A proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) entregue dia 13-4-2022 ao Parlamento, apresenta algumas (poucas) novidades provocadas pelas tensões geopolíticas decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia e do aumento da inflação muito por via do preço dos combustíveis e de diversos bens primários. Isto face à proposta de OE22 chumbada pela AR em outubro de 2021 e que desencadeou o processo eleitoral. Mas vale sempre a pena meditar nas alterações e saber com que linhas nos cosemos.

De acordo com o Ministro das Finanças a proposta de OGE22 contém 6 grandes prioridades: prosseguir a consolidação orçamental, mitigar o choque geopolítico (1.800 milhões de euros), reforçar os rendimentos das famílias (475 milhões), apoiar a recuperação das empresas (2.615 milhões), investir na transição climática e digital (1.159 milhões) e recuperar os serviços públicos (1.600 milhões). A economia portuguesa tem estado e deverá continuar o seu processo de recuperação este ano, mas a dúvida provocada pela guerra na Ucrânia levou o Governo a rever em baixa o crescimento, o que também já foi corroborado por algumas instituições internacionais (FMI).

O cenário macroeconómico, prevê, para este ano, uma expansão de 4,9% do PIB e o cenário para o mercado de trabalho uma taxa de desemprego de 6%. Para combater o impacto da inflação na economia e proteger o poder de compra das famílias e as condições de produção das empresas, estão previstas algumas medidas extraordinárias, como a redução do ISP equivalente a uma redução da taxa de IVA de 23% para 13%, entre outras.


Mas vejamos algumas das principais medidas do OE2022, começando pelas medidas de apoio aos jovens: no ensino superior, o valor das bolsas dos mestrados vai aumentar até ao triplo; o alívio fiscal para os jovens em início de carreira vai ser alargado para cinco anos (vai passar a incluir os rendimentos de trabalho independente); o programa Regressar vai ser prolongado, permitindo aos que regressam até 2023, designadamente os jovens da geração mais qualificada de sempre, beneficiar de uma exclusão de IRS de 50% no IRS para rendimentos de trabalho dependente e independente durante cinco anos; vão ser introduzidas melhorias no programa Porta 65 – Arrendamento Jovem, designadamente para assegurar a sua harmonização com o Programa de Arrendamento Acessível; vai ser concretizada a Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho, visando promover um emprego sustentável com mais direitos e combater a desregulação e a precariedade, em particular entre os mais jovens.


Ao nível da revisão dos escalões de rendimento do IRS passam de 7 para 9 em 2022 com a criação de dois novos escalões que englobam rendimentos entre os 10.736 e os 15.216 euros, sobre os quais incide a taxa de 26,5%, e outro para rendimentos entre os 15.216 euros e os 19.696 euros, taxados a 28,5%. Aumento do limite mínimo de isenção do IRS no valor de 200 euros, elevando para 9.415 euros o patamar de rendimento até ao qual os contribuintes não pagam IRS em 2022. As empresas vão deixar de ter de fazer o Pagamento Especial por Conta (PEC) do IRC. Englobamento das mais-valias mobiliárias (ações, obrigações, etc.) obtidas com a venda de títulos detidos há menos de um ano; abrange apenas as pessoas cujo rendimento coletável (incluindo o saldo das mais-valias) seja igual ou superior a 75.009 euros.


Aumento extra das pensões até 1.108 euros por mês cujos titulares vão ter este ano um aumento extraordinário de até 10 euros com retroativos a janeiro (abrange cerca de 1,9 milhões de pensionistas e terá um custo de 197 milhões de euros). Os encargos com a ação social (2.241,9 milhões euros) representam um aumento de 9,7% face 2021, “garantindo assim a continuidade do reforço no alargamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e o reforço da despesa associada a acordos de cooperação com o terceiro setor”. O OE’22 contempla 58,4 milhões de euros oriundos do PRR, para fazer face a diversos problemas sociais. Também está prevista a atribuição de um apoio de 60 euros por família vulnerável, para compensar o aumento de preço do cabaz alimentar. Além disso, são ainda atribuídos 10 euros por botija de gás; estes apoios abrangem agregados beneficiários da tarifa social energética com prestações sociais mínimas. O apoio aos cuidadores informais vai ser alargado a todo o País (montante de 30 milhões de euros) com acompanhamento efetivo por parte de profissionais da Segurança Social e da Saúde, o seu alargamento a outras medidas como o acesso à tarifa social da energia elétrica e do gás natural, e equiparação dos cuidadores informais que auferem subsídio de apoio aos restantes beneficiários de prestações de solidariedade e garantia de prioridade no atendimento nos serviços públicos. Serão ainda mobilizados fundos europeus para apoio aos refugiados ucranianos, designadamente custos de alojamento.


