Existe a necessidade da existência de um conjunto de instrumentos económicos que conceda “ocupações” de cariz económico ao solo urbano. Essas ocupações devem desfilar de modo independente em relação à “proficuidade” inerente ao solo. Ou seja, as terras devem constituir o alicerce para as dissemelhantes laborações públicas ou privadas dos cidadãos. Todavia, condições como a ininterrupta realidade inflacionária da economia, a ausência de impostos expressivos sobre a propriedade imobiliária e a inexistência de um mercado de capitais firme e equilibrado, tenham metamorfoseado não só as fisionomias de investimento, como também os semblantes de conservação do património. Será que ao longo dos tempos a conduta do Estado não esteve circunscrita aos interesses de ocupação estabelecidos pelo sector privado? Será que o Estado, através de uma regulação franzina, não impulsionou os índices de especulação do regime imobiliário? Será que uma reforma urbana, na qual se interdite a especulação imobiliária, diminua o cabimento de desigualdade socioeconómica, e promova a organização e a administração urbana, não é fundamental para a população?
A complexidade que infelizmente qualifica os agentes reguladores do espaço urbano e as conveniências associadas à “confecção” e apropriação do mesmo, acabam por embaraçar a implementação de estratégias. Na realidade, muitas das medidas, embora conjecturadas em lei, não passam do papel. Será que os instrumentos urbanísticos previstos na lei, mesmo que fossem devidamente aplicados, possuiriam capacidade para transformar a orientação inquietante que o incremento urbano tem alcançado? Será que a lei que incide sobre esta matéria alguma vez correspondeu às expectativas que inúmeros cidadãos agasalharam sobre a mesma? Será que não é necessária uma transformação radical do direito de propriedade urbana? Será que às Câmaras Municipais não devem caminhar no sentido oposto daqueles que beneficiam com a actividade especulativa imobiliária? Será que a especulação imobiliária não é oriunda dos grupos que controlam o poder público local? Será que as Autarquias não devem regular de forma imparcial os investimentos em infra-estrutura urbana? Será que as mesmas não devem “supervisionar” a ocupação dos lugares urbanos vazios? Será que a propriedade do solo não hospeda uma função decisiva nos “averbamentos” humanos? Será que a propriedade das terras deve ser contemplada como um património qualquer? Será que o mercado do solo deve ser controlado por um exíguo número de indivíduos? Será que não existem diversas deficiências, putrefacções e constrangimentos em redor do mercado das terras? Será que a propriedade privada da terra não constitui uma das principais ferramentas de encastelamento de capital? Será que a injustiça social não está desenhada na conglobação de riqueza e nas fardas dos senhores feudais?
Muitas das cidades portuguesas são compostas por assentamentos assimétricos, ilícitos ou conventiculares, que acabam por contrariar os vértices legítimos de urbanização. O poder público tem incalculáveis complexidades quanto à disposição do crescimento urbano não só pela ausência de conhecimento das particularidades físicas do meio, como também pela falta de planeamento e pelos compromissos políticos assumidos com os “proprietários” da especulação imobiliária. Será que a conjuntura contemporânea de urbanização não demonstra que o habitar nas cidades constitui uma verdade mundial? Será que a especulação imobiliária não impele muitas famílias para bairros periféricos sem as mínimas condições? Será que alguns lotes situados na parte central das cidades não geram um infinito vazio urbano que espera por avultados lucros futuros? Será que a terra não é uma autêntica mercadoria que não pode ser alienada e adquirida “livremente”? Como se fixa o preço de uma mercadoria que efectivamente não é produzida pelo labor humano? Como acontece a passagem da “terra-firme” para a “terra-mercadoria”? Qual a verdadeira importância desta doutrina para o progresso do capitalismo? Se o espaço urbano é fixo e o seu consumo é extraordinariamente vagaroso, como é que o capital pode aproveitá-lo no persistente processo da sua própria valorização? Será que este esquema não está a descoberto há muito tempo? Será que os senhores do poder não engordam com este pardacento enredo? Será que o capital não destrói para depois construir? Será que os planos urbanísticos não estão subordinados ao capital?
É relevante salientar que o proprietário especulador espera um determinado período até que mutações na armação urbana acabem por valorizar ainda mais as suas propriedades. Será que essa espera especulativa não vai impossibilitar que a oferta regule os preços no mercado do solo?
Quando abordamos o tema especulação imobiliária convém, ainda que epidermicamente, escrever sobre o prestígio social. Este “fenómeno” tem lugar quando a inclinação dos grupos mais ricos é a de segregar o resto da sociedade, bem como a pretensão dos cidadãos, que fazem parte da classe média, é a de ascender socialmente. Será que com a especulação não surge a concepção mercantil da insuficiência e a dificuldade do acesso à terra?
Há dois factores que enrijecem consideravelmente a especulação: a taxação desapropriada dos rendimentos derivados da especulação; e a própria corrupção. Na realidade, a inexistência de taxação ajustada autoriza que o aparelho de especulação seja constantemente aperfeiçoado. Será que o acesso às informações relativas ao investimento Estatal não é um recurso importantíssimo para a promoção da especulação imobiliária? Será que não existem elevados índices de corrupção nos órgãos públicos? Será que o Estado não investe nas áreas de interesse dos especuladores? Será que esta putrefacção contribui para o planeamento coerente dos investimentos públicos? Será que os investimentos públicos alguma vez estiveram verdadeiramente ancorados nas privações sociais? Será que não é na superfície municipal que as conveniências dominantes se tornam mais óbvias e robustas?
Legalmente as Câmaras Municipais desfrutam de uma função relevante na “pronunciação” dos interesses do sector imobiliário, contudo a aprovação dos orçamentos municipais e os financiamentos externos ficam muito aquém do desejado. Infelizmente a ilegitimidade é funcional para as conexões políticas “obsoletas”, para o mercado imobiliário circunscrito e altamente especulativo, e para o alargamento prepotente da lei.
Não esquecer que em algumas ocasiões a opção, preparação, organização, licenciamento, edificação de infra-estruturas, e lançamento e comercialização de um loteamento constituem tarefas que necessitam de longos períodos de tempo. Será que não é essencial o conhecimento da dinâmica económica e das infra-estruturas dos Municípios?
A presença de robustos encadeamentos entre a laboração da “locomotiva” de crescimento urbano e as telas de poder público local; a existência de procedimentos clientelistas na administração do território; a actividade especulativa no centro da circunferência imobiliária; o debilitamento institucional do poder público local; a conspecção do espaço como uma extensão exclusiva da classe alta; a franzina participação plural e democrática que desfila; e os métodos de gestão do espaço que vão ao encontro das relações mercantilistas, constituem fragrâncias que desafortunadamente somente aceleram os problemas urbanos e as disparidades sociais.