Ao longo dos tempos os seres humanos vão esculpindo a sua história, gravando a sua biografia e inscrevendo as suas marcas nos espaços físicos e espirituais.

A verdade é que existem vários “contextos” de património, resultado das dissemelhantes interacções do homem com o meio envolvente. Existe património que parece estar unicamente relacionado com algumas “agremiações” humanas. Todavia, e talvez um pouco paradoxalmente, o mesmo pertence à humanidade, que o tenta, por uma panóplia de razões e raciocínios, conservar. Será que não temos assistido a uma série de progressivas e emaranhadas diligências, nos seus mais díspares semblantes, ligadas à valorização do património?

A transfiguração da paisagem está visceralmente associada às antevidências, representações, ambições e expectativas, assim como aos valores e apreços que nos encorajam e entusiasmam. O homem, nas suas correspondências com o meio envolvente, produz, reproduz e reinventa os espaços, bem como os elementos da natureza. As camadas populares amanham e arrecadam os símbolos que lhes são transmitidos, porém não deixam de disseminar a reminiscência simbólica dos lugares. Logo, há como que uma transformação das suas próprias opiniões, concepções e interpretações em relação ao espaço e ao tempo. Será que uma das finalidades da valorização do património não é a de edificar verdadeiros catálogos de vitalidade económica e populacional?

A humanidade é essência, pigmentação e perfume, bem como o cenário no qual se desenvolve e fortalece o “folguedo” da nossa própria “competência”, no que respeita às nossas erudições adquiridas e aproveitadas. Será que a narração das imagens de um ocasionado lugar não espelha as transfigurações ocorridas nas disposições espaciais e nas reciprocidades sociais?

Os cidadãos distinguem os “cosmos” vividos com cognomes e denominações informais. Estes encadeamentos, que desabrocham com a experiência, vivência, confiança, atrevimento e benquerença, patenteiam convivência. Os lugares acabam por ser observados e acarinhados como sendo parentes próximos, merecedores de ponderações, considerações e estimações específicas. O património também se indumenta de um elóquio sobre o passado, do qual o paradigma edificado, a maior parte das vezes, não é mais do que um tecido de valores calculados e decididos por alguns agentes sociais.

Os vários tipos de património, o cultural, natural, edificado e arqueológico, parecem constituir revelações “singulares” que agasalham uma independência capaz de sugestionar a inexistência de correspondência. A natureza metamorfoseada acaba por ser parte integrante do universo humano, constituindo, desse modo, uma prédica de transfiguração ininterrupta, corporalizada numa estruturação cultural. Se a textura simbólica outorgada no passado a um determinado “dispositivo” cultural for saliente, volumosa e pertinente, maiores e mais espessas serão as possibilidades do seu aproveitamento no futuro. Será que a concretização de efectivas investigações de exequibilidade que possibilitem alicerçar o encadeamento “espontâneo” entre progresso e património não assume um papel de extrema relevância?

O conjunto das intervenções patrimoniais deve aconchegar fragrâncias que contemplem a disposição local, procurando, de uma forma homogénea e contínua, impulsionar a participação enérgica de todos os agentes. Para se conquistarem os verdadeiros índices de aperfeiçoamento tornam-se imprescindíveis os desfiles de vértices de “comunicação” bastante mais articulados, “verbalizados”, desafogados e descentralizados em detrimento da simples, e descomplicada, reprodução patrimonial.

A toponímia é a “secção” que estuda e analisa os topónimos, ou seja os nomes próprios dos lugares, assim como a intrínseca origem e desenvolvimento dos mesmos. Como deixa transparecer, a toponímia alberga fortes e vigorosas ligações à história, arqueologia, sociologia, linguística, antropologia, biologia, psicologia social, zoologia, botânica e geografia. Os conhecimentos geográficos assumem uma função importantíssima não só para a continuidade humana, como também para a configuração da identidade dos dissemelhantes grupos que organizam e metamorfoseiam as paisagens. Será que as afinidades dinâmicas e de coadjuvação entre as matérias e disciplinas de conhecimento não contribuem para que os indivíduos consigam aconchegar a percepção da complexidade da realidade como um todo?