A gratuitidade das creches com acordo de cooperação com a Segurança Social, vai ser implementada progressivamente nos próximos três anos, e terá um custo de 16 milhões de euros em 2022. Neste ano, serão abrangidas apenas as crianças até um ano de idade, no seguinte, até aos dois anos, e em 2024/25 todas as crianças até aos três anos. Será criada pelo Governo uma nova prestação para garantir que todas as crianças e jovens com menos de 18 anos em situação de pobreza extrema recebam 1.200 euros por ano (ou 100 euros por mês), um complemento ao abono de família. A sua implementação será faseada em dois anos, sendo que em 2022, o valor garantido será de 70 euros por mês (840 euros/ano) e em 2023 de 100 euros (1.200 euros/ano). Estas medidas vão abranger 500 mil crianças (impacto global de 140 milhões de euros em 2023). A medida tem uma disposição transitória que prevê que o complemento seja pago pela primeira vez no primeiro trimestre de 2023.


O Serviço Nacional de Saúde (SNS) será reforçado em 700 milhões de euros de forma a permitir a recuperação rápida da atividade assistencial, através da contratação de mais profissionais de saúde e da garantia de autonomia dos serviços de saúde para contratarem os profissionais em falta para o SNS (despesa total consolidada de 13.578,1 milhões de euros, ou seja mais 5,6% do foi executado em 2021, e uma despesa efetiva consolidada de 13.529,4 milhões de euros). Ao mesmo tempo o SNS vai passar a ser dirigido por uma direção executiva, que dirigirá “o SNS a nível central, coordenando a resposta assistencial das suas unidades de saúde, assegurando o seu funcionamento em rede e monitorizando o seu desempenho e resposta”.


O orçamento para o ensino básico e secundário e a administração escolar é previsto crescer 8,5% em relação a 2021 para um total de 7.805,7 milhões de euros e a despesa total consolidada para ciência, tecnologia e ensino superior um aumento de 21,2%, para 3.124,8 milhões de euros. Contempla diversas medidas para responder ao problema da falta de professores nas escolas como a alteração do regime de recrutamento, um novo modelo de formação de professores, em articulação com o ensino superior, e a criação de incentivos à carreira docente e à fixação de professores em zonas de maior carência. Agora sem o desporto e juventude, o orçamento para a Educação conta com uma verba total de 7691,2 milhões de euros do qual as escolas vão receber 85.4%, ou seja, 6.960,2 milhões. O Governo pretende a “rápida integração” dos alunos ucranianos beneficiários de proteção temporária no ensino superior, que os universitários que frequentavam o ensino superior ucraniano no início da invasão russa possam entrar nas instituições portuguesas “através de vias de ingresso apropriadas” e a atribuição “dos apoios sociais adequados”. No âmbito da Cultura o Programa Orçamental prevê uma dotação de despesa total consolidada de 619,4 milhões de euros, incluindo a despesa da RTP; vai também começar a aplicar-se o Estatuto Profissional do Artista, aumentando a proteção laboral e social desta classe profissional, até aqui caracterizada por uma elevada precariedade e informalidade.


O Governo diz que este é “um orçamento que valoriza os trabalhadores” destacando: o subsídio de desemprego vai ter um valor mínimo de 1,15 IAS (509,68 €) para quem tinha um trabalho a tempo inteiro, continuando a ser majorado no caso de famílias monoparentais ou em que ambos os membros do casal se encontrem desempregados; a massa salarial na Administração Pública vai subir cerca de 3,6% em 2022, em resultado de progressões, promoções, atualizações e novas contratações; os trabalhadores da Administração Pública terão um aumento geral de 0,9% (nada que convença os funcionários públicos – até os pensionistas do Estado – que vão perder cerca de 3% de poder de compra este ano com a inflação prevista e otimista de 4%); o governo garante que o regime de acesso à função pública vai ser simplificado e os procedimentos de seleção e recrutamento agilizados.


