A mulher prostituída acaba por ser uma mediadora do dinheiro que vem do cliente e passa pelas suas mãos, seguindo de imediato para o chulo ou proxeneta. O crime de lenocínio advém, em grosso modo, deste tipo de fenómeno que infelizmente também conta com a passividade do Estado. O Estado demite-se da sua função, deixando nos braços da sociedade um vigoroso problema económico; um relevante custo social e uma robusta conexão com a delinquência.
Na realidade, a criminalidade estrutura e enlaça outras superfícies como sejam: a lavagem de dinheiro; o consumo de estupefacientes; e o comércio de pessoas. Será que quando “experimentamos” o conceito jurídico de prostituição, não nos deparamos, maioritariamente na fase inicial, com uma matéria vaga, vazia e supostamente insuficiente?
Ao abordarmos a prostituição em Portugal e no mundo, constatamos que se trata de uma actividade que calcorreou a totalidade da história conhecida. Por essa razão é que a prostituição é usualmente assinalada por “a mais velha profissão do mundo”. A prostituição sempre conviveu com elevados índices de descriminação colectiva e de reprovação social. Será que essa reprovação social não continua bem patente na actualidade? Será que essa condição não está associada à interligação que existe entre a prostituição, o mercado do corpo humano e a ausência de valores de índole moral? Será que a prostituição não consiste numa actividade dilatável aos dissemelhantes extractos sociais? Será que a prostituição é uma prática realizada exclusivamente por indivíduos de classes sociais “franzinas”? Será que com a evolução da sociedade moderna, o cliché da prática de prostituição, reconhecido e outorgado somente às mulheres indignas, não foi sendo metamorfoseado?
O recurso à prostituição, por parte do homem como cliente, esteve sempre inventariado e circunscrito a determinada posição social bem como subordinado à própria disponibilidade financeira. Quanto maior for a disponibilidade financeira do cliente, melhores qualidades físicas terão as pessoas prostituídas a quem ele recorre. O contexto inverso também sucede, ou seja, quanto mais reduzida for a capacidade financeira do cliente, menores qualidades físicas terão as pessoas prostituídas a quem ele “apela”. Será que a prostituição, enquanto actividade, não se encontra “disciplinada” por uma autêntica e pardacenta “coisificação” da pessoa? Será que neste cabimento as valências físicas não ofuscam as valências intelectuais? Será que no palco da prostituição não é adjudicado um valor comercial à condição física e sexual?
A “coisificação” do homem deve ser interpretada como um símbolo do fatídico destino da humanidade. A trivialidade inerente à existência; a sociedade das aparências; a frequente e volumosa corrupção; a perda de valores morais; a generosidade suspeita; a competitividade absurda; e a pérfida visão económica constituem condições que fomentam a prioridade da coisa sobre a vida. O homem passou a ser uma espécie de ferramenta que tem como objectivos principais o prazer e o dinheiro, vendendo-se constantemente e procurando a vida fácil e a satisfação imediata. A sociedade outorga mais importância ao “ter” do que ao “ser” das pessoas. Os jovens são atacados teimosamente e ininterruptamente com essa perturbadora contraversão de valores. A disposição financeira, o estilo de vida de cada um e a própria sociedade constituem condições que promovem a prostituição jovem, feminina e masculina. Será que a prostituição jovem não representa uma actividade em gradual dilatação?
Realçar que a prática da prostituição, quando efectivada sem a intervenção de terceiros, acaba por representar uma tela profundamente subjectiva ou ilusiva, intrínseca aos próprios direitos de personalidade e da livre selecção, não sendo ratificada legitimidade ao Estado para proteger ou defender estas disciplinas, considerando a subjectividade dos direitos e princípios em jogo. Esta conjuntura também recairá sobre os clientes da prostituição, apesar de este cenário envolver um tipo de condenação moral. Do outro lado da barricada está obviamente a legitimidade reconhecida ao Estado para interceder junto de terceiros, designadamente aqueles que coadjuvam ou estimulam a prática de prostituição, recebendo dessa prática vantagens de cariz patrimonial ou não patrimonial. Todavia, o papel do Estado, em relação a esta matéria, tem sido ambíguo e pouco eficiente.
A prática de prostituição, de modo semelhante ao das diversas actividades de essência económica que obedecem à companhia do desenvolvimento da sociedade, metamorfoseou-se através de novas configurações para se aproximar dos clientes. Nesta congeminência podemos certamente referenciar os sites na Internet, bem como os anúncios em jornais e revistas unicamente estruturados e destinados a propagandear os serviços sexuais que se desejam vender.
Quanto aos sites na Internet, podemos referir que nos mesmos se encontram páginas unicamente vocacionadas para disseminar as pessoas que se prostituem. Essas páginas incluem vídeos; superfícies geográficas; fotografias; descrições físicas aprofundadas; tipos de serviço sexual; e as “contrapartidas” inerentes à prestação do serviço. Esta circunstância distanciou a atenção ou o “alerta” da comunidade relativamente à prática da prostituição, ao contribuir para o concreto decrescimento da prostituição de rua. Este tipo de prostituição é o formato que mais embate provoca junto das comunidades, consequência da sua elevada exposição pública. Este género de prática, devido principalmente à submissão que acarreta em relação à exposição pública, demovia muitos clientes de aceder à prostituição. Todavia, as novas tecnologias contribuíram para desviar a atenção das autoridades competentes, tendo seguramente aumentado não só o número das pessoas que procuram e recorrem a esses serviços, como também o das pessoas que se prostituem. Neste momento existem maiores índices de facilidade, pois os cidadãos podem aceder a este tipo de serviço de modo mais cómodo, incógnito e encoberto.
Contemporaneamente a prostituição está disseminada por casas particulares, clubes de massagens, estabelecimentos hoteleiros, bordéis e outros locais criados para essa finalidade. Esta situação acarreta maiores contextos de dificuldade de controlo por parte das autoridades competentes, embaraçando forçosamente as eventuais investigações de crimes e de infracções catalogadas com a prática em causa.
A prostituição em Portugal foi, ao longo dos tempos, alvo de diversas “configurações de atenção” por parte da disposição jurídica. A evolução histórica desta prática terá colaborado para os avanços e retrocessos que os legisladores têm recomendado na acostagem a esta complexa temática. Aos homens clientes é quase atribuída uma honorabilidade social, enquanto as prostitutas são alvo de indignação e fúria por parte da comunidade. Será que determinados problemas comprovados no passado, tais como a vulgarização de enfermidades, não se continuam a verificar? Será que os mesmos não foram apensos a novas práticas associadas à prostituição? Será que essas novas práticas não redundaram na criminalização de actividades relacionadas a essa prática e na concepção de novos géneros lícitos de crime?
Em consequência da prática de prostituição, despontam os grupos de indivíduos que, de modo organizado e hierarquizado, difundem a prostituição, explorando as pessoas que se prostituem e recebendo os proventos, bem como provocando o aparecimento e a consolidação de uma “economia paralela”.