Ao longo dos tempos os cartoons têm influenciado a forma de cogitar e de compreender a vida social, cultural, económica e política no nosso país. O afastamento que os portugueses evidenciam, no que se refere à leitura, contribui significativamente para que a ilustração assuma um papel de extraordinária relevância. Portanto, o desenho, com grandes doses de criatividade, imaginação e originalidade, constitui um molde acessível, democrático e instantâneo de propagação das mensagens sociais.
Na hodiernidade, em que o homem é simultaneamente observador e actor, o riso pode “espessar” o sentimento de impotência da comunidade, perante os diversos e contínuos enigmas sociais. A partir desta ideia talvez possamos asseverar que cada sociedade, nas suas dissemelhantes épocas, erige as suas próprias feições de riso. É precisamente por agarrarem o imediatismo da reminiscência colectiva, que os cartoons, para a História, podem ser considerados como verdadeiros mananciais de indagação. Logo, os cartoons aquartelam uma extensão temporal que estrutura horizontes e, concomitantemente, avizinha a memória da diegese histórica, facultando, desta forma, a configuração de uma explanação do quotidiano.
O ilusionismo social, a ganância pelo poder e a vaidade da ciência “contemplam” os cartoons como uma espécie de inimigo. O humor, fundamentalmente em conjunturas de crise e de descontentamento, pode, e deve ser apreciado como um indispensável “estilo” estético e interpretativo. Logo, os cartoons mais não são do que arquétipos de produção, de contextualização, de transformação de reinterpretação e de significação, que desfrutam de recursos estéticos, sedutores e imagéticos para intervir no entendimento dos acontecimentos sociais. Será que o cartoon não transpõe os traços que o definem?
Os cartoons agasalham uma “cultura de imagem” e uma prédica transparente que outorgam sentido à humanidade, acondicionando, simultaneamente, diferentes visões e meditações sobre a contemporaneidade. Será que os cartoons, através do “espargimento” de alguns pensamentos, não possuem a capacidade de “agitar” clichés e a habilidade para amedrontar certas instituições?
Os desenhos satíricos, apesar dos obstáculos iniciais criados pela lógica comercial, foram conquistando o seu espaço na maioria dos jornais de referência nacionais. Num jornal, para decifrar um desenho “espirituoso”, o leitor necessita de conhecer alguns “instrumentos” como são: a leitura de imagens; a percepção da afinidade entre os textos verbais e os não verbais; um conjunto de referências sociais, políticas e históricas; a contextualização; e a argumentação. A socialização das opiniões e a comparação dos divergentes pontos de vista sobre as mais diversificadas questões colaborarão, de modo significativo, para a edificação e para a consubstanciação do conhecimento.
A própria escola, que constitui o fundamental meio de urbanidade, de conhecimento e de propagação de valores, estimações, e de “figurações”, também deveria laborar mais assiduamente com a linguagem visual, semiótica e ilustrativa. Através das leituras humorísticas conseguimos alicerçar uma ligação entre a realidade afigurada e as vivências colectivas. Assim, a estrutura quotidiana da sociedade assume a função de veículo “transmissor”, sendo através dela que se confeccionam e se concluem autênticas obras de arte. O riso e a poesia dos traços, intrínseco aos cartoons, deverão constituir ferramentas poderosas de libertação, algo que a linguagem “normal” e verbal terá certamente mais dificuldade em vulgarizar. Neste contexto, será importante afirmar que os cartoons, nas salas de aula, permitiriam que os docentes, e os discentes, incrementassem a sua imaginação criativa e interpretativa.
O cartoon vulgarmente desfila com trajes ecuménicos e intemporais, podendo, deste modo, ser interpretado e saboreado, não só em diferentes culturas e sociedades, como também em dissemelhantes estádios. No desenho humorístico emprega-se por variadíssimas vezes a hipérbole, contudo este facto constitui um plano discursivo que, por um lado alteia o âmago do “recado”, e por outro inscreve uma tonalidade irónica no mesmo. Será que não é necessário contemplar e entender os significado e conteúdos do riso como exteriorizações de paradigmas de linguagem?