Será que, em determinados contextos, esses estudos não perfilham uma espécie de argumentação teológica em redor da superioridade? Será que os mesmos não recorrem amiudadamente a delineações e comparações abstractas entre sectores de ensino? Será que alguns estudos não destacam unicamente atributos específicos deste ou daquele género de escola? Será que os dois tipos de lógicas argumentativas não têm proveniência religiosa e económica? Será que esses tipos de lógicas são suficientemente abrangentes? Será que a educação é um bem-comum público? Será que a mesma não é um bem de consumo privado?
A educação constitui um bem fundamentalmente público, justificando-se, por esse facto, a preponderância da intervenção do Estado tanto ao nível do financiamento, como ao nível da operacionalização da oferta do serviço educativo. A educação concebe benefícios privados e, nesse entrecho, compete ao Estado boa parte do financiamento, da regulação e da prestação do labor educativo. Será que o Estado deve diminuir a sua intervenção? Será que existe um verdadeiro mercado educativo em Portugal, alicerçado na concorrência e na autonomia dos prestadores de serviço, bem como na livre escolha dos consumidores?
A fractura entre público e privado agasalha como principais superfícies: a progressiva ambiguidade e duplicidade na diferenciação entre “público” e “privado”, ou seja com a existência de escolas públicas que recorrem a arquétipos de gestão privada e de escolas privadas que estão sujeitas a “imperativos” de prestação de serviço público; a valorização da administração local da escola; e o reforço da independência administrativa e organizacional das próprias escolas.
A bifurcação entre o ensino público e privado está presente no dia-a-dia das sociedades. Tratando-se de organizações constituídas por homens acabam por aquartelar obstáculos ampliados e relacionados com a problemática de amputar e de abreviar automatismos estabelecidos. A procedência do dinheiro que as suporta é decisiva para metamorfosear a lógica dominante. As instituições de ensino que dependem do orçamento de Estado perpetuam a propensão para descobrir no exterior o conjunto de argumentos que justifique, em certa medida, a ausência de resultados excelentes. Por sua vez, as escolas privadas são “obrigadas” a procurar ininterruptamente a qualidade, assim como as condições necessárias à eliminação de alguns focos de improdutividade. Será que a educação tem escoltado algumas das matérias que mais pigmentam as agendas políticas nacionais e internacionais? Será que a mesma escolta a modernização coligada a mecanismos empresariais e de mercado? Será que a educação, na sua generalidade, não deve perfilhar um caminho diferente?
Os acérrimos defensores do ensino privado argumentam que a educação formal privada defende de modo superior a individualidade, a autonomia e a liberdade dos cidadãos; a densa supervisão e a regulamentação dos procedimentos, por parte do Estado, constrange o mesmo, levando-o a optar não só por formatos mais elitistas, como também por disposições mais burocráticas e despersonalizadas; a reprodução do ambiente circundante, dos valores sociais e das crenças relacionadas com o contexto estrutural doméstico é bastante mais fidedigna; a edificação de contextos que promovem a existência de índices superiores de dedicação ao estudo, bem como a obtenção de conhecimentos, de posturas e de comportamentos proveitosos para um desafogado e distinto posicionamento dos seus discípulos na medula do mercado de trabalho constitui uma realidade; o seu posicionamento pode e deve ser degustado como o prolongamento natural ou normal das famílias; promoveu e disseminou telas de adaptação mais completas em relação ao encadeamento entre a oferta e a procura educativa; diminuiu os cenários de sujeição em relação às lacunas burocráticas, à inflexibilidade e à uniformidade das escolas públicas; procurou permanentemente ensinar os indigentes e os órfãos; privilegiou os mais desfavorecidos; foi “precursor” na educação feminina; acolhia as crianças e os jovens portadores de deficiências; procurou sempre integrar todos os cidadãos na sociedade; impulsionou a educação infantil; albergava os excluídos e os denegados do ensino público; se permutou à família na educação absoluta de tantos