Infelizmente cada vez existem mais lombas dissuasoras de velocidade nas estradas portuguesas. Lombas que se podem contemplar e caracterizar como autênticas montanhas, tal exagerada é a sua altura e dimensão.

Na realidade, há um conhecimento insuficiente sobre o verdadeiro efeito das lombas no comportamento dos condutores. Será que não é fundamental materializar as consequências das lombas dissuasoras no que toca às emissões poluentes, assim como ao seu encadeamento com a redução efectiva da velocidade e dos acidentes rodoviários? Será que não é relevante estabelecer as correspondências entre as particularidades geométricas e o próprio ambiente rodoviário? Será que não é pertinente interpretar o comportamento dos condutores segundo a velocidade na lomba, as acelerações verticais e as emissões poluentes?

No final do século XIX, a humanidade assistiu ao aparecimento de um fenómeno que agasalhou a capacidade de revolucionar peremptoriamente a forma de vida das sociedades hodiernas. Essa criação foi o automóvel propulsionado por um motor a gasolina de combustão interna. Inicialmente a sua utilização era pouco prática e os benefícios que apresentava, comparativamente aos veículos de tracção animal, eram franzinos. Todavia, o desenvolvimento tecnológico velozmente arrevesou essa conjuntura.

Numa primeira etapa, o automóvel somente estava ao alcance das classes sociais mais “amuniciadas”. Com o decorrer do tempo, o mesmo foi ficando, ainda que paulatinamente, mais acessível a todos os grupos sociais. Esta circunstância incrementou o fabrico e a consequente venda do mesmo, nomeadamente na Europa e nos Estados Unidos. Nesta altura, a abordagem quanto à edificação de infra-estruturas de transporte terrestre foi-se deslocando, através de múltiplos estágios, da via-férrea para as vias e equipamentos de que o automóvel necessitava para garantir a sua mobilidade em contextos seguros, prazenteiros e conchegativos. Em todos os territórios foram construídas estradas, túneis e pontes para “acomodar” as necessidades de deslocação de pessoas e bens. Será que conceitos como sustentabilidade, consumo energético e escalões de poluição não se aglutinaram aos mais rotineiros como capacidade, demora e segurança rodoviária?

O crescimento urbano das cidades passou, ainda que lentamente, a incorporar inquietações inventariadas com os automóveis na definição, elucidação e estruturação das políticas, das medidas e das estratégias de ocupação territorial. Nas novas cidades, principalmente no Continente Americano, os urbanistas perfilharam reiteradamente este meio de transporte como “matéria” capital. Porém, boa parte das áreas centrais dos núcleos urbanos da anosa Europa acabou por aquartelar diversas arduidades em coabitar com este recente “usurpador” e com as suas reivindicações. A distribuição e o usufruto de algo parco, como era o espaço físico, promoveram os primeiros antagonismos entre o automóvel e os restantes utilizadores da via pública, designadamente peões e velocipedistas. Será que a qualidade do espaço urbano e a segurança dos utilizadores mais frágeis não constituíram configurações que começaram a ser colocadas em causa? Será que os conspectos referentes à poluição sonora e atmosférica não passaram a ter maiores índices de acuidade? Será que o alargamento da consciência ambiental não requisitou o reequacionamento das políticas de utilização massiva do automóvel em zonas urbanas? Será que a redução do preço dos automóveis não fundamentou e impulsionou a produção em série de viaturas, bem como a consequente generalização do acesso ao automóvel?

Também foi despontando a ideia de que o uso do automóvel apesar das suas incontestáveis vantagens, que presentemente poucos dispensam, tinha em determinados contextos que sofrer limitações, particularmente no que diz respeito à liberdade de circulação, bem como ao modo como essa circulação se processa e se organiza. Assim, surgiu o conceito que actualmente no meio técnico rodoviário se denomina usualmente por Medidas de Acalmia de Tráfego.

As primeiras referências e proposições à utilização de medidas de acalmia de tráfego remontam aos anos vinte do século XX, na Alemanha, onde os habitantes e os responsáveis pela administração dos espaços urbanos centrais conceberam superfícies unicamente pedonais. A utilização destas “barreiras” destapou alguns benefícios que ao longo dos tempos foram sendo identificados, nomeados, mencionados e explorados pelos especialistas e que, posteriormente, provocou a sua disseminação noutras cidades e lugares. Nesse período, a circunstância de se regular e de certo modo se restringir a mobilidade do automóvel, degustado como um sinal do desenvolvimento, foi interpretado como um “motim” no meio técnico conexo à superintendência do trânsito. Será que os primeiros “abalroamentos” não conduziram ao aparecimento de legislação e ao aprofundamento de normas técnicas a serem aplicadas nas áreas residenciais?

Desde essa altura, e principiando nos Países do norte e centro da Europa, o conceito foi-se espalhando a outros Países, incitando-se, dessa maneira, o desenvolvimento da investigação nesse “recinto” que redundou na composição de exortações técnicas com o reconhecimento das conjunturas privilegiadas de aplicabilidade, bem como da inclusão de novas normas. Analogamente foi acautelado o emolduramento legislativo a outorgar não só à aplicação das medidas, como também à significação e esclarecimento do paradigma metodológico de alicerce à implementação deste género de intervenção ou de empreitada. No final da década de oitenta e princípio da de noventa, essa aplicação chegou também a Portugal, ainda que em “semblante” pouco apaixonado. Um pouco por todo o lado foram sendo edificados cabimentos, nos quais o automóvel deixou de ser o veículo prioritário restituindo esse escalão às configurações de transporte não motorizados. Será que o espaço público não foi distribuído em moldes mais justos, prazenteiros e imparciais?

