A “Capeia Arraiana” não é um mero ritual que procura a sua essência no confronto entre o homem e o touro.

Quis o destino e Deus, para quem acredita, que as minhas raízes brotassem na Raia Seca do Concelho do Sabugal ou nas Terras do Demo, como diria Aquilino Ribeiro na sua obra “Terras do Demo”. Realço que o romance “Terras do Demo” transporta-nos ao coração da geografia sentimental de Aquilino Ribeiro.


Só posso concluir que permitir que o Demo moldasse as gentes da Raia, não foi mais do que uma pequena concessão de Deus para nos tornar um povo único. Que não se ensaie qualquer confusão, não se trata de sermos uma raça eleita… nem melhores, nem piores, apenas diferentes. Na verdade, essa diferença, foi testada recentemente nas últimas eleições legislativas.
Suspeito que, neste passo, quem iniciou a leitura desta crónica, julgará, porventura, que me irei debruçar sobre os resultados do PS ou do PSD, de quem ganhou ou perdeu, do número de deputados deste ou daquele “partido”.


Esperem! Nada disso! Vou falar de nós, da nossa dignidade, da nossa identidade porque encheu-me de orgulho a cristalina e uníssona resposta que o Povo do Concelho do Sabugal deu a uma agremiação partidária – o PAN – que decidiu iniciar uma cruzada contra nós, inscrevendo no seu programa partidário, como um dos seus relevantes desígnios, a destruição da “Capeia Arraiana”.


Atrevo-me a dizer que talvez poucos tenham constatado que no universo dos 14 Concelhos que compõem do Distrito da Guarda, a menor expressão daquela “associação” foi, precisamente, no nosso Concelho, praticamente inexpressiva, exactamente 0,89%!


Este desejo confesso do PAN em lapidar a “Capeia Arraiana” do património do Concelho é um passo para a destruição da identidade do Povo da Raia, do nosso modo de viver e de conviver muito próprios. Um retrocesso civilizacional!


O fanatismo e o fundamentalismo do PAN, e de outros que lhe são próximos, em tudo idênticos aos Talibans que arrasaram as milenares estátuas de Buda no Afeganistão visam, em última análise, promover o genocídio cultural da Raia.


A “Capeia Arraiana” não é um mero ritual que procura a sua essência no confronto entre o homem e o touro, pois a sua essência é de tal modo imensurável que até nós, e mesmo estando entranhada nos Raianos, não temos, por vezes, consciência de que é muito mais do que isso!


As terras agrestes e frias da Raia talharam o carácter dos Raianos e projectaram-no na “Capeia”: na “espera ao forcão” condensa-se o medo, enfrenta-se a desgraça, prende-se a respiração, come-se o pó, lava-se o suor do nosso rosto, solidificam-se laços de camaradagem, solda-se a solidariedade, emerge o espírito de entreajuda…torna-nos humildes, mas firmes!


Porque à volta do forcão, todos dependemos de todos, 30 ou 40 rapazes ou homens dos mais diferentes estratos ou condições sociais, mas partilhando todos uma ligação umbilical à “terra” que nos viu nascer ou que trazemos ao peito, nenhum de nós quer saber o que o outro faz, se é agricultor ou engenheiro, doutor ou trolha…, mas tão somente, tão simples quanto isto, que cada um, sendo igual a cada um de nós, se conheça e saiba o que é ter alma ao forcão!


Afinal, o destino de todos está nas mãos de cada um, pois a sorte de todos está refém de um pé cruzado, de um passo errado ou de uma galha levantada, mal medida, face à investida do boi.


Mas se a adversidade nos apertar, também sabemos estar à altura, porque o código de conduta dos Raianos não consente que se abandone o forcão ou que se deixe um dos seus abandonado. É comovente observar que, e apesar de muitos já não terem nascido nas terras e alguns não se conhecerem entre si, os laços de sangue ou qualquer outra coisa transcendental determina que, agrupados numa massa humana única, rapidamente acudam ao “infeliz”. Mas, desenganem-se todos aqueles que julgam que as “Capeias” são apenas isto…