Penha Garcia, localidade do concelho de Idanha-a-Nova, já era reconhecida pela comunidade científica internacional pela ocorrência de espectaculares fósseis atribuídos aos modos de vida e comportamentos de trilobites, organismos marinhos que aqui viveram há quase 480 milhões de anos.
Com efeito, num inesperado vale que se rompe nas traseiras da Igreja Matriz vamos encontrar o Parque Icnológico de Penha Garcia, um dos principais geomonumentos do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO. Esta riqueza de fósseis é própria dos primórdios da evolução da vida animal, num período cronológico a que os geólogos deram o nome de Paleozoico (que significa vida antiga), o qual teve início há cerca de 539 milhões de anos.
Agora, a pequena equipa de cientistas a trabalhar com o apoio do Município de Idanha-a-Nova e coordenada por Carlos Neto de Carvalho (Município de Idanha-a-Nova/IDL – Universidade de Lisboa) descobriu restos fossilizados que remontam às origens da vida animal.
O novo sítio paleontológico foi descoberto não longe da Capela de Nossa Senhora de Guadalupe. Os fósseis foram encontrados pelo paleontólogo italiano Andrea Baucon, no âmbito da investigação ainda em curso. “A descoberta foi uma emoção incrível”, diz Andrea Baucon. “Procuramos esses fósseis há mais de 15 anos, mas só agora os encontramos”.
Num eucaliptal ocorrem formações de composição arenítica com finas intercalações do que vulgarmente se designa por xisto, com marcas de ondulação e outras estruturas sedimentares que atestam a sua deposição numa paisagem bem diferente da de hoje. Num passado de uma mão cheia de centenas de milhões de anos estes sedimentos correspondiam ao fundo do mar. As vicissitudes tectónicas ao longo de tanto tempo terão erigido a dupla crista montanhosa de Penha Garcia e metamorfizado os sedimentos nas rochas que hoje encontramos. Estas formações rochosas aparentam grande monotonia e são muito frequentes em toda a região centro do país, estendendo-se muito para além da fronteira com a Espanha. No entanto, até hoje nunca tinham sido encontrados restos fossilizados de animais em rochas tão antigas.
Em formações um pouco mais antigas, não longe de Penha Garcia, já tinham sido descritos os fósseis mais antigos de Portugal, bactérias com dimensões de milésimas de milímetro, pelo geólogo António Sequeira. Recentemente, a tese de Lourenço Crispim, coordenado pelos professores Telmo Bento dos Santos (Faculdade de Ciências de Lisboa) e Martim Chichorro (GeoBioTech – Universidade Nova de Lisboa), permitiu determinar a idade destes fósseis em cerca de 588 milhões de anos, tendo por base a utilização de métodos radiométricos aplicados a um mineral – o zircão – que ocorre nestas rochas.
No âmbito da mesma tese, rochas próximas ao novo sítio paleontológico obtiveram uma idade máxima estimada de cerca de 560 milhões de anos, também precâmbricas, correspondentes ao período conhecido como Ediacárico. Ora, os fósseis encontrados ocorrem em rochas ainda mais antigas do que aquelas e serão, portanto, ainda mais antigos.
“Isso implica que os fósseis recém-descobertos enfrentaram um vertiginoso abismo de tempo”, refere Andrea Baucon, explicando que“já eram fósseis muito antigos na época do T-rex, muito mais antigos que o Oceano Atlântico ou os Alpes”. E a que é que correspondem estes novos fósseis?
Os fósseis correspondem a vestígios de animais que percorreram o fundo marinho de então em busca de alimento. O animal teria pouco menos de 10 mm de largura e deixou preservado nas rochas o seu trajeto, algo sinuoso, enquanto se alimentava de restos orgânicos contidos nos sedimentos.
Esta marca de atividade biológica conhecida como icnofóssil permite-nos entender o modo como este animal se alimentava: “sabemos que o organismo responsável pelo icnofóssil possuía um esqueleto rígido, algo que nos é indicado pela forma como penetrou e revolveu os sedimentos à medida que se deslocava com a intenção de procurar alimento, movendo-se para cima e para baixo, para o lado e para o outro – mobilidade, evidências de reação a estímulos nervosos e presença de esqueleto são critérios que melhor definem atividade animal”, refere Carlos Neto de Carvalho.
A busca está ainda nos seus inícios. O Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO organiza uma nova campanha de investigação em Penha Garcia, enquanto cientistas do Museu de História Natural de Piacenza e da Universidade de Génova analisam a curiosa forma das estruturas já encontradas.
Os fósseis mais antigos de animais conhecidos no mundo datam de há 890 milhões de anos e correspondem a um tipo de esponjas marinhas – animal muito simples, composto por múltiplas células organizadas num esqueleto, sem sistema nervoso, circulatório ou digestivo.
Alguns dos mais antigos vestígios de animais que mostram capacidade de mobilidade correspondem a icnofósseis encontrados na vizinha Extremadura e datam de há cerca de 565 milhões de anos. O fóssil do esqueleto do mais antigo animal tem 558 milhões de anos e foi encontrado recentemente no noroeste da Rússia.
Desta forma, os novos fósseis de Penha Garcia ganham notoriedade internacional, como uma das referências mais antigas para o estudo da evolução da vida animal nas suas fases mais precoces.