A prescrição deveria ser saboreada como uma medida diametralmente extraordinária e ter perpetuamente adjacente no seu percurso a averiguação de “fortuitas” responsabilidades e comprometimentos.

A partir da década de noventa, as práticas criminosas aumentaram consideravelmente no nosso país. Esta conjuntura está profundamente associada à chegada de uma imensa quantidade de capital procedente da União Europeia. A “biografia” que empacotou os Fundos Estruturais nunca foi escoltada por uma aclimatada doutrina de superintendência relativamente aos autênticos e concretos destinos de parte desses fundos. Este bálsamo foi altamente coadjuvado pelo desadequado e pouco estruturado sistema penal. A criminalidade, alicerçada no poder económico, fazia, e continua a fazer, gato-sapato da Justiça.

A reorganização processual penal desfila em passos excessivamente brandos. A impunidade, provocada pela abundância de princípios e prescrições pouco argumentáveis que teimosamente subsistem no seio da nossa legislação criminal, emerge amiudadamente nos tribunais.
A compreensão social que os portugueses têm relativamente ao fenómeno da corrupção apresenta-se como uma condição de relevante pertinência para o avanço do número de episódios relacionados com o mesmo, particularmente quando esse entendimento é ornamentado por uma sensação de excessiva insuficiência em relação aos organismos da Justiça, na sua elementar função de ludibriar, condenar, corrigir, supervisionar e antecipar as condutas criminosas. Na realidade, os menos abastados financeiramente são julgados unicamente pelos magistrados de Primeira Instância, sendo o seu processo, por essa razão, alvo de uma singular análise e decomposição. Para os senhores feudais esta conjuntura acaba por ser significativamente dissemelhante, uma vez que os mesmos não só possuem dinheiro suficiente para contratar os melhores e mais badalados advogados, como também têm ao seu dispor uma jurisprudência misericordiosa e um conjunto de outras acções que desembocam na impugnação. Estes mecanismos de defesa são explorados até á exaustão. Em diversas ocasiões a única finalidade é a de procrastinar a sentença penal e esperar que o processo perfilhe as fragrâncias da prescrição. Desafortunadamente os formatos de prescrição penal existentes em Portugal são autênticos sinónimos de impunidade e condescendência.

Salientar também que a colaboração jurídica proporcionada aos cidadãos mais “destituídos” é, por diversas vezes, escassa e de qualidade muito duvidosa, uma vez que muitos dos advogados que o Estado disponibiliza são estagiários que não possuem desenvoltura profissional. Os cidadãos com menos recursos financeiros são uma espécie de cobaias nas mãos dos “futuros” advogados. Estes acabam por usufruir destas distribuições para de alguma forma alcançarem a tão almejada experiência profissional. Portanto, a população que pigmenta a base da pirâmide social parte, devido aos “comportamentos” burocráticos, em desigualdade.

As inconsequentes reformas efectivadas ao longo dos tempos não acomodaram estudos e investigações que preadivinhassem entendimentos sobre a ausência de eficiência nas execuções práticas. Deste modo, podemos afirmar que as reformas implementadas foram epidérmicas e tiveram em linha de conta unicamente os “sintomas” da enfermidade. Infelizmente subsistem lobbies que se alimentam da lentidão judicial e que, por esse motivo, têm todo o interesse que a Justiça continue inoperante. Os portugueses têm observado como os Partidos Políticos, a Assembleia da República e o Governo somente tentam combater as dificuldades imediatas e pontuais. As reformas têm, e de uma vez por todas, de opugnar o âmago do problema, afastando as políticas maquilhadas que os sucessivos Governos teimam em adoptar.

A prescrição não é mais do que a confirmação do apaziguamento do antagonismo criminal pelo tempo. Existem crimes hediondos que prescrevem, apesar de subjectivo, num reduzido período de tempo. Esta situação é extremamente iníqua para as vítimas, respectivas famílias e comunidade em geral. Tem forçosamente que vir a ser considerado um direito das vítimas, bem como dos seus familiares, que os indivíduos que de alguma forma as tenham lesado sejam encaminhados para um julgamento imparcial e célere.

Os crimes pelos quais algumas “figuras” da nossa praça foram recentemente condenadas poderão prescrever num breve espaço de tempo. Os advogados dessas individualidades têm esquadrinhado todos os recursos legais disponíveis para colocar em causa a deliberação condenatória, ou seja, este tipo de estratégia vai prorrogar a materialização da sentença. A possibilidade de prescrição, que provoca um sentimento universalizado de iniquidade, acaba por ser um fenómeno “popular” que transporta a impunidade para todos aqueles que têm hipóteses de sustentar processos por tempo indeterminado. Não será o estatuto socioeconómico do arguido um factor determinante para o protelamento dos processos?