A toponímia, indumentada de cânones multidisciplinares de conhecimento, celebra o desejo de uniformidade e unidade diante dos distintos saberes e das desconformes ciências. Esta conjuntura permite ao homem descobrir ou reencontrar a origem, a identidade e a história do nome.

Podemos considerar os topónimos como património imaterial, uma vez que através deles se pode conhecer a “colonização” dos lugares, assim como a sequência de acontecimentos, circunstâncias e desenhos quiméricos relacionados com os primeiros “colonizadores”. Em diversas ocasiões, quando se alteram as correspondências de produção, também se transformam as estruturações e extensões espaciais experienciadas, os cadastros toponímicos, os semblantes paisagísticos e as próprias populações. Deste modo, torna-se fundamental que estas denominações de povoações sejam observadas e estudadas em telas de profundidade, de forma a garantir o entendimento dos seus significados e comunicados, bem como a coadjuvação na interpretação histórica.

O homem é o responsável pela designação dos lugares e dos espaços. Em distintas circunstâncias, o processo de nomeação está intimamente associado aos traços topográficos existentes na paisagem e a tudo aquilo que circunda o indivíduo. Os elementos que constituem a paisagem vão muito para além daquilo que os nossos olhos observam, pois a mesma pode ser considerada um verdadeiro armazém de memórias e de conhecimentos, que na realidade testemunha tudo aquilo que se passou, naquilo que se está a passar, ou seja certifica o passado no contemporâneo.

O estudo etimológico dos nomes constitui uma tarefa relevante no cosmos dos topónimos, uma vez que é bastante interessante comentar e explicar as causas que conduziram aos nomes dos lugares. Os lugares, fundamentalmente pelo nome que arrecadam, desprendem-se uns dos outros, alcançando identidade e personalidade própria. A função nomeação descreve o modo como os indivíduos não só se inventariam com os seus lugares, como também cogitam, raciocinam, convivem e apreciam o espaço em toda a sua dimensão.

Os topónimos encerram a incumbência de preservar os costumes e memórias dos povos, pois empregam a cultura e erudição linguística para nomear, e por vezes sobrenomear, os desníveis “topográficos”. A cultura linguística não é mais do que um aglomerado de ideias, hábitos, saberes e experiências sociais, arremessados no âmago da língua de uma região. As pessoas, no protocolo da nomeação de um determinado local, procuram motivação em conspectos naturais e em sentimentos, bem como em sensações, ambiências, afeições, estados de espírito e ideais.

As ciências humanas possuem grandes dificuldades em interpretar os cunhos físicos, “corpóreos” e biológicos dos factos humanos. As ciências naturais aconchegam algumas contrariedades na hora de compreender a inscrição dos episódios humanos na pintura social, ou seja na própria sociedade. Esta desconformidade presente no seio das ciências acaba por estabelecer a indispensabilidade da interdisciplinaridade. Esta condição outorga às populações uma capacidade muito mais crítica, plural e analítica. Os cidadãos que se deixam imortalizar num singular paradigma de conhecimento, acabam por alcançar uma conspecção bastante adulterada da verdade, da realidade, da comunidade e da humanidade.

Em algumas conjunções, os topónimos transportam conteúdos que nem sempre são capturados e compreendidos pelos cidadãos. Com o passar do tempo, esta situação vai ser responsável por uma espécie de obscuridade em relação à sua efectiva significação. Será que não é oportuno salientar que o estudo da toponímia pode outorgar às comunidades esclarecimentos muito relevantes em relação às fisionomias da biografia política, cultural, económica e social?

Os nomes dos lugares também adquirem relevância no círculo do poder público. O Estado e os “bandos” dominantes não só arquitectam ruas, avenidas, parques, jardins, praças e monumentos em diferentes proporções, como também engendram rituais que permitem imortalizar a sua própria importância e ascensão. Alguns nomes de lugares podem ser temporários, sobrevivendo com o paladar das flutuações cíclicas e das, por vezes, pérfidas imposições. As injunções políticas e económicas nunca irão estreitar as nossas “práticas” nos espaços, uma vez que os cidadãos, muitas vezes sem se aperceberem verdadeiramente, vão edificando, com sapiência, despretensão e escárnio, novos significados toponímicos.

 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.