Contudo, se por um lado os cidadãos exigem o decrescimento da violência, por outro, aquilo que temos assistido, em algumas ocasiões, é um comportamento por parte da polícia que suplanta os limites de actuação definidos na lei. Será que temos uma polícia democrática em Portugal? Quais são os motivos para Portugal estar no topo da lista negra da Amnistia Internacional?
A definição de violência policial acaba por ser algo implacável e circunscrito, uma vez que só compreende práticas ilegítimas da força física contra outros cidadãos. Os recentes modelos sociais vestem a indumentária da crise e da perturbação, aleitando a fragrância económica, social e política favorável aos padrões de violência mais “orquestrados” que agasalham e disseminam o logótipo do egocentrismo contemporâneo. Será que os choques e altercações só se circunscrevem às ligações interpessoais? Será que o sentimento de actuação violenta transporta os preceitos do mercado às derradeiras inferências e deduções? Será que não existem contextos de uso injusto de força física que são legais? Será que o emprego desnecessário da força consegue resolver pequenos antagonismos? Será que é necessário autorização para um grupo de indivíduos se agrupar e caminhar rumo a uma determinada “predestinação”?
Infelizmente, embora somente em algumas circunstâncias, os portugueses ainda continuam a aplaudir a polícia violenta que concretiza e centraliza as suas acções na justiça a qualquer preço. Na verdade, em algumas repartições da sociedade, parece ser normal a prática da violência. Será que os fins justificam sempre os meios? Estará no inconsciente das populações a noção de que a segurança pública está intimamente associada ao aprimoramento do dispositivo repressivo do Estado? Será que esse arquétipo de política não é inconciliável com a democracia? Será que os nossos governantes e legisladores não têm reforçado a ideia de uma cultura que aclama e recomenda que a violência urbana possa ser resolvida pela violência nua e crua?
A violência policial muda consoante o nível de condescendência popular e governamental. Esta conjuntura é responsável, por em determinados locais, existirem, em relação a outros, ambiências de supervisão mais vincadas sobre o funcionamento policial. A variação de comportamentos da polícia e do público acarinha algumas configurações como sejam: a directriz governamental no que toca à violência; a compreensão e assimilação da cidadania; a tela de conexão e “dependência” entre Governo e cidadãos; e o escalão de consentimento e entendimento social em relação à aplicação da violência para dissolver divergências. Os Governos ainda não conseguiram estabelecer uma política de segurança que combata eficazmente a criminalidade hodierna que vai aniquilando as comunidades. Torna-se imprescindível colocar em prática políticas de segurança que não estimulem a violência através do enfrentamento, da represália e da desconsideração da própria polícia. Uma verdadeira e inclusiva política de segurança pública deve edificar novos e salutares encadeamentos dos cidadãos com a polícia, assim como encerrar mutação de mentalidades, pois existe uma consciência colectiva que circunscreve a violência nos “indulgentes” e nos “perversos”.
Desafortunadamente, as políticas de segurança não dispensam a violência policial, subsistindo um cordel muito delgado entre a incivilidade e a civilidade. Será que o poder público não perdeu já a sua autenticidade? Não será importante abandonar a “feição” inerte em que os portugueses se encontram?
Na medula das instituições policiais desfilam algumas variáveis capazes de transformar o itinerário dos acontecimentos como sejam: dissemelhantes contemplações dos direitos humanos, das “particularidades” sociais e demográficas, da democracia, da condescendência e do despotismo. Será que o imaginário social do polícia não é constantemente sustentado por um mecanismo repressivo que ainda aconchega e esquadrinha inúmeras estratégias opressoras provenientes da Ditadura? Será que essas tácticas não atravancam ou impossibilitam o abeiramento e a interacção permanente entre polícias e cidadãos? Será que este caminho não gera índices de desconfiança da população em relação à capacidade e utilidade das autoridades?
A par dos estratagemas, mecanismos, vivências e experiências de providência, que procuram produzir atilhos de mutualidade, confiança, equilíbrio entre a polícia e a população, ainda subsistem paradigmas extraordinariamente veementes e “categorizados” de se pelejar o crime e as simples “exteriorizações” no nosso País. Se as instituições policiais são partidárias dos cânones democráticos, como podem as mesmas aplicar a violência circunscrita e absoluta?
No sistema de “composição” das reproduções sociais nas sociedades hodiernas, no qual o conhecimento científico se desenvolve e é reconhecido, princípios e doutrinas científicas são utilizados nas percepções, discernimentos e reinterpretações da realidade. A “insígnia” heterogénea e permeável da violência urbana possibilita a propagação das imagens sobre ela, implicando, simultaneamente, espaçosas transmutações nos seus almanaques nacionais e composições históricas. As reproduções sociais destapam as conveniências e antagonismos característicos das sociedades, exprimindo identidades, asseverações, estados de espírito e incontáveis esboços. Será que a correspondência entre a polícia e os cidadãos não está intimamente ligada aos reflexos, crenças, confissões e chavões que vão ficando consolidados nos dois lados da “barricada”? Será que os indivíduos não necessitam de utensílios que permitam encarar a realidade e consintam a sua catalogação com a sociedade que está apinhada de metáforas? Será que perscrutar o efeito exercido pelas representações sociais na sociedade não supõe compreender e envolver a doutrina de diversidades que assinalam essas mesmas representações, bem como os significados que elas exercem no panorama colectivo?
Sem ingressar em nenhum paradoxo, será importante realçar que as forças de segurança sentem-se algo injustiçadas por serem o centro das ponderações quando alguns dos seus profissionais perpetram transgressões, porém raramente nos recordamos dos mesmos quando têm comportamentos salutares para a comunidade. Será que esta situação não está profundamente associada às normas internas das instituições policiais? Será que os efectivos da polícia conhecem com transparência os limites assentidos às suas actuações? Será que dominam a doutrina normativa e lícita que superintende os seus comportamentos e procedimentos? Até onde pode chegar a violência “justificada” de um polícia? Será que os polícias entendem a multiplicidade e “sofisticação” social, assim como as diversas conjunções que conduzem a população a possuir diferentes interpretações sobre o seu labor e papel social?
Não será certamente descabido afirmar que a violência na sociedade é estruturada e estruturante, servindo como sustentáculo para os encadeamentos sociais. No fundo, a mesma, emerge como uma espécie de refúgio construtivo intrínseco às vivacidades das populações. Infelizmente a violência parece ser uma configuração “modelar” das comunidades, que como sabemos é alicerçada nas disparidades sociais. A ausência de monitorizações eficientes contribui para que a violência estrutural se metamorfoseie em acometimento espontâneo, originando fisionomias de veemência, ímpeto, vitimização e desconfiança que apadrinham a inflexibilidade e as desculpas para os exageros policiais. Logo, a percepção de perda do autodomínio sobre a criminalidade provoca que a polícia desenvolva condutas autoritárias, apoiadas em intemperanças, contra responsáveis por delitos muito graves, pouco graves ou até comportamentos de manifestação perfeitamente normais e ajustados.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.