Para diminuir as manipulações e obscuridades que a Lei abriga, também será fatalmente necessário edificar um conjunto de instrumentos de penalização que “recaia” sobre as constantes faltas de comparência nas audiências judiciais. As vítimas estão como que desamparadas por uma Justiça que, por motivos temporais e “legais”, invalida a possibilidade de alguns prevaricadores serem presentes a tribunal e simultaneamente serem julgados pelos seus comportamentos. Enquanto alguns flagiciosos desaguam no silêncio da impunidade, as vítimas permanecem com marcas para toda a vida.

A prescrição deveria ser saboreada como uma medida diametralmente extraordinária e ter perpetuamente adjacente no seu percurso a averiguação de “fortuitas” responsabilidades e comprometimentos. Contudo, a mesma, como se de cogumelos se tratasse, tem tido um incremento bastante preocupante, ao ponto de poder vir a ser considerada como uma verdadeira cominação para as populações. Este automatismo em que se metamorfoseou a prescrição de processos constitui um espelho da pérfida e péssima laboração do sistema judicial.
É certamente necessário que os portugueses sejam frontais e afirmem com toda a convicção que a impunidade dos corruptos, tendo em conta a prescrição de processos judiciais, é uma realidade no nosso país. A prescrição acaba por ser contemplada como uma injusta e mordaz certificação de inculpabilidade. Será que os mecanismos judiciais não se encontram embrulhados num exagerado secretismo? Será que os instrumentos judiciais não estão enamorados das telas da corrupção? Será que existe alguma transparência na actividade dos tribunais?

Por exemplo, a prescrição de processos intimamente ligados à corrupção financeira manifesta algumas ambiências de incapacidade e fraqueza do sistema judicial e judiciário em começar, e continuar, com a punição das personalidades contíguas a este tipo de delito, bem como transporta a opinião da sua própria e simples manipulação por parte de alguns arguidos munidos de maior influência financeira, social e política. Não será profícuo para a sociedade civil, a edificação de tribunais especializados que agasalhem proficiências para resolver processos de corrupção associados ao submundo económico e financeiro?

A Justiça Portuguesa está recheada de inúmeras lacunas e contradições, ou seja, dilemas que contribuem para que os cidadãos a cataloguem de ineficaz e inútil. Alguns dos “vácuos” que ornamentam a Justiça são: a espécie de desinformação que provoca nos cidadãos; a lentidão, inconclusividade e imparcialidade; a falta de recursos infra-estruturais e humanos; o tenebroso arrastamento dos processos nos tribunais que acaricia quase sempre a “funesta” impunidade; o facto de a defesa desfilar de mãos dadas com os requisitos financeiros dos cidadãos; a elevada quantidade de processos; as pouco explicadas amnistias; os traços de injustiça que desmotivam a população em relação à defesa dos seus direitos; a obrigatoriedade de o cidadão recorrer aos advogados; e a resistência às reformas verdadeiramente importantes e estruturais.
Contemporaneamente, o Ministério Público goza de uma tutela sobre a investigação, controlando-a em vértices legais. Todavia, e talvez até um pouco paradoxalmente, o mesmo não desfruta de uma interposição verdadeiramente activa e diligente sobre a própria investigação.
Na esmagadora maioria das circunstâncias, a Polícia investiga um determinado caso de forma “espontânea” e independente, e seguidamente transfere o “produto” ao Ministério Público que, tendo em conta os relatórios e exposições, incrimina ou inocenta. Será que com este delineamento, o controlo da investigação não surge muito serodiamente?

É seguramente importante tornar a Justiça mais convincente e equitativa. Algumas medidas que poderiam ser perfilhadas para essa finalidade são: implementar modernos recursos tecnológicos nas instituições de Justiça; especializar e particularizar a actuação e representação processual; organizar e disseminar campanhas de informação que visem o esclarecimento de toda a população; desenhar instrumentos de deliberação imediata para os processos mais simples; conceber e estruturar verdadeiros organismos e instituições de informação judicial; promover a profissão de Defensor Público; transferir utilidade e “paladar” aos Centros de Arbitragem; impulsionar o labor comunitário dos advogados; afastar da jurisdição dos juízes os processos mais “periféricos”; reduzir o número de instâncias nos tribunais; confeccionar estudos individuais para todos os pedidos de recurso; e limitar os recursos para os tribunais hierarquicamente superiores.