A pluralidade religiosa pode ser saboreada como uma fragrância que atravessa a meditação teológica da contemporaneidade. A “interlocução” religiosa vai desfilando como uma necessidade do mundo contemporâneo. É seguramente legítimo asseverar que esta moderna conjunção social e religiosa desabriga o cristianismo que durante a história preencheu papéis de relevo no panorama nacional e internacional.
É fundamental que os cidadãos tenham a consciência de que a globalização, através dos renovados protótipos de espaço e tempo, “reconciliou” doutrinas religiosas longínquas, patrocinando uma ambiência de conexão cultural. Todavia, também cooperou profundamente para a existência de um mercantilismo religioso. Portanto, a religião alargou as suas fronteiras para circunscrições opositoras à sua conspecção tradicional e à sua dimensão sagrada.
A pluralidade religiosa no mundo; o adjacente reconhecimento legítimo da multiplicidade de cultos; e a “caução” de autonomia religiosa foram a consequência de extensas altercações políticas e científicas em redor daquilo que o Estado e a sociedade civil podiam licitamente perfilhar como “comportamento” religioso.
O principal desafio da modernidade passa pela fomentação e promoção de uma consciência global que agasalhe efectivos caminhos de modo a permitir salutares interpretações acerca de uma conjuntura diferenciada, rompendo, dessa forma, com todo e qualquer vestígio de intolerância. Os optimistas vão procurando contemplar, nesse cenário de ebulição, um símbolo do robustecimento das sensibilidades religiosas e um antídoto contra o antiespiritualismo e materialismo hodierno. Na verdade, o pluralismo religioso está intimamente associado à multiplicidade de tradições religiosas existentes, bem como às circulações religiosas que estão a despontar.
Há aspectos descoincidentes que se amalgamam, se complementam e se interligam, procurando e ambicionando a coexistência e a convivência. Todavia, quando não testemunhamos esta “pretensão”, assistimos às pelejas religiosas que actualmente arrasam vários lugares do globo ou aos desconformes moldes de intolerância que estão disseminados pelo mundo inteiro. A guerra religiosa é a dilatação extrema do modo faccioso de ver o outro e representa o terminar de um decurso assinalado pelas tensões e altercações entre as distintas “jurisdições” sociais.
A correspondência, por exemplo, entre fundamentalismo e violência pode ser compreendida como uma das fatias perceptíveis de um enorme bolo, em que a religião aguilhoa e encoleriza conflitos sociais que anteriormente já existiam. O fundamentalismo é um resultado “corpóreo” do desaguisado entre o “antigo” e o “moderno” numa sociedade estabelecida, agindo para recuperar o passado e reagindo para subsistir ao vindouro. Mas, curiosamente é esta resistência de forças que para além de originar consequências imprevisíveis, também impulsiona e instiga a “competência” religiosa no seu intrincado caminho de racionalização. O fundamentalismo reflecte uma conjuntura alicerçada na escassez de valores, e sobrepuja no seu “exercício” alguns dos semblantes mais importantes e mais congruentes de exteriorização do divino.
O pluralismo religioso, ainda que tenha sido alvo de várias voltagens, proporcionou a emersão de novas conjunções de permuta que absorveram e integraram modernas fés e “liturgias”. Podemos considerar e apelidar o ser humano como histórico, parco e efémero, e que residindo em culturas dissemelhantes vai edificando texturas religiosas adequadas que permitem reflectir esta conjuntura. Esta “circunstância” religiosa, como que por magia, vai escapando ao olhar por ser metafísica, absoluta, incomensurável e infinita. Contudo, será fulcral afirmar que cada tradição religiosa alberga contextos de irredutibilidade, nunca podendo ser reduzida ao cristianismo. Desde essa paisagem histórica podemos epilogar que o processo de repressão a essas práticas consideradas bravias e contraditórias em relação à “disposição” pública contribuiu significativamente para que as mesmas fossem gradualmente adoptando a configuração legal de religião e progressivamente edificassem o almejado pluralismo religioso.
A religião institucionalizada não teve a capacidade de colorir a sociedade em tons de justiça, liberdade e igualdade, e nem gozou de habilidade para responder aos assuntos existenciais da sociedade, fazendo com que o homem, desagradado com as exigências e injunções publicadas pela igreja, procurasse esclarecimentos consistentes para aquilo que outrora era explanado em telas abstractas.
O sentimento de pertença por uma religião obriga-nos a reconsiderar e a reflectir sobre determinados pilares da existência como são: o conteúdo; o tempo; o espaço, o molde, a dimensão; a razão; o fundamento; a ética; a invenção; a imaginação; e a concepção. Somente estes elementos, com a sua inerrância, serão capazes de dar um prognóstico concludente para tantas incertezas. Será que o respeito pela diversidade religiosa e pela independência religiosa, bem como pelas convicções das outras pessoas não assume um papel fundamental no âmago da sociedade? Será que as palavras respeito e consonância não agasalham significados e essências completamente diferentes?