Neste entrecho, podemos seguramente asseverar que as medidas de acalmia de tráfego principiaram como uma ferramenta que fomentou a contraversão da propensão de preponderância exagerada do automóvel, hospedando como propósito essencial a amenização dos resultados hostis oriundos do tráfego automóvel, especialmente em espaços com temperamento intensamente urbano. Essas medidas compreendem o perfilhamento de um aglomerado racional de estratégias de debuxo e de desenho urbano, e de transformações corpóreas nas infra-estruturas viárias. Estas transmutações procuram conter, em configurações naturais, a atitude dos próprios condutores, originando um mecanismo que, quando aplicado e aproveitado coerentemente, possibilita reequilibrar, contrabalançar e reorganizar o usufruto do espaço urbano, diminuindo as contexturas desfavoráveis coligadas à utilização do automóvel e metamorfoseando a mesma em segura, racional, parceira do ambiente e magnética. Será que um dos conceitos fundamentais das medidas de acalmia de tráfego não é aquele que defende que os arruamentos urbanos devem ser lugares polivalentes? Será que esse desfecho não vai estimular e espessar as correspondências sociais e as vivências urbanas pela interacção harmónica que proporciona de distintos formatos de transporte? Será que este conceito não está implícito nos estudos de planeamento das cidades? Será que esses estudos não privilegiam a edificação de cláusulas para a sustentabilidade do ambiente urbano e, naturalmente, para o abrandamento dos impactos adversos provenientes dos sistemas e dos mecanismos de progresso?

As lombas e as plataformas constituem dispositivos de advertência que albergam a finalidade de alertar o condutor para a eventualidade de o mesmo ter de modificar o seu comportamento. Consistem na elevação da cota de superfície do pavimento numa faixa aplicada transversalmente à via com o objectivo de gerar um impacto físico e visual no condutor e, dessa maneira, obrigá-lo a diminuir a velocidade de circulação. Realçar que algumas das medidas de acalmia de tráfego fundamentam-se basicamente na obrigação física da diminuição de velocidade, e não na simples e genuína definição de uma velocidade limite através de sinalização vertical ou horizontal. Algumas medidas utilizadas estão intimamente associadas à conjectura de que somente a sinalização não é capaz de controlar a velocidade de circulação dos veículos necessária à reconhecida e devida conciliação das dissemelhantes utilidades “subsidiadas” pelos arruamentos. Ultimamente têm-lhe concedido, em tela complementar, funções de controlo dos volumes de tráfego, nomeadamente no que toca ao tráfego de áreas a preservar ou de cruzamento de povoações. Será que as valências interligadas ao desenho urbano, à funcionalidade do espaço intervencionado e à requalificação do mesmo não passaram a integrar esse conceito?
Ao longo dos séculos, o progresso dos meios e dos sistemas de transporte tem sido avaliado pela sua capacidade de economizar tempo de deslocação, o que tem exprimido a necessidade de proteger elevadas velocidades de operação. A ressalva da velocidade desejada passou a constituir uma condição capital, particularmente na apreciação do grau de serviço presenteado pela infra-estrutura. Todavia, o tempo acabou por manifestar que o incremento da velocidade de operação não acarretava unicamente benefícios, tendo as questões de segurança rodoviária e os desassossegos ambientais exigido a incorporação de renovados requisitos no cálculo do desempenho global das infra-estruturas.

Na realidade, é importante ter sempre presente que a velocidade influencia, de modo considerável, a conduta do condutor através da modificação das suas capacidades visuais e cognitivas. Com velocidades elevadas, o campo de visão é consideravelmente afectado, havendo, simultaneamente, o decrescimento do tempo disponível para compreender e abordar convenientemente a situação. À medida que a velocidade de circulação encurta, a visão do condutor alcança um ângulo bastante mais desafogado, sendo mais rapidamente descoberta qualquer movimentação na faixa de rodagem. Será que a velocidade não altera as distâncias de resposta e de travagem?

É conveniente verificar que boa parte dos acidentes, com envolvimento de peões ou não, sucede dentro das localidades. Os acidentes que embrulham peões acontecem amiudadamente em passeios, em passadeiras sinalizadas, nas lombas “tipo montanha” e na berma da faixa de rodagem. Boa parte destes acidentes tem lugar durante o dia e debaixo de benignos contextos de visibilidade e de luminosidade, sendo os cidadãos com mais idade as principais vítimas. Embora o panorama referente ao desenvolvimento da segurança rodoviária em Portugal ser manifestamente afirmativo e auspicioso, verifica-se que a conjuntura ainda continua a ser algo alarmante, sobretudo em relação aos cabimentos urbanos e à salvaguarda dos utilizadores mais frágeis.

São as autoridades oficiais que indigitam a velocidade de circulação como uma das configurações deliberativas quanto à justificação da assiduidade e da gravidade dos acidentes, saboreando-a como sendo o sustentáculo da generalidade dos acidentes no nosso País. A velocidade abriga uma “função” fundamental na sinistralidade rodoviária, especialmente no que respeita aos feridos e vítimas mortais. Será que os cânones principais da “sintomatologia” dos ferimentos não são determinados pela relação entre a velocidade de embate, a gravidade das escoriações e a energia cinética? Será que não existe uma correlação indiscutível entre o incremento da velocidade e a assiduidade dos acidentes?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.