Nem tudo o que cintila é ouro, mas tudo aquilo que reluz acaba por fascinar e encantar.

Existem objectos, pelo facto da sua aparência se desagrupar, que empolgam o olhar e “emocionam” os sentidos. Quais serão os contextos que estão por detrás deste encadeamento de simpatia, inclinação e poder, do qual despontou o luxo? Será a sobrevivência? Será alguma indispensabilidade primária e imediata? Será o desejo pelo poder, com sustentáculo na ostentação e exposição?
Há metais que agasalham elevados índices de resistência, maleabilidade, luminosidade e pigmentação. Tudo aquilo que suplanta o rotineiro comunica características dissemelhantes e peculiares, fazendo conjecturar propriedades e faculdades distintas. Parece existir o exibicionismo de uma tela que sugere algo excepcional e inatingível. Será que desta forma se diferencia o corriqueiro do invulgar? Será que em diversas ocasiões os materiais caros e magnéticos não estão conectados a tudo aquilo que representa a futilidade?
A correspondência entre os elementos e ambientes de representação, bem como o conceito de luxo acabam por ser determinados por grupos qualificados e circunscritos, em clara concordância com os preceituários culturais de um determinado período ou lugar. O luxo aconchega uma colossal importância comercial não só para as marcas, como também para os produtos.
Apesar das complexidades que atravessamos, parece existir um alargamento da mobilidade social que considera a eventualidade dos ricos se metamorfosearem em pobres, assim como a possibilidade contrária, na qual alguns pobres podem enriquecer e sublevar socialmente. A diferenciação social é assinalada pela capacidade de consumir e ser consumido. Neste argumento, podemos referir que o descomedimento de consumo é rubricado pela hipérbole quantitativa ou qualitativa. As marcas são estruturadas tendo em conta os estilos e requintes de consumo. Será que as marcas e os produtos não são encaminhados para consumidores de um mesmo estilo em diferentes categorias económicas? Será que o consumidor não adopta dissemelhantes estilos nos díspares “departamentos” de consumo?
Os centros comerciais oferecem alguma variedade de produtos de luxo. Todavia, os mesmos não constituem superfícies destinadas ao consumo do luxo, pois esses espaços subvertem a disposição simbólica do luxo, ou seja demolem a dimensão da distinção, exclusividade, inacessibilidade e poder.
Inúmeros produtos não fazem publicidade nos meios de comunicação, porém a maior parte dos cidadãos identificam alguns desses produtos como artigos de luxo, sendo as suas falsificações disseminadas pelos consumidores em diversos locais.
Existe um público, constituído por nomes já legitimados, em que o status simbólico se assemelha às marcas e produtos de luxo. Logo, a vedeta e a jóia manifestam e solidificam o mesmo status. Será que no caso específico das celebridades, consumir produtos de luxo não é uma consequência directa das cláusulas sociais e culturais que as mesmas aconchegam?
Há um outro público que pretende ostentar marcas de luxo para falsear uma determinada condição social que eventualmente foi perdida, desaproveitada ou é quimericamente desejada. Esse público procura adquirir produtos luxuosos por preços mais reduzidos, desenvolvendo automatismos ilógicos e patenteando modelos de consumo que não vão ao encontro da sua conjuntura financeira.
Em incontáveis conjunções, o luxo representa o desembolso, exibição e poder sobre o dinheiro. A especulação financeira e o capital “versátil” convergem para o consumo de produtos de luxo. Será que as crises financeiras contribuem para que o dinheiro seja mais reverenciado? Será que as mesmas reprimem o consumo do luxo? Será que as crises promovem o alargamento da oferta e a descida dos preços dos produtos de luxo? Será que os produtos de luxo obedecem a alguma hierarquia?
Para mim somente existem dois tipos de luxo: o inacessível que se distingue pela qualidade, exclusividade, raridade e procedimentos de fabrico artesanais; e o luxo intermédio que é constituído por produtos de admirável qualidade, porém menos exclusivos e confeccionados sob o ângulo da mecanização. No luxo inacessível, a comunicação é extraordinariamente fechada, virada unicamente para as elites, procurando conservar a notabilidade da marca e tentando ininterruptamente que a mesma desfile entre as mais respeitadas e influentes. Neste tipo de luxo raramente entra a publicidade. Será que o luxo acessível pode ser considerado luxo?
