O exercício da liberdade sexual conjectura e obedece à integral capacidade de autodeterminação sexual. O direito penal deve, nesse sentido, proteger, de modo “parcelário”, o bem jurídico pessoal da liberdade e da autodeterminação sexual, unicamente dos acometimentos mais perigosos, incomportáveis e indesejáveis. Será que os cidadãos maiores de idade e capazes não têm o direito de exercer a actividade sexual em configurações de liberdade?
Os indivíduos, portadores individuais do direito, em contextos de completo gozo da sua capacidade de autodeterminação podem “regular” livremente a sua sexualidade, contudo sempre sem vilipendiar os direitos de terceiros. Neste contexto, podemos seguramente realçar que a liberdade sexual será o bem jurídico específico que importa salvaguardar, promover e disseminar não só na sua extensão negativa, resistência a imposições não pretendidas ou forçadas, como também na sua extensão positiva, manifestando-se pelo compromisso livre e verdadeiro. Será que nos crimes sexuais, o bem jurídico a proteger não deve albergar a liberdade e a autodeterminação sexual?
Na medula da criminalidade sexual, verifica-se a propensão para a identificação de alguns valores morais, patenteando essa conjuntura o pináculo da “altercação” no que se refere ao encadeamento entre o direito e a moral. Será que o direito penal deve ser contemplado e analisado como uma ferramenta de imposição de comportamentos alicerçados em valores éticos ou morais, expressos nas mais dissemelhantes ideologias? Será que toda e qualquer interposição, nesse entrecho, não resultaria numa configuração ferida de ilegalidade? Será que os regulamentos penais não agasalham valores éticos ou morais? Como se explica esse suposto paradoxo? Será que a superfície jurídica que hospeda a criminalidade sexual não assume como alicerce a dignidade da pessoa humana, nomeadamente na vertente sexual? Será que os valores considerados éticos ou morais não advêm ou são inerentes à própria dignidade da pessoa humana? Será que algumas condições, como o respeito, a estima e a protecção, não devem ser garantidas através da interposição penal?
A prostituição, enquanto actividade, sofreu, ao longo dos tempos, múltiplos géneros de regulação e em diferenciados períodos, sendo também caracterizada pelos diferentes critérios, raciocínios e entendimentos relativamente aos valores preponderantes.
O direito internacional faz emergir novas fisionomias de regulamentação da prática de prostituição que vão desde a regulação e o reconhecimento da mesma como actividade laboral lícita, até à criminalização do cliente de prostituição, passando por legislação imáleavel e abrangente de substância cominativa. Salientar que as dissemelhantes configurações de exploração da prática de prostituição devem ser examinadas e tidas em linha de conta. Neste intrincado campo existem vantagens, desvantagens, controvérsias, altercações, concertações e restrições, porém parece que o paradigma mais apropriado é aquele que agasalha o instrumento da regulamentação da prostituição, vertido num regime de excepção que ao distinguir uma actividade de árdua conciliabilidade com a dignidade da pessoa humana, promove a sua protecção e a dos cidadãos que se prostituem de modo clandestino ou encoberto. Apesar de dúbia a correspondência constitucional da suposta legalização da prostituição em Portugal, podemos naturalmente afirmar que a escolha legislativa acarretará sempre transformações profundas no âmago do direito civil e laboral. Será que contemporaneamente a actividade de prostituição não espelha uma espécie de “atravessamento” social corporalizado nos múltiplos formatos de exercício, de exploração e de análise? Será que o Estado deve desconsiderar uma actividade com tamanha extensão? Será que a prostituição, numa perspectiva universal, não representa uma das actividades ilegais mais proveitosas? Será que a mesma não materializa uma economia paralela totalmente à margem da supervisão do Estado? Será que a prostituição não está coligada ao tráfico de pessoas; à imigração ilegal; à lavagem de dinheiro; ao financiamento do crime organizado; e ao apadrinhamento do terrorismo? Será que a prostituição, na óptica das actividades ilegais altamente lucrativas, não está no mesmo patamar do tráfico de drogas e de armas?
As investigações efectuadas relativamente ao tráfico de pessoas para configurações de exploração sexual deparam-se com uma contrariedade antecipada, a significação ou a definição do objecto de análise. O tráfico de seres humanos é um conceito elevadamente intrincado que acaba por originar volumosas doses de polémica e de discussão relativamente à sua verdadeira acepção. Na realidade, a maior ou menor abrangência outorgada ao conceito pode influenciar as estratégias e as políticas de peleja ao fenómeno, podendo, e tal como já se verificou em inúmeras circunstâncias, ser objecto de algum manuseamento por parte dos Governos e das organizações internacionais que o explanam tendo como pano de fundo as finalidades políticas de um “ementário” próprio e particular. Será que a principal inquietação dos Governos não tem recaído na imigração ilegal e no crime organizado de cariz internacional?
As organizações feministas discutem o assunto do tráfico como sendo um fenómeno associado à gradual globalização da exploração sexual da mulher. Por sua vez, as organizações de direitos humanos, bem como as associações de imigrantes acentuam a vilipendiação dos direitos humanos nos indivíduos mercanciados, nomeadamente em relação aos seus contextos de trabalho. Neste sentido, é certamente pertinente afirmar que o conceito de tráfico para fins de exploração sexual deve ser excelentemente definido e decretado, pois somente dessa forma é que os mecanismos de combate são eficazes. Será que a enorme pressão internacional sobre esta temática não promoveu o desenvolvimento de políticas de combate ao tráfico de pessoas? Será que essa pressão internacional não aguilhoou os Governos a tomarem medidas? Será que Portugal não perfilhou nos últimos anos algumas medidas de prevenção e combate ao tráfico, assim como de auxílio às vítimas? Será que a concepção do Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos não constituiu um claro exemplo dessa conjuntura de imposição internacional? Será que a política principal, decretada pelos Governos, não é a preparação e o fortalecimento de legislação concernente a esta prática?
Embora exista uma enérgica confecção de acordos, deliberações e declarações internacionais, facilmente constatamos que o desassossego com a circunspecção e perigosidade do tráfico de pessoas, designadamente mulheres, para propósitos de exploração sexual ainda não se reproduziu no direito penal de diversas Nações. Será que a legislação de combate a este tipo de crime não deve ser escoltada por recursos, mecanismos e ferramentas que possibilitem a amputação do fenómeno no terreno?
Infelizmente o cenário que se tem comprovado em inúmeros Países realça o facto de a taxa de condenação dos traficantes de pessoas, principalmente quando confrontada com o tráfico de drogas ou de armas, é insuficientemente expressiva. Esta realidade tem como alicerces a indeterminação do conceito de tráfico; a complexidade inerente à obtenção de prova; a franzina comunicação e articulação entre as distintas forças policiais; e a frágil formação dos agentes policiais. O temperamento transnacional deste género de criminalidade impõe estratégias e políticas nacionais que não sejam implementadas de forma insulada. A índole do tráfico de seres humanos determina que os Países colaborem entre si, impedindo, desse modo, que os traficantes manipulem o deserto constitucional que alguns Países agasalham. Os Governos encontram-se num ininterrupto dilema entre a salvaguarda e a promoção dos direitos humanos, e a pretensão de controlo das fronteiras. Será que as fronteiras não constituem manifestações de soberania e de independência? Será que a maioria dos Governos possui programas que consintam às mulheres traficadas concretizarem opções reais e benévolas relativamente ao seu futuro?