As sentenças judiciais são predicados intrínsecos à profissão do Magistrado e a equanimidade e imparcialidade constituem um liame embrulhado nos princípios judiciais. O Juiz, como qualquer outra pessoa, tem sentimentos, bem como vida pessoal e social. Uma das configurações mais determinantes na sentença é a personalidade do Juiz, sobre a mesma aludem: os vínculos familiares; […]

As sentenças judiciais são predicados intrínsecos à profissão do Magistrado e a equanimidade e imparcialidade constituem um liame embrulhado nos princípios judiciais. O Juiz, como qualquer outra pessoa, tem sentimentos, bem como vida pessoal e social. Uma das configurações mais determinantes na sentença é a personalidade do Juiz, sobre a mesma aludem: os vínculos familiares; a educação; a filiação; os traços intelectuais; o convívio social; o parecer e o conhecimento político; a educação jurídica; os valores; a posição económica e social; o traquejo político e jurídico; e as “fisionomias” temperamentais. Todos nós temos particularidades que nos distinguem enquanto pessoas e cidadãos, sejam elas de chancela física, intelectual, emocional ou psicológica.
As decisões pessoais e sociais estão carregadas de dubiedades, tendo efeito ou impacto na sobrevivência de modo directo ou indirecto. Solicitam, por essa mesma razão, um espaçoso programa e calendário de conhecimentos sobre o mundo externo e interno. Não existem dúvidas que algumas disciplinas, como a filosofia do direito, a sociologia do direito, a história do direito, entre muitas outras ciências, são fundamentais não só para a formação académica e profissional dos Magistrados, como também para as decisões judiciais, uma vez que essas ciências pertencem permanentemente à actualidade jurídica e social.
A magistratura, devido à importância do seu papel na sociedade, carece, no preenchimento de seus quadros, de profissionais de outras áreas sociais, uma vez que o denominado Juiz de Direito não abarca a globalidade dos conhecimentos, bem como a universalidade das sensibilidades e em inúmeras circunstâncias, e para que se faça efectivamente justiça, tem que descer do pedestal e escutar outros saberes e conhecimentos que seguramente acarretam novos olhares e análises importantes, e até determinantes, para a resolução dos conflitos. Será que em Portugal, e no plano académico, não se incentivaram sempre os estudantes à memorização acrítica dos textos doutrinários, legislativos e jurisdicionais? Será que o mero plano das abstracções não constituiu uma espécie de crueldade para os mesmos?
É certamente seguro afirmar que o propósito do raciocínio é a decisão, e o âmago da decisão reside em seleccionar uma opção de resposta, ou seja escolher uma determinada acção não-verbal; um vocábulo; várias palavras; uma frase; um parágrafo; um artigo; um texto; ou uma combinação com algumas ou todas estas “configurações”. Na verdade, os vocábulos raciocinar e decidir estão profundamente interligados, tanto que, em diversas circunstâncias, se confundem. Portanto, as acções de raciocinar e de decidir implicam normalmente que quem decide acabe por ter conhecimento rigoroso da situação ou da disposição que pede uma deliberação.
Contemporaneamente os cidadãos aquartelam a noção de que há, na superfície psíquica do homem, qualidades importantes como a emoção, a criatividade e a intuição. Logo, é seguramente relevante consciencializar os Juízes, nomeadamente os mais novos, para o facto de a emoção ser uma condição bastante “pertinente” para a execução da sua actividade profissional.
O Juiz moderno deve antecipar-se às rasteiras da doutrina inquisitória, exibindo domínio da superfície dogmática, bem como da cultura interdisciplinar. Escoltando a Constituição, necessita interpretar “ajustadamente” os planos acusatórios perfilhados pela mesma, assim como os princípios conformadores, conciliadores e envolventes do Estado Democrático de Direito. Neste entrecho, podemos seguramente afirmar que o Juiz moderno precisa conjugar imparcialidade e competência técnica; autonomia e obediência à lei e à Constituição; e convencimento independente e motivação. Será que não é fundamental que o Juiz compreenda a grandeza e a importância da sua incumbência constitucional?