O orçamento prevê para a Justiça mais de 1,6 mil milhões de euros para fazer face a reformas e investimentos a concretizar em 2022 assim como “a disponibilização do sistema de informação de monitorização da Estratégia Nacional Anticorrupção” e “a promoção da interoperabilidade eletrónica dos Tribunais Administrativos e Fiscais com a Autoridade Tributária com vista ao acesso desmaterializado ao processo eletrónico enquanto órgão de execução fiscal”. A introdução das novas plataformas informáticas Magistratus e MP Codex nos tribunais de primeira instância é um dos investimentos com conclusão prevista para 2022. Do ponto de vista do investimento no setor da Justiça, a proposta de OE2022 prevê uma verba de “87,6 milhões de euros, dos quais 38,6 milhões de euros dizem respeito ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), destinados essencialmente ao financiamento de obras e/ou construção em edifícios do Ministério da Justiça (tribunais, estabelecimentos prisionais, instalações da Polícia Judiciária, entre outros), e 30,3 milhões de euros dizem respeito às verbas orçamentadas no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”.


O investimento público cresce 30% face a 2021, atingindo 3,2% do PIB. O aumento do investimento inclui, “além do impulso que provém do PRR” uma trajetória “consistente com o grau de maturidade de investimentos estruturantes planeados antes da pandemia, estimados em 1.997 milhões de euros em 2022”. A estes investimentos estruturantes junta-se o PRR, cujo “investimento público da Administração Central associado aos projetos do PRR representa cerca de 1.026 milhões de euros”. Os montante de subvenções PRR para investimento público previstos são: 171 milhões Habitação e Infraestruturas; 234 milhões SNS; 104 milhões Transição Climática; 354 milhões Transição Digital, e 98 milhões para Qualificações e Competências.


O OE2022 prevê 2.615 milhões de euros em apoios à recuperação de empresas e 1.150 milhões de euros na transição climática e digital. No que respeita ao Fundo de Capital e Resiliência, está prevista a recapitalização de empresas afetadas pela pandemia de Covid-19, no montante de 1.300 milhões de euros. A capitalização do Banco Português de Fomento (BPF) para apoiar as empresas é de 250 milhões de euros e os incentivos e subsídios no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) disponíveis para inovação, digitalização, qualificação e descarbonização, atingem os 900 milhões de euros. No âmbito do alívio fiscal para as empresas, prevê se um incentivo fiscal à recuperação (dedução à coleta de IRC até 25% do investimento), no montante de 150 milhões de euros, o fim do PEC – Pagamento Especial por Conta, e o desagravamento das tributações autónomas de IRC, de 15 milhões de euros.


O Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), que permitiu a redução do preço dos passes sociais nos transportes públicos, tem um financiamento base em 2022 de 138,6 milhões de euros (ME), menos 60 milhões do que este ano. Por sua vez o Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte (PROTransP) vai contar este ano com um orçamento de 15,5 milhões de euros, um aumento de 500 mil euros em relação ao OE2021. O Governo pretende investir 473 milhões de euros no Ferrovia 2020 e 51 milhões em estradas este ano. O investimento na expansão nas redes de metropolitano “nos próximos anos” ascenderá a cerca de 7 mil milhões de euros, dos quais 317 milhões em 2022. O Governo vai alterar as leis que regem a atividade dos táxis e do transporte em veículos TVDE. No âmbito do plano de reestruturação da TAP aprovado pela Comissão Europeia, está previsto um apoio financeiro, de até 990 milhões de euros.


A proposta de OE para 2022 vai ser debatida na generalidade na Assembleia da República nos próximos dias 28 e 29 de abril, estando a votação final global marcada para 27 de maio. Mesmo assim consideramos ser importante conhecê-la desde já uma vez que a maioria absoluta de que o governo dispõe na AR garante que não deve haver grandes alterações ao que acabamos de escrever.