do “axioma” da circulação, dos moldes de interpretação e dos instrumentos jurídicos. O espaço deve incitar, de modo equitativo e constitucional, a perpétua criação e amamentação de valores. Infelizmente, o espaço nas cidades hospeda uma panóplia de conveniências. O poder público, nomeadamente o Municipal, é composto por grupos de interesse que na maioria das ocasiões actuam em benefício próprio. Logo, os benefícios colectivos acabam por adormecer nas gavetas de alguns, para não escrever muitos, gabinetes de veludo.