Tornou-se vulgar falar sobre quase todos os assuntos de forma politicamente correcta. O politicamente correcto rotula e censura comportamentos, procedimentos e indivíduos, bem como posições individuais relativamente à vida, à sociedade e à política. Se esses contextos não se aclimatarem ao denominado politicamente correcto são degustados como sendo perversos e execráveis. Infelizmente o senso crítico não é de modo nenhum promovido ou aconselhável. Até onde pode chegar o politicamente correcto? Será que o politicamente correcto não é altamente perigoso, sinuoso e artificioso? Será que os embaixadores, usuários e impulsionadores do politicamente correcto não podem ser contemplados como uma praga horrenda?
O politicamente correcto agasalha a pretensão de se elevar a pensamento único, constituindo uma espécie de nova ideologia despótica. Na realidade, o politicamente correcto não tem quartel, partido político ou dirigente, procurando a colonização cultural, bem como determinando silêncio e condutas reguladas que apenas nos permitem dizer o mesmo. Será que o politicamente correcto não desfila amiudadamente no âmago do debate público? Será que o mesmo não deve ser objecto de altercações veementes entre dissemelhantes conspecções da vida política?
O desconhecimento é comum na modernidade, pois ninguém lê, interpreta ou ambiciona aprender. Infelizmente é suficiente, para muitos indivíduos, a recolha de informações no monitor do computador ou no ecrã da televisão. Talvez o senso crítico somente se aprenda e se dissemine, lendo e compreendendo os filósofos clássicos como sejam: Sócrates; Platão; Rousseau; e Aristóteles. Os princípios da Lógica, com o fundamento de que tudo é momentâneo, também nada interessam. Triste sina! Será que os limites da minha linguagem não constituem os limites do meu Universo? Será que o politicamente correcto não se metamorfoseou num género de ostentação da prostração? Será que a experiência não é o nome que outorgamos aos nossos desacertos? Será que devemos resistir sempre à tentação?
Sabemos que a democracia aquartela algumas imperfeições graves, contudo, e na linha de Winston Churchill, não existe outro regime político que seja “superior” à mesma. Um regime político e social está fundamentado em colunas constitucionais que garantem aos cidadãos um conjunto de direitos, de liberdades e de garantias que nunca deve ser colocados em causa por qualquer cidadão, entidade pública ou privada, e ideologia. Será que a percepção do politicamente correcto não está baseada em premissas jamais verificadas? Será que este pardacento fenómeno não embrulha alguns mecanismos de policiamento da linguagem? Será que o policiamento da linguagem não promove o policiamento do pensamento e da criatividade?
Criticar o politicamente correcto nunca pode ser interpretado como a defesa do direito de alguns opugnarem ou atacarem grupos marginalizados. A desarmonizada civilidade e cortesia que a sociedade alcançou acaba por impossibilitar o pensamento livre, irreverente e sarcástico. Será que esta conjuntura não amputa a naturalidade que alicerça e recria os sentidos? Será que não vivemos debaixo da intransigente censura do politicamente correcto? Será que o politicamente correcto se baliza às questões da linguagem e do pensamento? Será que a congruência não é a virtude dos idiotas e dos obtusos?
A maldição do politicamente correcto precisa seguramente de ser pelejada, uma vez que a mesma procura demolir uma das configurações mais importantes do ser humano, o pensamento individual. Infelizmente nem todos os indivíduos têm coragem e valentia para usar esse tipo de pensamento, todavia aqueles que o usam conseguem fazer toda a diferença na sociedade. A coragem destapa um dos contextos mais umbrosos do homem, ou seja aquele que apresenta o homem como o animal mais amedrontado e acobardado do mundo. Os homens jamais são iguais, e os mais destemidos levaram a humanidade constantemente ao colo. Na realidade, os sujeitos falhados, desafortunadamente a maioria, invejam e desejam a independência do indivíduo “autêntico” pelo facto de a mesma lhes parecer magnífica e sublime. Será que existe algo mais assustador para um cobarde do que a liberdade de pensamento? Será que os “politicamente correctos” não assassinam a liberdade criativa? Será que ser livre, sem pertencer a “bandos”, não constitui uma condição estupenda?
O politicamente saudável, com algumas doses de irreverência, de informalidade e de benigno humor, venera a inteligência, a interpretação, a contestação e a criatividade. Há inúmeros cenários ou contextos que não são minimamente ofensivos, todavia obrigam-nos a raciocinar. Será que opinar não se metamorfoseou num insulto? Será que na nossa sociedade não desfilam imensas e cendradas “virgens ofendidas”? Será que os politicamente correctos não destroem os encadeamentos sociais? Será que os mesmos não são uns verdadeiros hipócritas? Será que o politicamente correcto não acaba por ser um estratagema de controlo do pensamento através da contenção da linguagem?
Contemporaneamente a maior parte dos indivíduos luta pela liberdade de expressão dos outros desde que as mesmas profiram aquilo que elas gostam de escutar, ou seja aquilo que vai ao encontro dos seus interesses e pensamentos. Será que não é importante outorgar a possibilidade de falar a um ignorante para depois percebermos quem é e por onde “desfila”? Será que um pateta com a boca cerrada não aparenta ser uma “pessoa”? Será que não há muitíssimo poucos assuntos que não podem ser ditos ou expostos? Será que os politicamente correctos não são uma perigosa violação à liberdade de expressão?
A palavra tem o poder de nos tornar poderosos, protegidos ou vulneráveis, sendo manancial de certeza, de contentamento, de dubiedade ou de sofrimento. Aplicar as palavras é comerciar os sinais da nossa própria existência. A filosofia há muito tempo que nos confirmou que a palavra traça e modela o Universo. Será que a nossa conexão com a realidade não é permanentemente “mediada” pelas palavras? Será que as relações de poder não passam, mais tarde ou mais cedo, pela palavra?
O politicamente correcto pode ser degustado como uma forma de restringir a controvérsia, bem como a livre propagação de ideias. O politicamente correcto, ao impedir a livre circulação de ideias e o desprendido debate, faz com que as políticas públicas passem a ser orientadas para rectificar problemas que não são forçosamente os mais relevantes e pertinentes para as comunidades. No fundo, desaproveitam-se recursos públicos em políticas e superfícies manifestamente desnecessárias. Os politicamente correctos, pelo facto de eventualmente alguém ficar ofendido, têm receio de opinar sobre aquilo que efectivamente pensam. Querem estar a bem com “Deus” e com o “Diabo”. Será que os politicamente correctos não praticam terrorismo intelectual?
A palavra tem o poder de nos tornar poderosos, protegidos ou vulneráveis, sendo manancial de certeza, de contentamento, de dubiedade ou de sofrimento.