O preço de mercado de um determinado produto acaba por constituir uma condição fundamental para o seu ingresso no mercado do luxo. Na verdade é uma configuração de fragmentação de mercado, uma vez que os preços elevados limitam o consumo de produtos de luxo aos grupos menos favorecidos. Neste contexto, o preço espelha não só os valores racionais coligados à marca e ao produto, como também os elementos irracionais.
O preço de um produto de luxo é proporcional à raridade dos materiais aplicados na sua fabricação; à experiência e formação dos técnicos que o fabricam; ao escalão de competência exigida na sua confecção; à dificuldade de preparação do produto; ao tempo consumido no seu fabrico; aos custos adjacentes à distribuição e comunicação; à sua exclusividade; ao requinte das lojas onde vai ser exposto; e à reputação da própria marca.
Podemos dividir o mercado de luxo em três classes: a classe predominante, que procura de modo incessante diferenciar-se das outras classes sociais; a classe dirigente, que perfilha o consumismo, devido à sua facilidade aquisitiva, e procura no luxo o mesmo status da classe predominante; e a classe prospectiva, constituída por cidadãos pertencentes à classe média que escoltam os movimentos e inclinações prescritas pelo luxo, procurando plagiar as classes de maior caudal financeiro. Será que a formosura do luxo não fascina todas as classes sociais? Será que o homem conhece todas as suas necessidades? Será que os sonhos colectivos não terminaram?
Antigamente o luxo era excessivamente restrito, hospedando limites cristalinos e inultrapassáveis entre as camadas sociais. Actualmente os jovens conhecem os produtos de luxo, uma vez que alguns deles já os adquiriram e a maior parte, sem nunca os ter comprado, já os viu na televisão, cinema, jornal ou revista. Numa época em que infelizmente existem poucos sonhos, o luxo consegue inserir uma textura de sonho nos cidadãos e no próprio consumo. Deste modo, todos os cidadãos passam, já que mais não seja, a ter acesso ao sonho. Será que o poder de compra não envolve também a possibilidade de sonhar? Será que o luxo não está conexo a uma utopia? Será que existe algum obstáculo para o luxo? Será que existem sociedades sem luxo? Será que o luxo tem uma história periódica? Será que a leitura e interpretação moral do luxo estão correctas? Será que o luxo não aconchega demasiados desperdícios? Será que sem o luxo existiriam castelos, palácios, praças, monumentos e catedrais? Será que devemos defender o luxo partilhável? Será que o luxo privado não tem legitimidade?
O negócio do luxo privilegia a sua localização no comércio de rua. Em Lisboa e no Porto, a localização das principais marcas de luxo mantém esta propensão. Em contramão com a grande maioria dos sectores de mercado, estas áreas de comércio de rua estão cada vez mais magnéticas e concorridas. O consumo de produtos de luxo nunca é muito prejudicado, pois a capacidade financeira do comprador destes produtos nunca é tão afectada como a daqueles que possuem um rendimento médio mais franzino e irregular.
É certamente importante referir que o luxo contemporâneo também está associado ao capital cultural. Este deve ser suficiente para decodificar as supostamente exíguas, mas capitais, diferenças.
A responsabilidade social, o respeito pelo meio-ambiente e o conforto social constituem condições que também passaram a estar envolvidas no “programa” das “raridades”. Será que presentemente a responsabilidade social não é uma fragrância elegante? Será que a fractura dos preconceitos habituais não constitui um dos “comportamentos” mais apreciados no fabrico do luxo moderno? Será que o luxo novo rejeita, na sua totalidade, o luxo antigo?
O consumo vai conquistando cada vez mais funções e ocupações subjectivas, configurações que procuram que o consumidor encontre um valor individual e singular no momento do consumo e edifique uma correspondência familiar com a marca. Será que actualmente o valor das marcas não está ligado às insígnias e ideais que as mesmas aquartelam? Será que o novo luxo não começa a estar virado para a intimidade de cada um? Será que o mercado do luxo não desfruta dos seus abrigos específicos?
A diferenciação entre consumidor e cidadão tem sustentado compridas e maçudas altercações. A identidade social, cultural e política dos indivíduos passa cada vez mais pelo modo de como os mesmos erguem os seus estilos de vida. Será que as práticas de consumo não constituem um elemento fundamental dessa mesma identidade? Será que o acto de consumo pode ser contemplado e saboreado como um simples acto de venda? Será que o consumidor contemporâneo não está cada vez mais ciente e apreensivo em relação aos verdadeiros temas e dilemas da sociedade? Será que a mera ostentação de produtos luxuosos consegue credibilizar os cidadãos?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.