Podemos definir turismo cultural como a movimentação de pessoas na procura de cenários, projectos e actividades de cariz cultural em lugares diferenciados daqueles que correspondem à sua residência habitual. O propósito desta procura está intimamente associado à obtenção de novas experiências, conhecimentos e informações que saciem as suas necessidades culturais. Talvez este género de turismo se constitua substancialmente como segmento do turismo urbano, uma vez que é nesse espaço ou contexto que a sua inserção é mais favorecida. No entanto, não podemos descorar o turismo cultural no cabimento rural, sendo importante adaptá-lo ao mesmo.
O turismo cultural apresenta índices razoáveis de crescimento, havendo uma ascensão da procura e da oferta turístico-cultural, bem como da relevância da cultura intangível. Salientar que o turismo criativo também se tem vindo a destacar e a incorporar no turismo cultural, sendo cognominado de nova linhagem de turismo. Estes tipos de turismo, para além de se cruzarem, aquartelam finalidades de “rentabilidade” cultural, económica e social. Presenteiam os visitantes com a oportunidade de aperfeiçoar o seu potencial de criatividade através de uma participação activa na captura de experiências no local de destino, com acostagem nas áreas educacional, emocional, intelectual, cultural e social. Estas convivências e permutas de experiências pretendem-se verdadeiras e genuínas, conjecturando a participação na aprendizagem das artes, do imaterial e do património, assim como apadrinhando a conexão com os residentes e cultura local.
O património, na perspectiva de herança cultural, desponta como “artigo” relacionado com o “palco” do turismo cultural-criativo. Para além do realce outorgado ao património tangível, também faz sobressair, e de modo semelhante, o património cultural intangível. Será que o turismo cultural-criativo não contribui, no âmago das suas especificidades ou características, para adensar as taxas de apropinquação entre lugares, comunidades, “identidades”, habitantes e turistas? Será que os investimentos no património cultural não desenvolvem o sector turístico? Será que o património cultural não é uma mais-valia para qualquer região ou País? Será que o mesmo não pode servir de “cartão de visita” para qualquer território? Será que “contemplamos” o património material e o imaterial da mesma forma? Será que não é essencial perspectivar uma valorização da cultura por parte das entidades públicas e privadas? Será que não é importante a promoção de parcerias na planificação, organização e gestão do turismo? Será que não é fundamental que o turismo seja sustentável?
A literatura, nas configurações de poesia, prosa, ficção e drama, é detentora de inúmeros formatos de legado público “enunciados” em símbolos emocionais e espaciais. Portanto, esta circunstância permite-nos falar em património literário. O património literário, enquanto património, é um “produto” que desfila no mercado e que tende a ser valorizado tanto no seu encadeamento com o turismo e os lugares, como na produção de identidade nacional. Os lugares, as suas características singulares e o conhecimento que os cidadãos agasalham dos mesmos acabam por se apoiarem e consolidarem na memória. Será que a memória não pode ser definida como um sistema através do qual o homem pode reiterar as suas experiências passadas, bem como reedificar essas mesmas experiências? Será que a literatura não reconstrói e reorganiza essa memória? Será que a literatura não se incorpora numa memória individual e concomitantemente, ao atravessar um processo comunicativo, numa memória cultural colectiva? Será que essa memória individual não é a que pertence ao escritor? Será que ressuscitar memórias, não é uma forma de “não esquecimento”?
A reconstrução da memória das cidades, tendo como alicerce a literatura, encaminha-nos para a valorização de vários elementos tangíveis e intangíveis. Como elementos tangíveis temos os edifícios, monumentos, lugares e objectos materiais. De entre os elementos intangíveis podemos destacar as histórias, sentimentos, hábitos, tradições e “fragrâncias” constituintes de um determinado espaço. Será que esses elementos não convocam a herança cultural? Será que não existe uma indissociabilidade entre o “lugar” e o seu “espírito”? Será que não existe uma inseparabilidade entre o “tangível” e o “intangível? Será que a literatura não pode cumprir uma função fundamental na configuração e promoção do turismo cultural-criativo? Será que a literatura não estabelece e valoriza as conexões com o texto e aquelas que vão para além do texto?
O turismo cultural-criativo coliga turismo e cultura, associando também dissemelhantes tipos de cultura. Será que na associação de elementos culturais não pode residir a criatividade do turismo cultural? Será que o turismo cultural não favorece a autenticidade e a diferenciação no mercado global? Será que não é benigna a pretensão de reconstruir lugares tendo como sustentáculo a literatura?
