A Oficina de Escrita é fruto de um protocolo de colaboração entre a Divisão de Educação, Intervenção Social e Juventude do Município da Guarda, e a Casa de Saúde Bento Menni.
Realizam-se exercícios que têm como finalidade principal motivar os participantes a escrever poemas e pequenos textos individuais ou colectivos. Os melhores poemas e textos são seleccionados pelos participantes/autores e incluídos num livro colectivo. O processo de selecção é sempre muito participado e emotivo. Já apresentámos alguns livros individuais e colectivos. Recentemente apresentámos, no Auditório da Casa de Saúde Bento Menni e na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, o livro colectivo “Basta um Pássaro a Voar”. De realçar que a capa e a contracapa do livro são da autoria da minha filha.
A avaliação deste projecto é muito positiva, dada a assiduidade, o compromisso, o sentimento de pertença pela Oficina, a dedicação e o progresso verificado por parte de todos os participantes.
O Executivo da Câmara Municipal, assim como os responsáveis da Casa de Saúde Bento Menni demonstram ter enorme sensibilidade pela forma como abraçam este projecto e compreendem a pertinência do mesmo junto dos participantes.
José Saramago escreveu: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Nas sessões da Oficina de Escrita, ficamos com a certeza de que os autores não se limitaram, ao longo do seu percurso, e tendo em conta os vários papéis sociais que ocuparam e ocupam, apenas a ver.
E, se por um lado, os autores nos encaminham apontamentos de uma vida sofrida escrita de um modo positivo, colocando em alguns textos o bem-querer como configuração principal, inspira, por outro, a nossa alma com uma pergunta latente que nos inquieta: no ambiente de cinismo em que vivemos. será ingénuo acreditar que vale a pena pelejar por um mundo mais íntegro?
De salientar que a Oficina de Escrita foi alvo de candidatura por parte do Município da Guarda, tendo sido aprovada pelo Conselho Científico da Rede Territorial Portuguesa das Cidades Educadoras. Apresentei o projecto, em Torres Vedras, dia 10 de Novembro de 2023, no IX Congresso Nacional da Rede Territorial Portuguesa das Cidades Educadoras.
No dia 12 de Junho de 2024, três dos participantes da Oficina, Isabel Gantes, Joana Sarmento e José Carlos Ferreira, escreveram os seguintes textos:
Tiraram-me Quase Tudo
As roupas, a carteira, os sapatos, os pensamentos, os livros, os meus pais, os meus filhos e os meus sobrinhos. A minha solidão cinzenta e, sobretudo, o meu futuro não me deixaram nada de nada. Os céus perseguiram-me até ao âmago. Limparam as minhas pegadas na areia, as minhas cadelinhas amigas, os meus gatos, a minha vida autêntica, a minha voz roufenha, a minha querida bandeira de Portugal, o meu partido de esquerda, os meus amigos, as minhas enfermeiras estagiárias que choraram ao ver a minha cara envelhecida. Mas, não conseguiram tirar o aniversário passado, com as minhas borboletas e a escrita criativa às quartas-feiras.
Eu queria ser tudo e com nada fiquei, porém, a Oficina de Escrita devolveu-me a escrita e os livros que publicámos e ainda levará outros para publicar e reler.
Poemas Autobiográficos
Na Casa de Saúde, a produção de textos parece uma fábrica. Em pouco mais de 5 anos, os autores têm sido tão produtivos que já publicaram 5 livros, mas se tivessem sido 10 ou 11, a alta qualidade seria a mesma. Multifacetados nos temas, desde sentimentos próprios até descrições pormenorizadas da vida, histórias inventadas ou lamentos ecológicos.
Todos os temas são bons. Quando não há tema, escolhemos um tema livre e continua a ser excelente. Nunca se viu uma coisa assim. O papel branco é um incentivo para as ideias. Nunca fica vazio. Os elementos do grupo têm sempre ideias novas ou novas formas de falar do mesmo.
Veja-se o tema “Amor”. Já todos escreveram inúmeras vezes sobre tal doçura, sem esquecer o seu par, os pais, os filhos, os amigos, os animais e por aí fora. E saem permanentemente sentimentos diferentes, com uma variedade de fazer inveja a muitos poetas consagrados que por aí andam.
E somos tão, mas tão bons, que gostamos sempre do que os colegas escrevem. Os esboços estão todos guardados para futuras leituras: “Olha, já não me lembrava deste! E fui eu que fiz!”
Os livros editados correm pela Guarda, comprados e oferecidos a privados, escolas e instituições. Em toda a parte são conhecidos e desejados.
E os autores, desistem? Nunca! Todas as semanas se juntam para elaborar novas obras-primas e se deliciarem com o estilo, a forma, a história e os poemas uns dos outros.”
Oficina de Escrita
“As sessões da Oficina de Escrita realizam-se na Biblioteca da Casa de Saúde Bento Menni, Casa das Irmãs Hospitaleiras na Guarda. Todas as quartas-feiras, no período da manhã, iniciamos mais uma sessão de escrita criativa.
O grupo é constituído por 11 doentes. Quando chega o dia, já o grupo está ansiosamente à espera. Pedimos a chave na receção e lá vamos nós para a Biblioteca. Abrimos a porta e cada um senta-se no seu lugar. São propostos vários temas e, em conjunto, escolhemos um para aquele dia. Quando estamos a escrever fica tudo em silêncio. Toca a pensar e a escrever!
Já lançámos vários livros que foram apresentados, ao público, na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, assim como no Auditório da Casa de Saúde Bento Menni.
Trata-se de uma atividade que me faz muito bem à mente e nós sofremos de problemas mentais. Gostava que ainda houvesse mais tempo para esta atividade, uma vez que, uns com os outros, enriquecemos o nosso vocabulário.