Da janela do quarto, observava a Igreja da Lapa.

Lençóis brancos e frios. Toca verde e bata branca. Piso azul escuro, talvez fosse azul claro. Cama em tons de cinza. Pessoas afáveis, atenciosas e simpáticas. O sorriso doce, de uma menina terna, persistiu. A ansiedade e a serenidade digladiaram-se. Mãos que nunca se separaram. Corações sempre juntos, perpetuamente juntos. Não consegui rezar, mas chorei. Os gritos mudos também se fizeram ouvir, ecoavam pela cidade. As lágrimas que caíram fizeram o Douro transbordar no Porto. Não era essa a minha intenção. As minhas desculpas. As minhas sinceras desculpas. O pânico instalou-se. As memórias ficaram confusas e, simultaneamente, organizadas. O som das sirenes não abrandava e anunciava a trepidez. Edifícios e pontes derrubadas. Árvores arrastadas pela forte corrente. Ruas esburacadas. Automóveis submersos. Os alarmes dos centros comerciais eram cada vez mais audíveis. As pessoas gritavam e fugiam. Reitero o meu pedido de desculpas. Da janela do quarto, observava a Igreja da Lapa. Manteve-se firme e serena, não desabou. Não é exagero, aconteceu numa tarde quente de Verão. Talvez seja um exagero, mas senti esse exagero. Ninguém viu ou ouviu. Durante algumas horas foi assim que contemplei a cidade do Porto. Tenho o prazer de anunciar que não houve feridos nesta tragédia. As lágrimas começaram a ficar mais macias. Esbocei um sorriso. A janela do quarto já deixava passar a claridade. As sirenes calaram-se. Surgiram abraços vigorosos que atenuaram a fadiga. O sorriso doce, de uma menina terna, ficou ainda mais contagiante. O amor desfilou com mais significado. O sofrimento caiu da janela, naufragou e morreu.