Na realidade, a castração química, como instrumento de punição aos criminosos sexuais, promulgada coercitivamente pelo Estado e sem a aprovação do delinquente não é contrária, ou incompatível, com os fundamentos de nenhum Governo ou República. Será que não deve ser iniciada uma discussão constitucional rigorosa e abrangente sobre toda esta temática? Será que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deve ser intrínseco a toda e qualquer pessoa humana? Será que em determinadas circunstâncias não devemos “relativizar” a aplicação do mesmo? Será que a dignidade deve ser permanentemente considerada, por parte do Estado e da comunidade, como a qualidade inabdicável, intransferível e inerente a todo e qualquer ser humano? Será que os criminosos sexuais não praticam acções de chancela profundamente desumana, sanguinária, impiedosa e degradante? Será que este tipo de criminosos deve usufruir de autonomia para decidir e perfilhar os seus projectos existenciais? Será que a dignidade, na conjuntura de valor ou de elemento intrínseco ao homem, não está associada ao conceito de liberdade? Será que as vítimas de crimes sexuais conseguem desfrutar de contextos de liberdade? Será que os criminosos sexuais não deviam respeitar a integridade física e psicológica das vítimas? Será que os mesmos devem ter absolvição?
Podemos seguramente asseverar que a dignidade da pessoa humana, a liberdade individual e a autonomia não representam conceitos adversos ou antagónicos, mas sim compatíveis ou compossíveis enquanto direitos fundamentais. A autonomia da vontade pode ser definida como a capacidade que cada indivíduo agasalha para determinar o seu próprio comportamento. A castração química, e a concernente aplicação de inibidores hormonais, empregada com ou sem a aceitação do delinquente, compreendido como ser pouco digno e incapaz de se autodeterminar, acaba por não afectar a dignidade da pessoa humana, asseverando mesmo a sua efectividade. Neste contexto, podemos afirmar que o exercício voluntário ou involuntário da castração química, mediante o consentimento ou o desacordo do criminoso sexual, como mecanismo para alcançar a dignidade, não impossibilita a aplicação das disposições protegidas constitucionalmente. Será que a castração química não acaba por encontrar a sua “justificação” no princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo, desse modo, uma vida mais “digna” ao criminoso sexual?
A sociedade acredita que o Estado deve tomar medidas penais alternativas, rigorosas e eficazes, entendidas como mais gravosas ao criminoso, com a finalidade de controlar e de diminuir a própria criminalidade. Será que a castração química não constitui uma medida apropriada para prevenir a criminalidade sexual? Será que a criminalidade não pode ser considerada ou analisada na sua vertente patológica?
Torna-se evidente, e no seio de uma perspectiva generalizada, que o cumprimento das penas privativas de liberdade não surte o efeito ressocializador e premunitivo que se deseja. Uma análise epidérmica é suficiente para compreender que o sistema prisional pouco contribui para metamorfosear os detidos em pessoas cada vez menos belicosas, agressivas, revoltadas e perturbadas. Os criminosos sexuais quando ingressam no sistema prisional, devido aos crimes imorais e indecentes que perpetraram, constatam rapidamente a revolta dos outros detidos. Esta condição, que comprova que os presidiários também têm um código de ética e que os crimes albergam diferentes graus de repugnância e repulsa, acarreta mais um obstáculo para a pretensa recuperação desses abusadores sexuais. Contudo, a pena de castração química deve ser sempre adicionada à pena privativa de liberdade e nunca ser interpretada como um “recurso” para desatravancar o sistema prisional. Somente desta forma é que conseguimos diminuir o número de reincidentes “específicos”. Será que esta visão sobre a aplicação da castração química não ficava reforçada se convocássemos um debate entre a sociedade e os “poderes” constitucionais relativos a essa modalidade de pena? Será que não é fundamental conhecer e compreender as medidas que se praticam nos Países que já perfilharam essa fisionomia de condenação?
Usualmente os indivíduos que cometem crimes de natureza sexual não levantam qualquer tipo de desconfiança, sendo, na maioria das ocasiões, membros da própria família da vítima ou pessoas bastante próximas à mesma. Habitualmente o criminoso sexual é uma pessoa atraente; de razoável aparência ou aspecto; de comportamento cordial; fisicamente sadia; educada; instruída; e inteligente. Logo, dificilmente se aparentará com alguém perverso ou traiçoeiro, misturando-se facilmente com os outros indivíduos que formam a comunidade. Por vezes sem antecedentes criminais, possuem um endereço fixo, conservando um trabalho, por conta própria ou por conta de outrem, estável e duradouro. Alguns têm um equilibrado e pigmentado passado familiar, aquartelando aprimorados paladares culturais e concretizando múltiplas acções de filantropia na comunidade, em disposição completamente antagónica com as suas propensões criminosas. As ligações de amizade, de estima e de consideração constituem conjunções que simplificam o cometimento dos crimes sexuais. Em determinadas circunstâncias, e com o auxílio da clandestinidade e da ausência de testemunhas, as autoridades nem chegam a ter conhecimento desses crimes para investigação e ulterior punição. Infelizmente também há relatos de casos em que as vítimas, fundamentalmente na circunferência doméstica e familiar, tanto por questões relacionadas com o receio de vingança ou represália, como por questões inventariadas com a dependência económica em relação ao atacante, optam por não delatar o crime.
Em inúmeras situações somos levados a confundir “pedofilia” com “abuso sexual infantil”. A pedofilia é uma doença que concebe um crime, enquanto a segunda, o abuso sexual infantil, é um crime. Existem adultos que abusam sexualmente de crianças embora não pratiquem tais actos por serem pedófilos, mas sim por uma pluralidade de factores como sejam: o desprezo pelas normas sociais; o abuso de poder; traços de violência; a exploração de estímulos sexuais diferentes; o alcoolismo; e o uso abusivo de substâncias psicoactivas. Porém, existe um número bastante significativo que é concomitantemente pedófilo e abusador sexual infantil. Será que a sexologia clínica tem vindo a interessar-se verdadeiramente pela apreciação e pelo tratamento harmónico e coerente dos pedófilos? Será que não existem pedófilos que nunca abusaram sexualmente de uma criança?
Na realidade, a esmagadora maioria dos pedófilos não solicita coadjuvação terapêutica e aqueles que o fazem são, na sua generalidade, pressionados pela lei, pela família ou pelas próprias instituições. Será que esta conjuntura não explica porque se torna tão árduo e complicado o tratamento com sucesso dos pedófilos? Será que as equipas terapêuticas não devem ser multidisciplinares? Será que o êxito dos resultados não passa pela conjugação do tratamento psicológico, psiquiátrico e hormonal?
Na castração química são utilizadas substâncias que bloqueiam e reduzem a acção dos androgénios, levando, desse modo e em consequência da redução parcial das hormonas masculinas, à diminuição do impulso biológico; do desejo sexual; do ímpeto pelas fantasias sexuais; e da excitação sexual. O tratamento hormonal pode durar vários anos, devendo ser iniciado no período em que o “doente criminoso” está encarcerado e reforçado quando a libertação do mesmo esteja próxima. Será que a administração, a supervisão e o acompanhamento destes doentes não exigem unidades especializadas? Será que essas unidades não existem já no nosso País? Será que as mesmas não devem ser obrigadas a manter densos vínculos com o sistema judicial, prisional e médico-legal? Será que esses densos vínculos não são difíceis de alcançar? Será que a legislação portuguesa, em relação a esta problemática, não necessita de ser analisada e reformulada, tal como já ocorreu em alguns Países da Comunidade Europeia, assim como no Canadá e nos Estados Unidos da América?
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