O sector voluntário conquistou importância e pertinência quando os Governos determinaram reduzir a oferta de subsídios; estimular financeiramente os cidadãos a adquirirem serviços sociais; diminuir os abastecimentos directos; e transplantar responsabilidades do Estado para entidades patronais e sectores não comerciais. Será que existe supremacia da sociedade em relação ao Estado? Será que existe hegemonia do Estado sobre a sociedade? Qual é a “entidade” submissa? Qual é a “entidade” independente? Qual é o espaço anárquico do mercado? Qual é o espaço regulado pela democracia? Será que os encadeamentos entre a superfície mercantil e as organizações voluntárias são sempre de parceria ou de proximidade?
As organizações voluntárias desfrutam, na esmagadora maioria das vezes, de desobrigações fiscais e de apoios financeiros por parte do Estado, sendo vulgarmente contempladas pelas instituições que “comercializam” a política social como concorrentes singularizadas e privilegiadas. Será que o sector voluntário, em algumas ocasiões, não preserva correspondências contraditórias com o Estado? Será que essas conexões problemáticas somente acontecem com o Estado?
Muitas das organizações voluntárias estão sujeitas ao auxílio do sector comercial não só através da configuração de patrocínio, como também de modo indirecto, por meio da venda de bens e serviços no mercado. Apesar de o patrocínio não configurar a fundamental nascente de financiamento privado, o mesmo acaba por agasalhar uma função pertinente e importante, nomeadamente para organizações volumosas de âmbito nacional e internacional.
De realçar que múltiplas instituições voluntárias, ainda que de superior “tonelagem”, contratam colaboradores especializados para aliciar patrocinadores empresariais. Em determinadas circunstâncias observamos a acomodação de autênticos estabelecimentos comerciais para a venda de produtos, bem como para o aperfeiçoamento de intervenções que visam a expugnação de nichos de mercado. Será que este procedimento não pode ser confundido com o dos actores comerciais?
Na realidade, as movimentações do sector voluntário são diversificadas, menos dispendiosas quando comparadas com as públicas, renovadoras, elásticas, compreensíveis e atingíveis. Todavia, e paradoxalmente, essas movimentações também são imponderáveis, inseguras, inconsistentes, imperfeitas, incompletas e, em algumas conjunções, arbitrárias, selectivas e neutralizadoras. Será que o reconhecimento da contextura e da função do sector voluntário não deve incluir uma percepção mais desafogada, abrangente e intrincada acerca do conforto e da tranquilidade social, que envolva a economia, a ética e a política, bem como os direitos humanos e os reptos de cidadania? Será que o sector voluntário não deve ser alvo de vigilância e de fiscalização?
O ângulo futuro da política social capitalista configura-se num sistema que emerge da conexão antagónica entre sociedade, mercado e Estado, porém sem a convicção de que o Estado executará o seu papel de garantia dos direitos sociais. Será que a desordenação destes não contribuiu para a valorização e o respeito do voluntariado pelo ideário neoliberal? Será que contemporaneamente esse ideário não é ainda dominante? Será que tradicionalmente o voluntariado não é interpretado e apreciado como uma manifestação de camaradagem, solidariedade e generosidade? Será que actualmente o voluntariado não atravessa um período de transfiguração, deixando de ser unicamente justificado e motivado por fundamentos de solidariedade e caridade? Será que o mesmo não embrulha um conjunto bastante mais desafogado de actuações e de movimentações?
A fundação de um programa de voluntariado bem arquitectado acaba por robustecer a imagem da organização, constituindo um mecanismo que tonifica os índices de conexão entre as instituições e as comunidades. De salientar que esse programa, e de modo homogéneo, iria estimular o conhecimento mútuo, podendo ser observado e degustado como um instrumento pedagógico que não só interroga e argumenta sobre políticas sociais públicas, como também recomenda renovadas práticas e aplicações sociais ancoradas na imparcialidade, na justiça, no envolvimento e participação “global”, e na inclusão social. Será que na maioria das circunstâncias não são os pequenos gestos que fazem a diferença?
Não existem Governos, em superfície capitalista, que procurem assumir isolados o compromisso de dar resposta às reivindicações e necessidades sociais concebidas pelo próprio sistema.