Uma equipa multidisciplinar colocou a descoberto, no Vale do Côa, provas que mostram “com clareza” que o homem de Neandertal ocupou de forma continuada aquele território antes da chegada do ‘homo sapiens sapiens’.
“A presença continuada do homem de Neandertal, em acampamento ao ar livre, no Vale do Côa, ficou comprovada com este registo arqueológico, composto para sondagens arqueológicas, o que torna este sítio único na Europa”, disse hoje à Lusa o arqueólogo Thierry Aubry, um dos especialistas da Fundação Côa Parque envolvidos na investigação.
Depois de se percorrer cerca de 25 quilómetros por estradas sinuosas, chega-se ao sítio arqueológico do Salto do Boi/Cardina, nas proximidades da aldeia de Chãs, onde foi descoberta, através de um conjunto de sondagens, esta “novidade para a arqueologia”.
Para os investigadores, ao longo das várias camadas evidenciadas nas sondagens arqueológicas feitas no lugar do Salto do Boi/Cardina, é possível perceber que o homem de Neandertal e o ‘homo sapiens sapiens’ ocuparam o mesmo sítio durante milhares de anos, de forma contínua, o que permite comparar o seu modo de vida e dar um contexto à arte rupestre do Côa.
No lugar do Salto do Boi, com o rio Côa a seus pés, arqueólogos e outros técnicos escavaram ao longo dos últimos dois meses mais de cinco de metros em profundidade, para chegar à conclusão de que parte dos vestígios encontrados pertence à época da ocupação dos Neandertais (350.000 a 35.000 a.C.).
“Até agora, sabíamos que os últimos Neandertais ocuparam o Vale do Côa no período entre 60.000 e 35.000 a.C.. No entanto, no fim desta última campanha ultrapassamos aos cinco metros de profundidade onde foram encontrados vestígios de ocupações mais antigas e sucessivas dos sítios pelos Neandertais”, vincou o arqueólogo.
Segundo Thierry Aubry, no interior da Península Ibérica há pouco sítios arqueológicos datados do Paleolítico Médio, e o que se conhece são ocupações únicas e não continuadas.
“Neste lugar, temos dezenas de níveis que mostram uma ocupação contínua dos caçadores-recoletores do Côa que conseguimos demonstrar com o estudo do material recolhido. É possível descodificar a transição entre os últimos Neandertais e os primeiros homens modernos [os artistas do Vale do Côa] que ocuparam a Península Ibérica”, enfatizou o arqueólogo.
Neste momento, segundo o arqueólogo, há “dados arqueológicos que vão permitir estabelecer que os artistas do Côa chegam a este lugar, após uma longa tradição de ocupação humana com mais de 90 mil anos no sítio do Salto do Boi/Cardina”.
“Nestas escavações, a ideia não era a de encontrar peças bonitas, mas sim informação que nos permitisse perceber como as pessoas viviam, o que faziam, por onde passaram ou o efetivo do grupo nestas paragens”, indicam os investigadores envolvidos nos estudos arqueológicos do Vale do Côa.
Agora, o desafio que se coloca aos investigadores é perceber o porquê de os Neandertais e seus descendentes escolherem o território do Côa para perpetuar a sua arte rupestre e continuar as escavações de forma mais abrangente.
O núcleo duro desta equipa de investigadores é composto pelos quadros da Fundação Côa Parque, aos quais se juntam elementos de diversas universidades.
O projeto de escavações no sítio do Salto do Boi/Cardina conta com o financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia e a cooperação das universidades de Coimbra, Barcelona e Lisboa.