O sistema penal é antecedido por um esquadrinhamento policial que indica sinais, vestígios, indícios e prenúncios sobre a presença e a autoria da infracção penal. Com assentamento nesse conjunto de informações e comunicações, a denúncia acaba por relatar o acontecimento, circunscrevendo-se no tempo e no espaço, apresentando os elementos analíticos do crime e indicando o presumível autor. Posteriormente assinala as provas que serão concebidas para escorar a “ambição” ou pretensão punitiva. Quando nos deparamos com uma incriminação cirúrgica, bem delineada e rigorosa acaba por ser exequível ter expectativa em relação a determinada prova ou testemunho. Na realidade, não é complicado laborar com a verosimilhança nos processos, uma vez que as informações arrecadadas autorizam a qualificação da prova pelo “efeito” potencial. Será que os Juízes não devem reconhecer a própria limitação humana? Será que os mesmos não se devem comprometer com a tutela dos direitos fundamentais? Será que os Juízes não devem abandonar o preceito da verdade absoluta?
O homem chega à pós-modernidade com uma série de dúvidas, uma tela pigmentada de insegurança e um conjunto de cepticismos em relação à razão e ao Estado. Não é mais do que um período de indeterminações, desconfianças, incertezas, indeliberações e incredulidades. Infelizmente o hiato entre abastados e indigentes cresceu consideravelmente; desabrocham constantemente as desigualdades; e está quase numa crise existencial a “envergadura” jurídica tradicional. Será que o direito não constitui um baluarte social tanto no que diz respeito à sua origem, como também à sua essência e objectivo? Será que não há uma textura de descrenças em relação ao poder absoluto da razão? Será que não existe um itinerário de ausência de notoriedade ou até mesmo de desprestígio em relação ao Estado?
A criação do direito constitui uma disciplina que acaba por estar mergulhada na vida de uma determinada sociedade. Na verdade, nasce no âmago desta e à mesma regressa quando despontam os antagonismos, os conflitos e as altercações, metamorfoseando-se essa sociedade no cenário mais justificado e legítimo quando os agentes sociais se agitam e esgrimem. Será que a exactidão jurídica é inseparável da sociedade? Será que não é na “sinuosidade” da sociedade que se accionam e organizam as correspondências sociais? Com que olhar é que a sociedade actual recebe a crise que é transversal ao arquétipo normativo do direito moderno? Será que a crise que indumenta o “esboço” jurídico-tradicional não está completamente em sincronia com o depauperamento e as transformações que perfuram os paradigmas vigorantes nas ciências humanas? Será que a crise na circunferência do Direito não está conectada à antinomia do protótipo teórico-prático e liberal-individualista que já não tem capacidade para dar respostas e soluções aos novos dilemas e problemas emergentes? Será que esta conjuntura não vai favorecer configurações discriminadas que ainda necessitam de um quadro de conhecimentos apropriado? Será que este encadeamento não obriga a abrir caminho a um espaço de contestação e de discussão sobre a crise dos próprios modelos jurídicos?
Apesar de os progressos tecnológicos e científicos constituírem um facto relevante e indesmentível, a realidade mostra que as sociedades estão inventariadas ao fenómeno da globalização, que desmantela as fronteiras dos Países e se enraíza por conexões desequilibradas entre Países desenvolvidos e Países em desenvolvimento. Analogamente, os cidadãos podem questionar se o Estado consegue ser um integral agente de crescimento e um verdadeiro incitador da equidade social. Será que em alguns contextos, o direito não se transforma em prisioneiro da própria economia? Será que não é capital que o modelo jurídico acompanhe a realidade social e, simultaneamente, apresente condições que assinalem orientações à própria laboração científica?
Tendo em linha de conta a fisionomia de “demência” socioeconómica de algumas sociedades com os seus desacordos, conflitos e paradoxos, é pertinente afirmar que o caminhar deve abandonar os pontos imersos em conservadorismo, para chegar ao espaço que se confedera a todos aqueles que desenvolvem e fortalecem uma reflexão contestatória e de negação em relação a esse conhecimento jurídico-tradicional. Será que o Estado pós-social não enfrenta o repto da edificação de um sistema, no qual desfile o pluralismo jurídico? Será que não existe a necessidade de interpretar o direito como prática e experiência social que se identifica com um formato de vida conectado a um “argumento” histórico, bem como a uma comunidade interpretativa e esclarecedora? Será que o cientista social fica imóvel diante do fenómeno jurídico? Será que o mesmo apenas desenvolve a simples função de observador na narração de uma realidade que é profundamente dinâmica? Será que o conhecimento não está em constante movimento? Será que admitir volumosas doses de neutralidade não é impugnar a dialéctica ou a lógica existente na sociedade? Será que o direito não desponta da dialéctica social e não tem adjacente um processo histórico? Será que esse processo histórico de construção, em determinadas circunstâncias, não é altamente antinómico, ou seja com alguns avanços e retrocessos?