filhos separados dos progenitores; e enquadrou positivamente o fenómeno da emigração. Será que não existem traços de injustiça quando se possibilita, unicamente ou maioritariamente, às classes economicamente favorecidas, pelo conjunto de recursos e de mobilidade que usufruem, o exercício da liberdade de selecção? Será que os alunos economicamente favorecidos não são os únicos a terem a possibilidade de optar pela escola privada ou pela escola pública que goza de notoriedade académica elevada? Será que o acesso ao ensino privado é igual para todos? Quem restringe esse acesso? Será que as classes socialmente e economicamente favorecidas não constituem o grosso da “educação privada”? Será que a iniciativa privada, no seu limite, não tem capacidade para amputar e suprimir a justiça? Será que o ensino particular constitui um efectivo serviço nacional e um corpóreo serviço de interesse público? Será que o ensino privado privilegiou verdadeiramente os mais desprotegidos? Será que o mesmo não está altamente vocacionado para corresponder às conveniências das elites? Será que o ensino privado não tem uma ligação algo “obscura” com a Igreja Católica? Será que o mesmo não agasalha uma espécie de dívida de gratidão para com a Igreja Católica? Será que a Igreja Católica, durante vários séculos, foi uma promotora exclusiva, honesta e benigna da educação e da cultura? Será que a Igreja Católica e o ensino privado, ao longo dos tempos, não foram disseminando omissões, incorrecções, imperfeições, incongruências, disfuncionalidades, injustiças e descomedimentos? Será que o ensino privado contribuiu para o decrescimento das desigualdades? Será que a generalização, em relação ao ensino privado, não é justa? Será que não é verdade que boa parte das escolas privadas, implícita ou explicitamente, deliberadamente ou não, excluem?
A inclusão deve procurar, ainda que se tenha de ter em conta as condições físicas, pedagógicas e económicas, incluir todos os candidatos independentemente da sua procedência social, bem como das suas capacidades físicas ou intelectivas. Será que não é incomodativa e desafinada a exclusão social desencadeada pela constância do ensino privado? Será que o argumento de que não há dinheiro para sustentar o ensino privado não é verdadeiro? Será que a liberdade de escolha não termina quando o financiamento é oriundo de terceiros? Será que a estratificação residencial é fomentada pelas escolas públicas? Será que o contexto de algum isolamento, por parte do ensino privado, não tem servido as conveniências das classes economicamente mais privilegiadas? Será que as mesmas não são justamente aquelas que mais correntemente e facilmente conquistam e circunscrevem o poder político?
Os defensores da educação pública, localizados frequentemente na margem esquerda do panorama político, propendem a asseverar que as escolas privadas perseguem finalidades análogas às das empresas comerciais. Também referem que as escolas privadas, no âmago da sociedade capitalista, não passam de projectos económicos e financeiros vulgares, sempre reféns da circunferência particular da “legislação” individualista e da fragmentação ideológica.
As escolas públicas estão mais coligadas com a razão, o universal e a justiça, assim como com a própria ideia de imparcialidade e de igualdade, resultando dessa conjuntura um maior estatuto que aquele que é reconhecido e outorgado à educação privada. As escolas públicas devem ser saboreadas como prolongamentos naturais do Estado, devendo ser defensoras, por excelência, do temperamento e da marca nacional. O ensino privado, em determinadas circunstâncias, espelha a submissão formal do trabalho ao capital, uma vez que existe aquisição e alienação da força de trabalho dos professores com a finalidade de produzir valores remanescentes. Será que o ensino privado não promove degraus maiores de desigualdade social? Será que os filhos das famílias mais favorecidas economicamente, não são aqueles que têm melhor desempenho escolar? Será que um mercado de escolhas competitivas não acarretaria contracções, voltagens e crispações sociais? Quem promoveria a tão desejada e fundamental coesão social? Será que todas as escolas privadas se pautam pela exigência pedagógica?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.