O sentimento de impunidade “corpórea”, em relação aos casos de rapto parental, acaba por edificar índices de permissividade que contribuem não só para o aumento do número de ocorrências, como também para o agravamento.

O conceito de alienação parental despontou na década de oitenta, consistindo fundamentalmente na transfiguração da consciência e da compreensão da realidade da criança, através de alguns instrumentos como sejam: a manipulação; a “inferência” de falsas memórias; e os falsos testemunhos em relação ao progenitor não “residente”. Estes jogos pérfidos têm a finalidade de levar a criança a afastar-se de um dos progenitores, debilitando ou impossibilitando o próprio convívio entre os mesmos. Será que um conflito de lealdade é salutar para a criança? Será que a adopção de estratégias com o objectivo de impedir o convívio e o contacto parental é saudável? Será que denegrir o progenitor não residente é um acto benéfico para o bem-estar da criança? Como se classifica a lavagem emocional?
Infelizmente os episódios de rapto parental internacional têm aumentado significativamente em Portugal. No nosso País, o rapto parental de menores está previsto no art.º 249.º do Código Penal, sob a inscrição “subtracção de menores”. O “preceito” legal responsabiliza e criminaliza o acto de sequestrar um menor, bem como o acto reiterado e infundamentado de impossibilitar ou de complexificar os contactos ou os convívios parentais, descumprindo, desse modo, o assentimento ou a deliberação judicial relativamente ao exercício das responsabilidades parentais. O rejeitar, o protelar ou o dificultar expressivamente a entrega ou o acolhimento da criança acabam por constituir meios de actuação incriminados. Mais do que salvaguardar as conveniências do progenitor, deseja-se asseverar o desenvolvimento consonante e harmonioso da criança. Somente convivendo com ambos os progenitores é que essa situação acontece. Todavia, não é suficiente o simples incumprimento, devendo o mesmo ser iterado e infundado. Será que as alíneas que compõem o art.º 249.º do Código Penal não podem “concorrer” entre si? Será que o direito penal não é sempre o derradeiro rácio?
Contemporaneamente a Convenção de Haia, Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional materializada em 25 de Outubro de 1980, conta com a presença de mais de uma centena de Estados-membros ou Países signatários. A Convenção de Haia é o documento que perfilha os Direitos das Crianças mais ratificados do Mundo.  Entre os Países signatários da Convenção existe um protocolo de coadjuvação das autoridades centrais dos Estados, com o propósito de restituir, de forma imediata e quando tenham sido ilegalmente “transferidos”, os menores ao seu Estado residente. Esta conjuntura unicamente é dispensada nos casos em que o regresso do menor possa revelar-se ainda mais desfavorável e pernicioso para o menor. Na verdade, a Convenção de Haia, numa perspectiva transfronteiriça, pretende agasalhar um resultado dissuasor de comportamentos prejudiciais para a serenidade, a comodidade e o superior interesse dos menores. Será que a simples ratificação da Convenção garante o impacto necessário sobre a população infantil que necessita de protecção? Será que a ratificação oferece garantia futura de concretização?
O rapto parental internacional, denominado em Portugal de subtracção de menores, é profundamente inquietante. O número de casos em Portugal tem aumentado significativamente devido, em certa medida, à inacção do próprio Estado. Infelizmente o Estado português revela índices de dificuldade em promover os instrumentos imprescindíveis e adequados para estabelecer o cumprimento coercivo dos acórdãos, consentindo iterados inadimplementos e compactuando com contextos de perigosidade para os menores. Existem bastantes condenações ao Estado português com alicerce na violação do art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Será que não compete aos Estados a concepção de mecanismos que garantam o cumprimento coercivo das sentenças?
O sentimento de impunidade “corpórea”, em relação aos casos de rapto parental,  acaba por edificar índices de permissividade que contribuem não só para o aumento do número de ocorrências, como também para o agravamento e prossecução deste género de comportamentos. Será que em alguns casos não era vantajoso e justo aglutinar a condenação de multa com a condenação de prisão? Será que a sentença não deve acarretar um sacrifício para o criminoso e um exemplo para a sociedade? Será que não existem instrumentos legais que são totalmente desaproveitados? Será que alguns desses instrumentos legais não são: a entrega judicial de menor; o mandato de detenção; o regime de promoção e protecção de crianças e jovens em risco; e a salvaguarda das responsabilidades parentais?
Salientar que não devemos concordar com a vontade expressa de um menor quando esteja provado que este se encontra em ambiente de manipulação e agasalha um discurso semelhante ao do progenitor alienador. Uma vontade fingida, manuseada e coactada nunca pode ser considerada livre e desambigua, não devendo albergar qualquer importância jurídica. Será que as principais vítimas deste tipo de situação não são as crianças? Será que as mesmas não ficam sujeitas a consequências perigosas, duvidosas e adversas?
A Convenção de Haia actua na superfície da legislação, da intervenção política, das instituições, dos comportamentos e da ética. Na realidade, constitui uma abordagem em relação aos direitos da criança, pois reconhece que o crescimento integral da criança envolve a concretização dos seus direitos sociais, culturais, económicos e civis, devendo estes direitos proporcionar a simetria entre os direitos das crianças e dos progenitores. Será que as Convenções e os Tratados Internacio¬nais não impõem aos Países ratificados o cumprimento dos princípios “aprimorados” e estabelecidos? Será que na prática, e em diversas circunstâncias, o cumprimento não passa a incumprimento?
A Convenção de Haia de 1980, embora distante da perfeição, tem constituído uma das melhores opções para casos com este tipo de características. A maioria dos Países edificaram sistemas jurídicos específicos para a aplicação dos princípios que originam a análise crítica das Convenções. A aludida Convenção acaba por ser um acordo multilateral que encaixa os Estados num arquétipo internacional de localização e de avaliação da verdadeira situação da criança que deverá ser devolvida ao Estado de residência habitual. Será que a história da humanidade demonstra que as sociedades sempre pelejaram pelo reconhecimento de direi¬tos à crian¬ça e ao adolescente?
O reconhecimento da criança como sujeito de direitos é um princípio relativamente recente que contestou a cultura nas qual as crianças, especialmente as de sexo feminino, eram objectos das mais variegadas e repugnantes barbaridades. Os direitos das crianças têm sido paulatinamente perfilhados e aplicados nos dissemelhantes Países. Somente há pouco tempo é que a criança passou a ser considerada como cidadão provido de capacidade para ser titular de direitos. O reconhecimento universal de que a criança deve ser objecto de cuidados e atenções especiais só ocorreu efectivamente com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.