A controvérsia tem-se expandido não só em relação às disciplinas que actualmente estão sujeitas a exame, como também à inclusão de todas as disciplinas do currículo no conjunto de disciplinas sujeitas a exame. As escolas concretizam um volumoso labor social que jamais pode ser avaliado em exame. Os rankings de escolas não registam a abnegação e o compromisso do corpo docente, nem tão pouco o progresso que os alunos assinalam. Quais são as principais finalidades dos decisores políticos e dos meios de comunicação social com a implementação e a disseminação dos rankings de escolas?
A contrainformação e a divulgação de informações falsas devem ser sempre examinadas com o máximo de cuidado e de ponderação, pois as mesmas traduzem-se em desfechos ou tomadas de decisão inexactas e improfícuas. Esta conjuntura acaba por acarretar risco potencial de malefícios e “venefícios” de natureza pessoal e institucional. Existem inúmeros contextos que podem influenciar o desempenho dos estabelecimentos de ensino, sendo que somente alguns desses contextos são passíveis de controlo organizacional. Será que os rankings de escolas permitem conhecer o coeficiente intelectual dos alunos, bem como a taxa de esforço e de progresso dos mesmos? Será que os rankings de escolas reflectem o grau de selectividade do estabelecimento de ensino relativamente ao recrutamento ou admissão dos seus alunos? Será que a alteração dos pressupostos e das metodologias de elaboração dos rankings de escolas de um ano para o outro possibilita a identificação de “tendências”?
O “mercado das explicações” é uma realidade em crescimento no nosso País, tanto na vertente da oferta como na da procura. Todavia, esse mercado apenas tem conquistado franzinas doses de reflexão. Será que o “mercado das explicações” não deve ser associado aos “fenómenos” do ensino público e do ensino privado? Será que o mesmo não deve ser relacionado com a obsessão de alguns sistemas educativos pelos testes e pela consecução de objectivos? Será que o recurso às explicações não constitui uma estratégia perfilhada pelos alunos e concernentes famílias para lidar com o desgaste do valor e da instrumentalidade dos diplomas académicos? Como classificamos a instrumentalidade dos diplomas académicos? Será que as famílias não procuram encontrar fórmulas, preceitos ou sistemas que possibilitem o incremento dos índices de competitividade dos seus filhos durante os percursos académicos e o período de inserção no mercado de trabalho? Será que as explicações não constituem uma dessas fórmulas? Será que em Portugal a procura de explicações não está em crescendo e com um público alvo cada vez mais jovem?
A propensão é para que os centros de explicações não reiterem as estratégias e as actuações aplicadas nas escolas. As explicações possibilitam dissemelhantes abordagens relativamente ao processo de ensino e de aprendizagem, principalmente pelas diferenças respeitantes às condições ambientais; às expectativas de êxito; à dimensão do próprio grupo de trabalho; ao grau de responsabilidade dos explicandos; ao reforço positivo acrescido; e à intensidade do comprometimento dos explicadores. Será que o “mercado das explicações” não é um género de mercado educativo no qual desfilam clientes, fornecedores e serviços? Será que os clientes desse mercado não são os alunos? Será que os fornecedores não são os explicadores individuais ou os centros de explicações? Será que os serviços não são os díspares arquétipos de apoio proporcionados pelos fornecedores?
As explicações melhoram as classificações dos alunos nos testes e hospedam um efeito motivacional, restringindo ou amputando o pavor dos exames, e aumentando os indicadores de confiança, de segurança e de auto-estima. Aos explicadores individuais juntaram-se variadíssimas empresas, em sistema de franchising, que inauguraram centenas de centros de explicações por todo o País. Porém, esta circunstância acaba por espelhar e promover uma cultura “difusa” de competição educacional, colocando novos reptos ao cânone da igualdade. Na verdade, a vantagem competitiva das explicações só está ao alcance dos alunos provenientes de famílias mais abastadas, ou seja, com maior poder financeiro. Será que o perfil dos pais que procuram explicações para os seus filhos não precisa de ser ampliado? Será que as explicações não estão na moda? Será que as mesmas são uma necessidade?
