Ao longo dos tempos, as sociedades têm ficado substancialmente mais intrincadas, todavia a mentalidade e o temperamento punitivo são bastante semelhantes daqueles que desfilavam no período do Iluminismo.

Pensamento altamente direccionado para encarcerar e presos inocentes. Os meios de comunicação social foram divulgando casos recorrentes acerca de inocentes que foram presos. Será que esta conjuntura não espelha a debilidade e inconstância do nosso sistema judicial? Será que a mentalidade orientada para encarcerar deve constituir a singular resposta ao delito? Será que não existem condições imperfeitas, despropositadas e insensatas que acabam por atravessar e influenciar o procedimento judicial penal? Será que o procedimento judicial procura efectivamente a “realidade verdadeira”? Quantos homens não foram já encarcerados e selvaticamente flagelados até confessarem a sua suposta culpa em crimes que nunca perpetraram? Qual será a sensação de estar preso e ser inocente? Quantos indivíduos inocentes existem a cumprir pena?
Também é seguramente relevante evidenciar os casos em que os indivíduos aguardam o julgamento dentro dos estabelecimentos prisionais e posteriormente se testemunha a sua inculpabilidade, incitando a interrogação sobre onde estariam os prenúncios vigorosos e sãos que autorizaram a prisão. Será que é um contexto legítimo e imaculado quando as provas não são “produzidas”?

Fico tolhido quando escuto numa análoga, persistente e ininterrupta toada, consequência de um discurso imediato ou de uma dissertação instantânea, hipoteticamente interpretada como manancial de inquietações e apoquentações sociais, de que o pobre fica preso e o rico sai em liberdade. Será que esta prédica não é rica na sua pobreza? Será que ser pobre é crime? Será que ser pobre é uma condição social que ajuda a chegar ao delito? Será que contemporaneamente esta condição é verdadeira? Será que esta condição não indumentou um passado já algo longínquo? Será que não é fundamental compreender os “idiomas” da pós-modernidade, a sociedade de consumo e os progressos tecnológicos, nomeadamente na circunferência das telecomunicações? Será que a sociedade actual não é completamente diferente das antecedentes? Será que a promíscua e indistinta desigualdade estacionou entre ricos e pobres no significado descomplicado destas próprios vocábulos?

A sociedade contemporânea lida com os problemas actuais através de leituras implícitas das ciências das causas finais, sendo, em algumas ocasiões, insuficiente para resolver os dilemas a inoculação de porções incomensuráveis sobre direitos humanos por meio de estatutos e mecanismos normativos ou da conhecidíssima opção da educação ou instrução. A sociedade é intrincada porque os seus problemas e obstáculos são emaranhados e não se referem exclusivamente a configurações económicas ou a figuras de dissemelhança social. Na realidade, o crime também se tornou complexo e esta conjuntura vai ter ecos na própria “doutrina” do sistema prisional. Existe uma rede intrincada que compreende múltiplos elementos inventariados entre si que formam ou confeccionam o problema. Será que o crime organizado é executado por ricos ou por pobres? E a pirataria electrónica? E a pedofilia cibernética? E o contrabando de estupefacientes? E o tráfico de seres humanos?

Infelizmente a “comunicação” para combate à criminalidade acaba por ser a mesma do século XVIII, espólio do Iluminismo, das luzes da razão e das fontes de raciocínio, epitomado no conceito cadeia. Será que é profícuo “democratizar” a prisão, colocando ricos e pobres num análogo patamar de igualdade dentro do sistema prisional? Será que não é determinante reconhecer e compreender a existência de facções criminosas dentro das instituições prisionais? Será que essas facções criminosas não mobilizam milhões de Euros? Será que as mesmas não possuem organização em formatos empresariais? Quem constitui tais facções, presos ricos ou presos pobres? Será que os estabelecimentos prisionais respondem aos problemas da criminalidade numa sociedade altamente complexa?