É certamente profícuo ter a noção de que essa reconstrução está alicerçada na constatação de que os escritores e as suas obras constituem um elemento ou um recurso que valoriza, honra e premeia a própria identidade dos espaços, uma vez que os seus itinerários existenciais, patrimoniais e locais, assim como as suas personagens acabam por patentear conspecções, aspectos, configurações e perspectivas da realidade numa determinada “circunstância” temporal. O acasalamento entre literatura e turismo poderá coadjuvar à concretização de percursos em que a realidade reproduz a literatura com o propósito de conceber paisagens turístico-literárias. Afirmar ainda que a narração ou exposição pode ser completada por alguns elementos icásticos que auxiliem na comparação entre a realidade presente e a realidade passada. Portanto, esses elementos relacionam ambientes, contextos ou pessoas que se diferenciaram e simbolizam uma determinada época, cultura ou superfície de conhecimento, encaminhando-nos para um conjunto de considerações e meditações sobre o desenvolvimento, as transformações e as pertinácias. Será que a cultura não pode ser saboreada como uma identidade que agasalha numerosos multiplicadores culturais? Será que as actividades de cariz cultural e literário não produzem fortes impactos no desenvolvimento económico e social dos espaços? Será que o turismo cultural-literário não deve conquistar índices de protuberância volumosos?
O crescimento da própria indústria do turismo literário tem contribuído para que os lugares se arroguem como autênticos detentores de propriedade “intelectual” e cultural. Esta conjuntura faz com que os escritores sejam cada vez mais lidos, comentados e alvos de análise, e os ambientes relacionados com os mesmos cada vez mais valorizados e visitados.
Os espaços, por exemplo as cidades, no seu encadeamento com o turismo literário, são perspectivadas e “desenhadas” não só como um território, mas também como uma representação de algo e um arquétipo concebido mentalmente que procura estabelecer um género de paralelismo entre a observação idealizada e a teoria. A criação de roteiros associados aos escritores torna-se, deste modo, uma realidade importante e em crescimento. Todavia, a ideia da literatura enquanto mercadoria a consumir como qualquer outra pode estar articulada a configurações contraproducentes que importa amputar.
A inclusão da literatura na oferta turística da cidade aquartela uma parcela danosa, uma vez que o turismo é um “território” de massificação. No âmbito da circunscrição dos percursos turístico-literários, é obrigatório que os cidadãos tenham a noção de que a linguagem turística é diferente da linguagem literária. Na realidade, nem todas as linguagens se correspondem e um livro jamais deverá ser simplificado a um percurso.
Um livro é uma realidade ou um “bem” de temperamento linguístico, ou seja, uma realidade em palavras que dificilmente pode ser explanada desde o exterior. Os elementos exteriores até podem confluir, atribuindo ao livro um maior sentimento, mas nunca maiores índices de compreensão do mesmo. Ainda que de forma epidérmica o entendimento e o sentimento são “figuras” que eventualmente se podem articular. Será que o livro não pode ser um elemento dinamizador e integrador?
É seguramente oportuno realçar que o turismo pode fomentar a estruturação de telas ilusórias, falaciosas e aparentes de leitura, outorgando a alguns turistas não só a ideia de que são conhecedores da obra, como também a ilusão de cultura. Neste entrecho, podemos e devemos afirmar que o turismo pode aproveitar e promover itinerários culturais existentes e metamorfoseá-los em abrangentes trajectos turístico-culturais. Contudo, e num último momento, depende do turista o sentir, o viver e o perceber a experiência. Será que não devemos reconhecer o papel da literatura no desenvolvimento dos espaços, nomeadamente o espaço urbano? Será que o património literário deve ser degustado como sendo franzino ou indefinido relativamente à dinâmica ou ao potencial socioeconómico e cultural da cidade? Será que o património literário não se pode estabelecer como importante elemento de desenvolvimento? Será que este património não deve realçar a perspectiva dicotómica entre passado e presente? Será que a literatura não é um mecanismo que facilita e proporciona o entendimento dos espaços, ou seja a identidade, memória e simbolismo dos mesmos? Será que os percursos ligados a determinados escritores, através do ponto de vista dos mesmos, não possibilitam a interpretação e a reinterpretação dos espaços?
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