A procura de explicações poderá eventualmente fazer parte de um conjunto alargado de sinais e sintomas que caracterizam a privatização da educação. Muitos alunos e pais procuram os centros de explicações pelo facto de os mesmos constituírem uma configuração economicamente mais acessível daquilo que verdadeiramente gostariam de ter, ou seja, os filhos inseridos numa escola privada. De modo tendencial, estes pais estão insatisfeitos com a qualidade da educação pública e desejosos de que os seus filhos ingressem no ensino privado. Será que as explicações não envolvem elevados encargos financeiros? Será que não estamos perante um contexto de fortalecimento das condições de desigualdade de oportunidades das famílias e dos alunos? Será que os explicadores não são também professores das escolas? Será que a taxa de sucesso do seu ensino é mais elevada nos centros de explicações ou nas salas de aula das escolas? Quais são as questões éticas e deontológicas que se colocam no âmago dos encadeamentos recônditos entre o contributo do mercado das explicações e o contributo formal das escolas? Será que a elevadíssima percentagem de alunos que frequenta o mercado de explicações não destapa alguns índices de desconfiança, por parte dos pais e dos alunos, relativamente à “capacidade” da escola para fazer com que os mesmos obtenham os resultados que lhes permitam o ingresso no ensino superior? Será que a polémica sobre os rankings em Portugal não terá sido incitada por exigências relacionadas com a necessidade de prestação de contas e de transparência? Qual é a correspondência que existe entre os rankings de escolas e as políticas educativas para o mercado?
Em Portugal ainda não existe um verdadeiro sistema de accountability na educação. Somente desfilam directrizes políticas, regulamentos legais e expectativas sociais que precisam de ser aperfeiçoadas. Se pretendermos uma sociedade democrática que materialize e execute determinados princípios e valores capitais, somos obrigados a defender a necessidade de essa mesma sociedade estar correctamente informada e conhecer, com o máximo de rigor e de transparência possível, aquilo que acontece nas suas instituições, designadamente nos estabelecimentos de ensino. Certamente que não é com os exames nacionais ou outras configurações semelhantes de avaliação externa padronizada, metamorfoseadas em ferramentas de controlo social, redutoras e intensamente concentradas no Estado, que se fomenta a avaliação, a prestação de contas e a pluralidade de objectivos, compromissos, estruturas e agentes que edificam o sistema educativo. Será que alguém sabe verdadeiramente quais são os objectivos que os exames nacionais cumprem? Será que a perfilhação de determinados instrumentos de privatização e de mercantilização da educação não acabam por subvalorizar a escola pública? Será que a escola pública não deve estar comprometida e envolvida com os princípios da paridade de oportunidades; da pluralidade, da justiça, da cidadania e da democracia? Será que a aprovação e aceitação de lógicas de mercado, alicerçadas em formatos de comparação e de competição adulterados, não acarretam resultados perniciosos para o ensino? Será que a edificação de arquétipos democráticos, justos e cristalinos de avaliação, prestação de contas e de responsabilização não requisita a valorização social, cultural e política dos procedimentos de participação e de negociação? Será que o perfilhamento de paradigmas embebidos em igualdade social, educacional e avaliativa não assume um papel extremamente relevante? Será que os rankings servem para avaliar escolas? Será que os mesmos não disseminam uma imagem negativa e acromática das escolas públicas? Será que a divulgação de rankings de escolas não é um autêntico e triste ataque à escola pública? Será que os rankings de escolas não são totalmente ineficazes, despropositados e ineficientes? Será que é justo colocar no mesmo patamar escolas privadas, que seleccionam “minuciosamente” os seus alunos, e escolas públicas a que todos têm acesso? Será que boa parte dos alunos que frequenta as escolas públicas não beneficia de acção social escolar? Quanto custam, em média, as mensalidades nas escolas privadas? Será que não comparamos o incomparável?
Este artigo é da exclusiva responsabilidade do autor.