As crónicas são desenhadas de metáforas, representações, imagens, símbolos, ideias, insinuações, inspirações, sugestões, optimismos, pessimismos, realidades, razões, meditações, audácias, gradações, soluções, bagagens emocionais e socioculturais, preferências, sentimentos, discursos polifacéticos, subjectividades e vocábulos que “dilaceram” um cosmos de significação.
A estrutura e organização da crónica metamorfoseiam-se, de modo simultâneo, em diálogo e monólogo. Talvez a crónica seja um texto que não se lê ou “prelecciona” por incumbência, importância artística ou relevância intelectual do autor, mas sim pela satisfação absoluta e “imperiosa” que proporciona. O cronista institui modernos paradigmas de enunciação, transpondo as fronteiras promulgadas pela conotação e procurando que a crónica absorva múltiplas linguagens e “articulações”.
A crónica nunca deve ser interpretada como um texto que aconchega particularidades previsíveis numa circunferência fechada de conceitos, ideias e imagens. Caso contrário, não estaremos disponíveis para saborear o potencial e capacidade da mesma, uma vez que a crónica acaba por se corporalizar nas inúmeras possibilidades e qualidades de leitura que oferece ao leitor. A sua fertilidade temática e estética não se circunscreve a cânones restritos e absolutos, pois somente dessa maneira é possível a sua continuidade e modernização nos jornais diários.
Compreender que há espaços no jornal unicamente para a publicação de diferentes conspecções da realidade, como é o caso das crónicas, já contribui para que tenhamos a noção de que existem redacções jornalísticas, editores e directores que deixam relatar os acontecimentos de modo distinto daquele que estamos habituados a ler nas notícias.
A imagem atravessa os sistemas de comunicação, podendo ser degustada como um instrumento de auxílio ao rótulo de produção de sentido e significação. A complementaridade e a proximidade das imagens e das palavras estão profundamente ligadas ao facto de umas se alimentarem das outras. As imagens concebem as palavras que, por sua vez, originam as imagens numa simbiose íntima, enamorada e infinita. A recreação na utilização das palavras e imagens para a edificação de sentido é a cláusula que acaba por dar configuração e harmonia ao processo de comunicação.
Sempre que escrevo uma crónica, caminho sobre a superfície incomensurável da criatividade literária. Na realidade, cada leitor tem os seus cronistas predilectos, estabelecendo-se a correspondência em formatos afectivos e amorativos. Sinceramente existe uma ligação quase “carnal” entre o cronista e o seu leitor, bem como um encadeamento personalizado que facilmente se comprova com a colocação da fotografia do cronista junto à crónica. Neste contexto, podemos asseverar que nas crónicas não há um “testemunho” sem semblante, mas sim o “testemunho” de uma pessoa real, concreta e quase corpórea.
Espero, prezados leitores, que tenha ficado a ideia de que as crónicas se metamorfoseiam num instrumento de topografar e desvendar um país de paradoxos, impregnado de heterogeneidade e abundantemente complicado, como é o nosso. As crónicas também constituem um mecanismo importante para “afinar” a população, acompanhar o progresso e questionar as decisões políticas, económicas, sociais, religiosas e culturais de uma Nação que teima em viver de forma desigual e descoordenada.