O paradigma penal necessita de uma reforma, na qual deve ser incluída a singular questão geográfica portuguesa que provoca uma espécie de cultura regionalizada que, em moldes bastante circunscritos, atinge e abrange as “particularidades” e “temperamentos” do crime. Será que o fenómeno cultural não agasalha enorme relevância em toda esta matéria? Será que não é determinante a concretização de uma investigação séria, rigorosa e visceralmente crítica para não permaneceremos nos arrabaldes do tema? Será que não é fundamental abordar, em moldes despretensiosos e abrangentes, as dissemelhanças e disparidades sociais na extensão do direito penal entre ricos e pobres?
O Estado caminha lentamente, ou seja em movimentos semelhantes aos da tartaruga, deixando que cidadãos inocentes sejam acusados sem perfilhar um efectivo procedimento de investir na própria “recognição” criminal e civil. O Poder Judicial e o Ministério Público, em determinadas circunstâncias, somente aparecem nas entrevistas perpetradas pelos meios de comunicação social com a finalidade de justificar o injustificável e esclarecer aquilo que para eles próprios também é turvo. Será que o sistema não é profundamente negligente e desonesto? Será que o mesmo não está submerso em iliberalidade, prepotência e autoritarismo estatal?

O passado recente mostra que o sistema arremessou dezenas de milhares de indivíduos nos estabelecimentos prisionais com o propósito de outorgar respostas céleres para o protesto social, proporcionado pelo alargamento destravado da criminalidade, e para a concretização da sua antiga “estratégia” social que se situava por baixo da alcatifa.
A identificação criminal é o arquétipo através do qual um determinado indivíduo que perpetra um crime deve ser fotografado e ter inventariadas as suas impressões digitais para que as mesmas fiquem catalogadas informaticamente em bases de dados. Actualmente ainda desfilam notícias de indivíduos que estão encarcerados porque foram confundidos com outros, respondendo, desse modo, por crimes que nunca praticaram. Será que ao longo dos tempos, o número de cidadãos que foram injustiçados, por incertezas provocadas em relação às suas verdadeiras identidades, não é totalmente excessivo, ilógico e contraproducente?

Certificar ou reconhecer a autêntica identidade de um determinado cidadão acaba por ser uma disciplina intimamente associada à cidadania. Colocar ao poder do Estado um certo e genuíno travão é fundamental para impedir ou diminuir em grande escala o seu desacerto. Torna-se relevante moderar o corrupio do Estado em dar respostas rápidas e infundamentadas à sociedade. Sobre esta temática, algumas organizações sem fins lucrativos foram criadas sob a chancela do inconformismo. Infelizmente há inúmeros cidadãos privados de viver e trabalhar, perdendo, desse modo, a sua profissão, a sua família, a sua personalidade, a sua pigmentação e, obviamente, a sua própria vida. Será que a restituição da liberdade ao inocente não é extraordinariamente urgente e imprescindível? Será que os ferimentos que resultam da prisão não são profundos e incomensuráveis? Será que existe alguma porção mágica que pode consertar os malefícios provenientes de uma prisão imerecida ou desnecessária? Será que a jurisprudência pode edificar contextos de prisão obrigatória? Como indemnizar algo que não é mensurável em expressão monetária? Será que não existem juízes que malevolamente estão a metamorfosear a prisão “cautelosa” em prisão antecipada ou até condenação final?

A prisão preventiva, principalmente quando indiscriminada e excessiva, parece fundamentar-se nas telas de vingança. Na realidade, o público não suporta que a seguir ao crime não desponte a vingança ou o linchamento do indivíduo saboreado imediatamente como culpado. A maioria dos meios de comunicação apadrinha esse comportamento judicial. Desafortunadamente os portugueses assistem a um crescimento da medida de prisão preventiva em Portugal. Será que alguns juízes possuem um fidedigno senso crítico? Será que em determinadas conjunturas o aparelho judicial não metamorfoseia o flagicioso em vítima? Será que não é um assunto de civilização?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.