Facilmente os portugueses se apercebem da imensa impetuosidade que está adjacente à “disceptação” da franzina ementa publicitária.

A Rádio e Televisão de Portugal (RTP) deve operar de modo imparcial, cristalino, informativo, esclarecedor, intrépido e rigoroso, devendo não só provocar curiosidade e interesse, como também desadormecer as mentes irregulares e apáticas dos cidadãos portugueses. Será que não se trata de esbanjamento de dinheiro quando a RTP não se constitui como uma autêntica alternativa no que respeita aos programas culturais e de entretenimento? Será que o mesmo não acontece quando a RTP não desfila como verdadeira opção aos canais privados existentes? Será que a RTP contribui, de forma arreigada, para a erudição cultural, social, informativa, científica e social dos cidadãos? Será que a RTP agasalha arquétipos desafiantes para a própria concorrência entre os canais públicos e privados? Será que não existe a ideia generalizada de que os consecutivos Governos se aproveitam da RTP? Será que a RTP não foi instrumentalizada para beneficiar as ambições políticas e económicas de alguns particulares? Será que alguma vez a RTP utilizou a tão importante política de portas abertas? Será que o poder político em Portugal alguma vez resistiu à tentação de “adulterar” a RTP para desfechos propagandistas? Qual é a tonalidade da “indumentária” da ideologia de serviço público? Será que é profícuo libertar a RTP da indispensabilidade de concorrer comercialmente por audiências com os canais privados?


Na verdade, estas interrogações podem aconchegar múltiplas respostas, algumas no seio do “temperamento” legislativo, outras na sinuosidade do mercado dos conteúdos. Defendo que o serviço público deve existir, uma vez que esse requisito vai contribuir, de modo significativo, para uma sociedade mais informada, participada, ilustrada, iluminada e perfeita. Todavia, não só me parece que a RTP não é um canal que ofereça um efectivo serviço público, como também que seja difícil que recupere as audiências quando comparada com os canais privados. Será que a médio prazo os portugueses não estarão a objectar a aplicação dos recursos financeiros públicos numa minoria? Será que os conteúdos da RTP são muito dissemelhantes dos existentes nos privados? Será que há algum padrão de unanimidade sobre a temática serviço público?


Sem um sincero e verdadeiro serviço público, os canais de televisão vão acabar por transmitir unicamente os programas de elevada audiência, bem como aqueles que têm adjacentes desafogados rendimentos publicitários. Será que desse modo as televisões não vão perfilhar somente conteúdos fast food? Será que o “índice” cultural não é importante? Quanto custa um fidedigno serviço público de televisão, desprendido dos constrangimentos publicitários e dos combates de audiência?


Facilmente os portugueses se apercebem da imensa impetuosidade que está adjacente à “disceptação” da franzina ementa publicitária. A televisão pública aconchega um imenso potencial ainda por explorar, particularmente no espaço da produção própria de programas. Será que o potencial da RTP não é um magnífico diamante por perscrutar? Não será útil a discussão em torno dos custos e racionalidade da RTP?


Existe um inquietamento por parte dos portugueses em relação à ausência de uma definição cristalina de serviço público de televisão, uma vez que a mesma não é inteligível, tacteável e comensurável como acontece em outros serviços públicos. A RTP apresenta algumas finalidades como sejam: o “indigitamento” da prática de informar com rigor, verdade e independência; a promoção da cidadania e da multiplicidade política, social e cultural; o tributo e a contribuição para a informação, formação, educação e divertimento do público; e a disseminação da cultura, língua e identidade nacional. Será que o Estado não está obrigado a edificar, de forma ininterrupta, as teias da democracia informada e conscientemente participativa? Será que o Estado não está obrigado a garantir a presença, na sociedade, de mecanismos culturais, informativos, recreativos e educativos capazes de saciar as inúmeras indispensabilidades dos portugueses?
As políticas públicas de comunicação não desfrutaram de transformações viscerais. Como distinguir uma televisão pública, pois qualquer televisão acaba por ser uma concessão pública? Qual a função pública de uma televisão comercial?


O Estado tem forçosamente que definir dois vértices em concomitância: se realmente deve existir um serviço público de televisão e, em caso afirmativo, quais são as “substâncias” e “pigmentações” que o mesmo compreende. Caso não se perfilhe qualquer deliberação em relação à RTP, esta será infectada por metamorfoses políticas, grupos de pressão e empresas monopolistas. Neste contexto, nunca se conseguirá sarar a grande ferida. Não será extremamente relevante para uma Nação que os seus cidadãos tenham ingresso numa programação afastada do mercado publicitário e da intransigente uniformidade da rentabilidade privada?