A composição de um moderno padrão para a ciência do direito não dispensa uma vigorosa “reestruturação” que contemple o pluralismo jurídico; decline a máxima de que somente o direito positivo é direito; se afaste da inflexibilidade da legitimidade dogmática; e se distancie da severidade do formalismo.
O Juiz Social é aquele que não tem insuficiência de consciência social, sendo conhecedor dos seus compromissos sociais, assim como defensor de que a lei deve existir para servir o homem e nunca o homem servir a lei. Será que é fácil retirar um filho aos pais? Será que não existem percursos de vida excessivamente e dolorosamente dramáticos? Será que por vezes o ónus de julgar não é desconfortável? Será que contemporaneamente o tribunal é um sistema altamente fechado e penalizador? Será que os Juízes não devem agasalhar uma enorme inquietação com a perspectiva humana e social? Será que a justiça nunca funciona? Será que não é preciso ter um vigoroso sustentáculo psicológico para administrar e orientar as emoções? Será que em determinadas ocasiões é fácil manter o distanciamento e a objectividade? Será que não há casos que mexem mais com os nossos sentimentos do que outros? Será que não é fundamental comprometer e embrulhar a comunidade nos problemas das suas crianças e dos seus jovens? Será que transportar para dentro da decisão outros saberes não é essencial, uma vez que os problemas envolvem o direito e a própria vivência social? Será que o Juiz Social não deve ser um indivíduo com peculiar sensibilidade para os problemas e dilemas dos menores?
Através da institucionalização dos Juízes Sociais procura-se essencialmente encaminhar a opinião pública até aos tribunais e conduzir os tribunais até à opinião pública, actuando, deste modo, contra o automatismo dos Juízes e a favor do respeito pelos valores sociais dominantes. Este diagrama acaba por estimular os cidadãos à formação de apreciações íntegras em relação à administração da justiça e ao fortalecimento do seu sentimento de pertença para com a legalidade. Será que a lei é sempre clara? Será que a mesma não merece o nosso esforço no sentido de a aclarar?
Entre os conteúdos mais pertinentes, podemos destacar o abuso sexual das crianças e outros maus-tratos, perpetrados, principalmente, pelos adultos incumbidos de cuidar das crianças. Analisam-se os resultados traumáticos que acabam por desaguar na personalidade das vítimas; as “razões” culturais e educacionais deste tipo de crimes; o estado de espírito das vítimas; as práticas ou perícias médico-legais; e os meios de prova. Estes esclarecimentos são determinantes para evolucionar o sistema judicial; direccionar a sociedade no sentido do esguardo e do respeito pela liberdade; edificar o direito como uma ferramenta de auxílio e salvaguarda para os mais fracos; orientar e elucidar os cidadãos para a importância da integridade das crianças; sensibilizar e aperfeiçoar os juristas; e formar os cidadãos que participam activamente e sem preconceitos na gestão da justiça. Será que os sentimentos de fraternidade, os conhecimentos de outras ciências e o próprio coração não podem arrogar protagonismo no emprego da justiça a crianças e jovens? Será que o desenvolvimento adequado, bem como a tranquilidade da criança e do jovem não devem constituir preocupações elementares das sociedades modernas? Será que as sociedades contemporâneas, mesmo com a coadjuvação de algumas directrizes e supervisão de instituições internacionais, têm sempre efectuado legalmente e correctamente a defesa e a protecção dos direitos fundamentais das crianças e dos jovens? Será que neste “embrulho” não existem imensos paradoxos? Será que não assistimos a uma pardacenta incapacidade e inabilidade em garantir os direitos das crianças? Será que alguma vez se tentou verdadeiramente edificar um plano universal de partilha de valores articulado à infância?