COVID-19. Das Tormentas à Boa Esperança
Porém já cinco Sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d’outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
Os Lusíadas, Canto V, Estrofe 37
L. V. Camões
Dobrar o pico da pandemia e começar a descida da vertiginosa montanha é a nossa epopeia de 2020. Camões descreveu melhor do que ninguém a importância da passagem do Cabo das Tormentas para a gesta lusitana que haveria de dar novos mundos ao mundo e iniciar aí a globalização. No séc. XV, passar além do Cabo (na África do Sul) foi a chave para os Descobrimentos portugueses, visando alcançar a Índia por mar. Por isso, uma vez ultrapassado aquele Cabo pelas naus lusitanas, haveria de ser renomeado pelo Rei D. João II como Cabo da Boa Esperança.
A questão que nos consome agora é sabermos quanto tempo a pandemia vai durar para renomearmos o pico. Para que ele deixe de nos atormentar e nos traga esperança. Vamos no 44.º dia da pandemia em Portugal e as notícias (tão más as esperávamos) até são boas, quando comparamos com outras latitudes: Itália, Espanha, Reino Unido ou Estados Unidos da América, que sabemos terem sistemas de saúde públicos e privados mais robustos.
Urge, contudo, saber se estamos no “planalto” referido pelos especialistas e se vamos começar a descida. Nas figuras infra, a primeira com base em dados já verificados da Direção-Geral de Saúde (DGS) – e que vai desde 1 de março a 12 de abril – e a segunda com mera projeção de dados, do que pode ser a imagem gráfica do pico, o “planalto” e a descida, quase tão exponencial quanto a subida.
É uma visão otimista. Atingiríamos apenas 21000 infetados e em maio já só haveria 2000 não recuperados. Mas, ainda assim, com muito sofrimento para milhares de famílias portuguesas atingidas pela doença. Os nossos 2 primeiros infetados são do dia 1 de março e a projeção diz-nos que o topo poderá ser atingido dentro de dias (ao 52.º dia, será?) seguindo em queda por todo o mês de maio e levando-nos já para mês de junho, ou seja, praticamente até ao verão.
E o cabo das tormentas económico?! Se o nosso PIB (Produto Interno Bruto) está nos 212 mil milhões de euros – em 2019 – e se poderá contrair este ano entre 3 a 4%, significa que cada português vai perder em média 800 euros de rendimento, ou cerca de 3000 euros por família. Claro que são médias…uns vão perder muito mais e outros algo menos. As perdas poderão continuar em 2021, ainda que menores…é uma travagem muito significativa no rendimento das famílias e que desencadeará quebras no consumo em quase todas as áreas (exceção para os cuidados de saúde).
Por isso é importante posicionar desde já o país para o cabo da Boa Esperança não só na saúde, mas também na economia; e para o relançamento de alguns setores considerados vitais: serviços e cuidados de saúde, indústria exportadora – se os mercados internacionais iniciarem a recuperação – pescas, frutas, legumes, construção civil – com avanços nas obras públicas com fundos europeus na fase final de execução do PT2020 – moldes e serviços, sobretudo os que possam ser entregues com recurso ao teletrabalho.
Figura I
Fonte: DGS | Elaboração própria
Figura II
Nota: Mera projeção até ao fim de maio, não resultante de metodologia científica.
O número máximo de infetados rondaria os 21000 e no final de maio haveria apenas cerca de 2000 infetados.