Gravuras rupestres colocaram Foz Côa no mapa mundial da arqueologia

A descoberta das gravuras rupestres do Vale do Côa, na primeira metade da década de 1990, colocou o concelho de Vila Nova de Foz Côa no roteiro mundial da arqueologia, quando até aí dependia exclusivamente do turismo vínico.

A decisão governamental de não construir a barragem do Baixo Côa, em 1995, e a classificação dos sítios rupestres como Património Mundial da Unesco, em finais de 1998, mudaram o rumo não só de Vila Nova de Foz Côa, no norte do distrito da Guarda, mas de todo o vale do rio.

A primeira grande mudança foi de âmbito global e centrou-se na investigação e no conhecimento. Os arqueólogos no Côa revelaram um amplo centro de arte rupestre paleolítica de ar livre, algo até então praticamente desconhecido, dado a maioria das descobertas até então ter ocorrido em grutas.

Esta descoberta colocou “nas bocas” da comunidade científica o que passou a ser considerado como um dos mais importantes achados arqueológicos de sempre de gravuras do paleolítico superior.

A história tornou-se rapidamente muito mediática, porque assentava num problema de escolha: ou se construía um grande empreendimento hidroelétrico ou se salvavam os testemunhos de arte rupestre cuja importância arqueológica e grande antiguidade foram desde muito cedo reconhecidos.

“Uma história de paixões que, ao longo de todo o ano de 1995 alimentou muitas primeiras páginas e dividiu as opiniões dos portugueses”, destaca o arqueólogo António Martinho Batista, um dos pioneiros da descoberta.

A internacionalização do “caso Côa”, apoiada em movimentos de cidadãos, contribuiu decisivamente para o arrastar do problema até às eleições de outubro de 1995, tendo o caso sido uma bandeira política do Partido Socialista, que acabaria vencedor.

O quotidiano da pacata vila viveu por estes tempos momentos fortes, nomeadamente quando o então Presidente da República, Mário Soares, visitou o local, acompanhado de jovens que gritavam “As gravuras não sabem nadar!”, glosando uma música então em voga dos Black Company.

Quem recorda esses tempos é o então ministro da Cultura do Governo socialista, Manuel Maria Carrilho.

“A questão das gravuras estava em debate nacional. Era um tema nacional, político”, indica o ex-governante, acrescentando que foi “uma grande luta”.

“Não tinha ficado no Governo um dia sequer se isto não se mantivesse. A preservação das gravuras foi, aliás, uma promessa eleitoral”, lembra.

Agora, Carrilho pede ao primeiro-ministro, António Costa, e ao ministro da Cultura, João Soares, para que se “acorde para o valor absolutamente único que existe em Foz Côa e para o potencial de toda aquela zona do interior”.

“O passado acabaria por ditar o futuro, com a criação do Parque Arqueológico e um centro de estudos de arte rupestre, que seriam os alicerces do Museu do Côa, inaugurados em 31 de julho de 2010”, lembra António Martinho Batista.

As gravuras do Côa e agora também o Museu do Côa, terão atraído à região quase um milhão de visitantes nos últimos 20 anos.

Alexandra Cerveira Lima, uma das arqueólogas do Vale do Côa, sublinha que os cientistas “revelaram ao mundo a dimensão da arte rupestre paleolítica de ar livre, até então desconhecida. O Côa é um repositório de informação, um imenso registo arqueológico conservado”.

Por sua vez, o presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa, Gustavo Duarte, diz que muito mais poderia ter mudado no concelho com a descoberta das gravuras rupestres.

“Como se disse na altura, queremos que o Museu do Côa e o parque arqueológico contribuam para o desenvolvimento do Vale do Côa”, frisa, apontando mudanças no afluxo turístico a Foz Côa, mas referindo que há potencial para mais, já que houve, entretanto, uma melhoria significativa na rede viária.

“Queremos fazer deste património uma componente agressiva para o turismo no território”, assegura.


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